No Vale do Taquari, os produtores rurais da pequena cidade gaúcha de Teutônia precisam desativar o laticínio e, pior, abandonar a Mimi, a marca de leite que tanto os orgulha. O abatedouro de suínos também foi colocado à venda. Para quem está acompanhando a crise financeira da Languiru, a história acima pode parecer atual, mas remonta a 1982, quando a cooperativa teve de abandonar a industrialização de produtos agropecuários.
Se o passado volta a assombrar, também pode trazer esperança. Nas décadas que se seguiram aos anos 1980, a cooperativa gaúcha conseguiu se reerguer, constituindo um parque fabril que contribuiu com o faturamento de R$ 2,7 bilhões registrado em 2022.
É em torno desse parque industrial, aliás, que a Languiru sustenta o plano de salvação para um negócio que sofre com uma dívida bilionária e concentrada no curto prazo. A estratégia de reestruturação é liderada pelo presidente Dirceu Bayer, que está à frente da cooperativa há 20 anos, período marcado pela construção do frigorífico e do laticínio.
Desde 24 de fevereiro, quando disse aos bancos credores que precisava de um standstill — paralisando o pagamento de juros e amortizações —, Bayer começou uma maratona para convencer os milhares de cooperados das medidas duras que os assessores consideravam crucial para a salvação. Na quinta-feira passada, um primeiro alívio: em assembleia, a Languiru foi autorizada pelos sócios a negociar a venda dos frigoríficos.
Juros inviáveis
Por telefone, Bayer atendeu ao The Agribiz na tarde de ontem. Solícito, não se negou a falar, mas pediu perguntas diretas e rápidas antes que entrasse em uma outra bateria de negociações.
“As dificuldades ainda continuam, mas existe alento. O resultado da assembleia foi fundamental para a continuidade da Languiru. Para ter fornecimento de insumos e credibilidade no sistema financeiro”, resumiu o presidente da cooperativa.
Com a maior parte dos bancos, a Languiru já conseguiu quatro meses de carência e fez uma proposta de estender a carência por um ano ou dois, com cinco anos de prazo para pagar. “O problema não é dívida com o banco. É o custo. Nenhum setor se viabiliza com 17%, 18% de taxa”, lamentou Bayer.
No atual custo de capital, a dívida precisa cair, especialmente porque os negócios de frango e carne de porco operam com prejuízo. Aves e suínos representam mais de 50% das vendas da cooperativa.
O plano para reduzir o endividamento — mais de R$ 800 milhões — inclui a venda de um pacote que abrange a fábrica de ração e os frigoríficos de frango e suíno. A Languiru já disse considerar até mesmo a venda integral desse ativos, com o que calculou que poderia levantar entre R$ 250 milhões e R$ 300 milhões. Mas a oferta que está na mesa mantém a cooperativa com alguma participação nos frigoríficos.
As negociações com os chineses
As negociações ainda são recentes, mas a Languiru assinou um protocolo de intenções com um consórcio formado por ITG Holding, grupo estatal que pertence à cidade de Xiamen, e TJJT (segundo uma fonte que conhece bem o mercado chinês, esta é uma empresa criada recentemente). A ideia é criar uma joint venture, potencialmente controlada pelos chineses, mas com participação da Languiru.
Bayer acredita que a due diligente levará dois meses, mas não descarta um plano B caso as negociações não avancem. Nesse setor, a cautela não é sem razão. Uma porção de donos de frigoríficos médios já foi cortejada por representantes chineses, entabulando conversas que começavam promissoras mas nunca se tornavam uma realidade.
Segundo Bayer, o namoro da Languiru com os chineses começou em março, durante a Expodireto, tradicional feira agropecuária organizada pela cooperativa Cotrijal em Não-Me-Toque. “Eles vieram aqui, durante dez dias, e se encantaram com nossas indústrias”.
Languiru no mercado de capitais
“Se fizermos a joint venture, podemos pagar os bancos com esses recursos e ficar com pouca dívida na cooperativa”, anima-se o presidente da Languiru.
O desfecho positivo também será relevante para os detentores de CRAs. A cooperativa têm R$ 150 milhões em papéis no mercado de capitais. O maior credor é o Fiagro da gestora Valora (ver abaixo).
Em fevereiro, os detentores dos CRAs deram um waiver à Languiru, evitando o vencimento antecipado que seria disparado porque a cooperativa não cumpriu os covenants e virou o ano com a relação Ebitda/resultado financeiro em 1 vez, abaixo do mínimo exigido (1,2 vez). “Está tendo conversa e vamos tentar acordo com eles também e pagar na medida do possível”, resume Bayer sobre os credores do mercado de capitais.
Até agora, a Languiru está em dia com os CRAs, mas o sucesso das negociações com o consórcio chinês é fundamental para que isso continue. A Valora agradece.