A irrigação é sem dúvida um dos temas mais interessantes e, ao mesmo tempo, mais complexos sobre os quais um generalista como eu poderia se arriscar a escrever. Começo, portanto, pedindo licença aos amigos especialistas pela generalização e simplificação desavergonhada que faço aqui.
O fato é que tenho visto algumas projeções em que se considera que a produtividade será sempre alta e constante “porque a área é irrigada”. Começando pelo fim: irrigação certamente ajuda muito, mas não garante alta produtividade!
A definição de um sistema de irrigação deve levar em conta diversos fatores, como o tipo de solo, histórico de chuvas, temperatura, vento, tamanho da área a ser irrigada, energia, distância e disponibilidade de água etc.
A escolha e a implementação do sistema de irrigação, portanto, são críticas e devem ser feitas por quem entende do assunto. Mesmo fazendo tudo certo, em anos de El Niño/La Ninã fazendo estrago, a irrigação não vai zerar os impactos na plantação.
Os sistemas de irrigação têm evoluído muito e atualmente há sistemas de pivô central capazes de fornecer o equivalente a até 9mm de água a cada 24 horas.
Pensando nas culturas soja ou milho, pode-se dizer que, na média e em condições normais, a planta precisaria de cerca de 5mm de água por dia. Dessa forma, pode se ter a falsa impressão de que um bom sistema de irrigação daria conta, mesmo que não chovesse.
Mas é aí que a coisa complica.
Em primeiro lugar, é difícil um sistema de irrigação que consiga molhar a área de maneira relativamente uniforme. Além disso, sistemas aéreos, como é o caso do pivô central, proporcionam gotas menores, que são mais facilmente levadas pelo vento e evaporam mais rápido.
Muitos sistemas só funcionam à noite, por conta da tarifa mais baixa de energia e, portanto, a irrigação não é feita 24 horas por dia.
Assim como ocorre com os seres humanos, a planta pode precisar de muito mais água, dependendo das condições climáticas que tiver que enfrentar. Nessa última safra, por exemplo, boa parte do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul sofreu com intervalos longos sem chuva (os tais veranicos) e com temperaturas extremamente elevadas, superando os 42 graus. Em condições como essa, a demanda de água da planta praticamente dobra e, mesmo com toda irrigação, o calor faria algum estrago por conta da evapotranspiração exagerada da planta.
Um bom sistema de irrigação certamente pode salvar a safra e ainda garantir uma produtividade mínima que supere os custos de produção. Mas isso é diferente de garantir alta produtividade, independentemente do clima.
Em Mato Grosso do Sul, tenho visto áreas de sequeiro (ou seja, não irrigadas) em que se produziu menos de 40 sacas de milho por hectare — o que não cobre o custo. Enquanto isso, em áreas irrigadas na mesma região, a produtividade atingiu cerca de 100 sacas de milho por hectare. Mesmo assim, essa produtividade é bastante inferior à média de 150 sacas por hectare obtida em anos com clima mais favorável.
Em suma, mesmo com o melhor sistema de irrigação, não devemos esperar que o impacto do clima na produtividade seja eliminado.
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Ruy Toledo Piza é head do jurídico e sócio da gestora Augme Capital. Advogado especialista em produtos estruturados e agronegócio, é formado em direito pela Universidade de São Paulo e administração pública pela EAESP FGV, com pós graduação LLM pela University of London.