O controverso leilão da Conab para importar arroz não teve apenas um resultado sui generis, com mercearias de bairro ganhando um curioso protagonismo. O caso também destampou uma teia de conflitos de interesses públicos e privados envolvendo o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, seu filho Marcelo e dois ex-assessores parlamentares.
No certame da última quinta-feira, a Foco Corretora de Grãos LTDA foi a corretora responsável por 11 dos lotes vencedores do leilão, com uma oferta de R$ 580 milhões para importar 116 mil toneladas de arroz. Pelas práticas de mercado, as comissões variam de 0,5% a 1%. Ou seja, a Foco poderia embolsar até R$ 5,8 milhões.
Sediada em Cuiabá, a corretora Foco pertence ao empresário Robson Almeida de França, que foi assessor parlamentar de Geller entre 2019 e 2020, quando o agora secretário era deputado federal.
França não é apenas o dono da corretora. Ele é igualmente o presidente da BMT, a Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso que está credenciada na Conab e foi a responsável pelas ofertas em que a Foco Corretora teve clientes como vencedores (ASR Locação, Icefruit e Zafira Trading). Pelas regras da Conab, cada cliente só pode ser representado por um corretor e uma bolsa em um mesmo leilão.
A BMT e a Foco não tinham qualquer tradição em participar de leilões da Conab. Na verdade, até o ano passado as duas sequer existiam. A BMT, por exemplo, foi criada oficialmente em 28 de maio de 2023. A fundação da Foco se deu de forma concomitante, em 1º de maio de 2023.
Poucos meses depois, o ex-assessor parlamentar de Geller se tornou sócio de Marcelo Geller, filho do atual secretário de Política Agrícola. França e o filho do secretário fundaram Gf Business Ltda Me em 23 de agosto de 2023. A principal atividade da companhia é ser uma intermediadora. Tipicamente, companhias como essa ficam com uma comissão por ajudar a conquistar clientes.
Em entrevista ao The AgriBiz neste sábado, Geller disse que o leilão não teve influência sua e afastou a participação do filho. “A empresa que o Marcelo é sócio não participou de nenhum leilão e está inativa”, afirmou.
Neri Geller e a Política Agrícola
Quando França e Marcelo Geller formaram a sociedade, Neri Geller ainda não era secretário de Política Agrícola por uma questão jurídica. O político de Mato Grosso estava com os direitos suspensos por abuso do poder econômico e só conseguiu reverter a situação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no fim do ano.
Desde a eleição de Lula, Geller era um dos políticos do agro mais próximos do petista e foi secretário e ministro da Agricultura no governo de Dilma Rousseff. Durante a transição para o novo governo Lula, ele era visto como um dos favoritos para assumir como Ministro da Agricultura, mas seu imbróglio jurídico o impediu.
Mesmo assim, as costuras políticas preservaram um espaço para ele na Pasta. Não à toa, a importante secretaria de Política Agrícola ficou vaga até que Geller pudesse assumi-la, o que ocorreu em 22 de dezembro do ano passado.
Com todas as conexões, a participação de Robson Almeida de França nos leilões na Conab chamou muita atenção em Brasília. Nos círculos do poder, a situação vai significar uma forte pressão pela queda de Neri Geller.
Não à toa, a situação já chegou aos ouvidos do ministro Carlos Fávaro, que está na China, e do ministro da Casa Civil, Rui Costa, apurou The AgriBiz. A dúvida agora é saber de quantos leilões BMT e Foco participaram desde o ano passado.
A situação fica ainda mais complicada por que França não é o único ex-assessor parlamentar de Geller envolvido no leilão. Indicado por Geller ainda no início do governo Lula, Thiago José dos Santos é o diretor Operações e Abastecimento da Conab, um cargo crucial na realização dos leilões.
Santos e França, aliás, trabalharam juntos no gabinete de Neri Geller. O agora diretor da Conab foi assessor parlamentar do político entre 2019 e 2023.
Procurado por The AgriBiz, Santos disse que Neri Geller não tem influência nos leilões da Conab, e que a BMT foi criada após uma campanha feita pela Conab para o credenciamento de novas bolsas no início do ano passado.
Robson Almeida de França também comentou a sua relação com o filho de Geller. “Nós tínhamos aberto uma empresa distinta a essa, mas o negócio acabou não ocorrendo. Não tivemos faturamento nem conta bancária. Não teve nada. Acabamos abrindo e não deu continuidade”, disse. O Ministério da Agricultura também foi procurado, mas ainda não respondeu.
Em um leilão que já estava cercado de polêmicas (é o maior desembolso da Conab em décadas), o emaranhado de interesses públicos e privados de Geller jogou gasolina na fogueira. Brasília ferve.