Na reta final do período de crescimento dos canaviais, Pierre Santoul, CEO da Tereos, tem uma estimativa mais pessimista do que a média de mercado para o volume de moagem da safra 2024/25. Para ele, as usinas do Centro-Sul devem processar menos de 590 milhões de toneladas de cana —abaixo da estimativa mais recente da Datagro, de 598 milhões de toneladas. Na safra passada, a região moeu 654 milhões de toneladas, um recorde.
A produção de açúcar também não vai tão bem como se esperava por causa do clima excessivamente seco. Normalmente, a falta de chuvas é bem-vinda durante o período de moagem. Além de favorecer o ritmo da colheita, ajuda na concentração do teor de sacarose na cana, o chamado ATR (açúcar total recuperável). Mas, depois de um certo nível de secura, há uma degradação desse indicador. É o que está acontecendo neste ano.
Para o CEO da Tereos, a produção de açúcar pode ficar abaixo de 40 milhões de toneladas. No início da safra, as previsões apontavam para 42,5 milhões de toneladas, lembra Santoul. Mesmo com todas as usinas optando por um mix mais açucareiro possível, a produção cairá em relação às 42,4 milhões de toneladas em 2023/24.
Há cerca de 15 dias, a Datagro, consultoria referência no setor, já havia indicado problemas, reduzindo a sua estimativa para a produção de açúcar para 40,75 milhões de toneladas. “A cana está indo para a indústria com menos qualidade, mais fibra. Além disso, algumas usinas estão colhendo cana que ainda não se desenvolveu de forma completa”, afirmou Bruno Freitas, economista da Datagro, em evento recente.
A seca no Centro-Sul tem dado suporte aos preços do açúcar na Bolsa de Nova York, com os contratos futuros voltando a ultrapassar US$ 0,19 por libra-peso. Nos últimos 30 dias, o açúcar subiu cerca de 5% na ICE. Para Santoul, há espaço para novas altas.
“Claramente não há interesse em fixar (as vendas futuras de açúcar) no contexto atual do mercado”, disse o executivo, que evitou dar mais detalhes a respeito da política de hedge da companhia em entrevista coletiva. Disse apenas que “grande parte” da safra 2024/25 está fixada.
Lucro recorde
Os preços foram uma parte importante do tripé que fez a companhia apresentar lucro recorde no ano passado, ao lado da desvalorização cambial e de ganhos de produtividade. Neste ano, mesmo em meio a uma safra afetada pela seca, a companhia vê espaço para seguir avançando — e colhendo os benefícios dos investimentos feitos em melhoria de mix.
Hoje, a proporção de produção de açúcar na Tereos é de 70%, muito acima da média de mercado —na safra 2023/24, o mix açucareiro no Centro-Sul ficou em 49%, segundo dados da Unica. De acordo com o CEO, esse percentual pode ser elevado até 75% ao longo do tempo caso as condições mais favoráveis ao comércio do açúcar permaneçam.
Na safra 2023/24, a receita da companhia subiu 30%, para R$ 6,7 bilhões, trazendo efeitos positivos por todo o balanço, até chegar ao lucro líquido histórico de R$ 719 milhões. A companhia processou 21,1 milhões de toneladas de cana, um crescimento de 22%.
Acima da média
Apesar da tendência de queda no processamento este ano, a Tereos espera manter a moagem em cerca de 21 milhões de toneladas. Segundo Santoul, esse patamar deve ser um “novo normal” para a companhia, refletindo os investimentos recentes em maquinário e nos canaviais.
“Fizemos um esforço do lado agronômico para melhorar nossas práticas através da variedade, dos tratos, e também de tratamentos específicos. Nós acreditamos que, mesmo com condições adversas de clima, o impacto será menor”, afirmou.
Os investimentos da companhia vieram em um momento aquecido de aportes ligados ao processamento de açúcar. Como The Agribiz mostrou, no ano passado, os investimentos estavam perto de R$ 1 bilhão.
Mais do que uma tese de curto prazo, o aumento do consumo de açúcar traz um colchão de conforto para a Tereos continuar investindo para aumentar a capacidade de cristalização. A demanda pelo adoçante deve aumentar em oito milhões de toneladas nos próximos cinco anos, e a companhia quer estar preparada para atendê-la.
Os investimentos, portanto, continuarão contemplando a melhoria de mix. Por enquanto, a Tereos não vê espaço para novas usinas nos estados de São Paulo, Paraná, Goiás, Minas Gerais e Paraná. Projetos greenfield teriam de ser realizados em regiões onde o cultivo da cana é mais desafiador, o que não está nos planos da empresa no momento.
E o etanol?
Com toda essa segurança de demanda de açúcar nos próximos anos, somada à posição de destaque do Brasil nesse mercado e às inseguranças que o mercado de combustíveis traz, Santoul descarta investimentos em biocombustíveis, pelo menos por enquanto.
O executivo vê o mercado local com ceticismo, relacionado principalmente às políticas de preços da Petrobras —o preço da gasolina está abaixo da paridade internacional. No cenário externo, ele avalia que as eleições norte-americanas criam inseguranças a respeito dos planos de investimentos em sustentabilidade. Na Europa, a Tereos é a principal produtora de etanol de segunda geração, com uma produção de mais de 200 mil metros cúbicos.
“É difícil imaginar que o governo americano vai dar subsídio para importar etanol do Brasil quando tem uma produção importante de etanol de milho nos Estados Unidos. Tem que ver como a coisa vai se estabilizar. Hoje claramente tem um potencial de SAF, mas ainda é muito cedo para construir um modelo de negócios validado. Seria super positivo esse mercado se materializar, mas ainda é muito cedo para concluir que isso vai acontecer”, disse Santoul. (Colaborou Victória Roberta)