Opinião

A Embrapa envelheceu, mas uma nova já nasceu — longe do Estado

A agenda estratégica da Embrapa ainda está atrasada,  discutindo burocracia, processos decisórios longos e outras questões bizantinas

As instituições de pesquisa tiveram papel central na transformação da agropecuária brasileira, cumprindo um papel extraordinário para a emergência do Brasil como potência exportadora de alimentos a partir da década de 1990.

Sem sombra de dúvidas, devemos boa parte da potência agrícola que somos hoje ao Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, formado pela Embrapa, as instituições estaduais de pesquisa (Incaper, Epamig etc.) e as universidades brasileiras UFV, ESALQ, Universidade Federal de Lavras, entre outros).

Marcos Lisboa, um dos economistas mais respeitados do País, destacou com maestria a concertação que permitiu a revolução agrícola brasileira, em um artigo publicado no ano passado.

“Existem exemplos no Brasil de combinação de políticas públicas, empreendedorismo privado e inovações tecnológicas que permitem aumentos recorrentes da produtividade, da renda das famílias e de crescimento econômico. E existem duas experiências de sucesso: o Porto Digital do Recife e o agronegócio. Ambas têm em comum o desenvolvimento de novas tecnologias e o cuidado técnico no desenho da intervenção pública”, escreveu Lisboa.

Deterioração da Embrapa

Em um recente relatório, o Grupo de Estudos Avançados de Aprimoramento do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária ؙ— um colegiado criado em 2023 pelo Ministério da Agricultura e formado por personagens relevantes do agro brasileiro — comemorou nossos feitos.

“Passados 50 anos, constata-se uma profunda transformação na agricultura brasileira. O País tornou-se autossuficiente na quase totalidade dos produtos alimentícios bem como um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo. Para alcançar esse resultado, a Embrapa desempenhou um papel fundamental, ao gerar e difundir tecnologias que permitiram a incorporação de novas áreas ao processo produtivo, sobretudo no Cerrado, além de proporcionar um expressivo aumento da produtividade e, consequentemente, da produção”.

Isso é verdade. No entanto, também é verdade que a Embrapa sofreu uma deterioração acelerada nos últimos 20 anos.

Aqui, há uma enorme contradição. A imagem é positiva no senso comum entre produtores rurais e o mundo político, mas “são numerosos os aspectos, processos, tendências, atividades e o mau funcionamento de estruturas internas que poderiam ser citados para indicar, sem nenhuma dúvida, a sua influência deletéria no cotidiano da estatal”. A palavras não são minhas, mas deu notório pesquisador e crítico: Zander Navarro.

Atualmente, a Embrapa conta 8 mil servidores, sendo 2,2 mil pesquisadores, 43 unidades de pesquisa, 600 laboratórios. A estatal destina quase todo (90%) o seu orçamento com pagamento de salários dos servidores, o que mostra o pequeno espaço para investimentos.

A atual presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, apoiada pela diretoria executiva e pelo pesquisador Paulo Martins, tem buscado caminhos para sair desse encruzilhada, no que devem ser apoiados.

Lamentavelmente, no entanto, a agenda estratégica da Embrapa ainda está atrasada,  discutindo “burocracia, processos decisórios longos, ausência de sistema individual de avaliação, modelo jurídico,  estrutura e distribuição das unidades espalhadas pelo país”.

A Embrapa do futuro

Em Brasília, enquanto ainda se discute “como será a Embrapa do futuro?”, expressão recém-utilizada pelo ministro Carlos Fávaro, uma nova Embrapa está nascendo, longe do Poder Central e do dinheiro público.

Essa Embrapa são as agtechs brasileiras. Com financiamento privado (sobretudo de fundos de venture capital), forte empreendedorismo, paixão por resolver as dores dos produtores rurais e um oceano azul pela frente, centenas de startups brasileiras fazem disrupção, desenvolvem novas tecnologias e ocupam o flanco aberto pelo Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária.

Um dos últimos levantamentos da Distrito mostra que 74,4% das agtechs da América Latina constroem produtos e serviços atendendo produtores rurais. No Brasil, essa porcentagem é ainda mais expressiva, ultrapassando os 81%. 

“Estas empresas não estão somente trazendo mais tecnologia para as fazendas, como também propondo soluções alinhadas com uma produção pautada na sustentabilidade e conservação do nosso planeta”, disse Gustavo Gierun, CEO do Distrito.

Nessa conclusão, o Distrito não está sozinho. Há diversos estudos que buscam dimensionar o tamanho e importância dessa “nova Embrapa”.

O Radar Agtech Brasil 2023 — um trabalho produzido pela própria Embrapa, em conjunto com SP Ventures e a consultoria Homo Ludens — aponta que o país já conta com 1.953 startups atuando no agronegócio. O número de startups ativas é 14,7% maior do que o registrado no ano anterior.

De onde vem o dinheiro

Do lado do financiamento, o capital privado tem origem nos próprios fundadores das agtechs, seus amigos e famílias, investidores anjos, aceleradoras, fundos de venture capital, corporate venture capital e fundos de private equity.

Em 2022, as startups de tecnologia agroalimentar da América Latina conseguiram angariar US$ 1,7 bilhão. Desde 2018, o financiamento total garantido por startups de tecnologia agroalimentar na América Latina atingiu impressionantes US$ 7,3 bilhões. sendo que aproximadamente 50% no Brasil, segundo o Latin America AgriFoodTech Investment Report 2023.

Entre 2019 e 2023, o investimento em agtechs foi, em média R$ 600 milhões por ano, considerando o dólar a R$ 5,00. Isso é bem superior ao orçamento da Embrapa para investimento no mesmo período.

A presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, defende R$ 500 milhões por ano de investimento, mas costuma reconhecer. “Estamos batalhando por emendas. O ideal é termos R$ 520 milhões, e só temos conseguido um terço disso nos últimos anos”.

No financiamento e apoio às agtechs, há um ecossistema parrudo, composto por investidores e gestoras como SP Ventures, 10b Tarpon, Barn Investimentos, Mandi Ventures, Rural Ventures, The Yield Lab, KPTL, Suzano Ventures, GK, Agroven, Agtech Innovation PWC, InovaBra e Cubo Itaú.

Uma questão cultural

Essa nova constelação é o que forma a Embrapa do futuro. Nesse conjunto, há um alienamento de interesses poderoso. Os fundadores das agtechs e os fundos de venture capital geram impacto econômico, ambiental e social no campo, mas também estão alinhados nos lucros. Ganhar dinheiro é um alinhamento evidente. E necessário.

No caso da Embrapa, qual deve ser a motivação dos pesquisadores? Como fazer o alinhamento? Qual modelo jurídico mais eficiente? Como ampliar a parceria com o setor privado?

“Não apenas é preciso construir uma agenda de pesquisa agrícola realmente moderna e atualizada, mas também mudar as práticas dos pesquisadores e a visão dominante sobre o real significado de pesquisa agrícola ante as extraordinárias vicissitudes atuais de produção científica e da espantosa revolução tecnológica em curso”, provoca Zander Navarro.

Se conseguir se reinventar, a Embrapa terá ao seu lado um conjunto pulsante de empreendedores e fundos de investimentos que não teve na década de 1970. Juntas, a “boa e velha Embrapa” e a “nova Embrapa” serão imbatíveis para o Brasil liderar o próximo boom da agricultura.

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Octaciano Neto, colunista de The AgriBiz, é sociólogo de formação e diretor de agronegócios da Suno. Foi secretário de Agricultura do Espírito Santo no governo Paulo Hartung e head de agronegócios do EloGroup.