“Sério mesmo? Entrar em aviação agora?”. Flávio Zaclis tinha menos de 25 anos quando o braço de private equity da AIG Capital Partners começou a negociar um investimento minoritário na Gol. Depois dos traumas dos ataques de 11 de setembro, comprar uma companhia aérea parecia insano.
Duas décadas depois, Zaclis não se esquece de como a AIG — gestora da qual fazia parte — defendia o investimento, uma lição que tira para a carreira.
“É arriscado, mas o Brasil só tinha quatro companhias aéreas: TAM, Varig, Vasp e Transbrasil. Achávamos que não apenas uma, mas três poderiam quebrar”. Foi o que de fato ocorreu e o aporte na Gol virou um golaço. A AIG comprou uma fatia da Gol em 2003. No ano seguinte, a companhia aérea fez IPO e, em dado momento, chegou a valer mais do que a Britsh Airways.
O episódio da Gol ocorreu ainda no início da carreira de Zaclis, mas ilustra a maneira de atuação do gestor, um paulistano que enveredou logo cedo pelo agronegócio e se transformou em um dos principais personagens da indústria de venture capital no agro.
“No Brasil, há um clima tudo ou nada. Um negócio fantástico se transforma em uma porcaria. Mas em geral não é assim. O que você precisa é investir sempre e com disciplina. É impossível achar o momento ideal, mas é certo que momentos estressados como o atual, com aversão à iliquidez e custo de capital alto, são os melhores para comprar companhias”, disse Zaclis em entrevista ao The AgriBiz.
À frente da Barn, a gestora de venture capital que fundou há 11 anos, Zaclis e o sócio Thiago Mendes (um engenheiro da Poli que foi analista do Merril Lynch) já provaram que podem trazer retornos. A casa fez história em 2018, mostrando para um ecossistema ainda nascente que era possível ganhar dinheiro investindo em agtechs.
Naquele ano, a Barn conseguiu o improvável: devolveu o capital dos investidores do primeiro fundo apenas com a venda da participação que detinha na Strider à Syngenta. Na saída da startup que criou um software para melhorar o uso de defensivos no campo, a Barn multiplicou o investimento por 16 vezes.
Foi a primeira saída de uma startup brasileira para uma gigante do agro. Para a Barn, a transação significou um retorno também para os sócios. O montante obtido foi de tal monta que a gestora conseguiu superar em muitas vezes o hurdle rate. Quando isso acontece, os sócios da gestora podem se remunerar com a taxa de performance de 20% do que excede o indicador.
“Ganhamos dinheiro com performance em venture capital no Brasil, o que é bastante incomum. Não sei se foi uma das melhores ou piores coisas que aconteceu comigo. Se não tivesse ganho, já teria desistido”, costuma dizer Zaclis, em tom de galhofa — e um evidente exagero.
Brincadeiras à parte, Zaclis é um apaixonado pela capacidade do capital privado de provocar a inovação disruptiva. “O Brasil pode e será o grande promotor de tecnologias agro para o aumento da produtividade e a transição para uma economia verde”, disse, numa demonstração de confiança na capacidade de aliar tecnologia e recursos naturais.
No Brasil, o agronegócio é um setor com vantagens (por vezes) inigualáveis, a começar pelo espírito do agricultor. “O produtor é um empreendedor nato. Ele quer testar e é audacioso”. Daí, pode revolucionar a produção de alimentos ao mesmo tempo em que cria bons retornos.
Os retornos batem à porta
Se é verdade que retornos passados não garantem retornos futuros, como reza a cartilha do compliance em qualquer divulgação de fundo, a experiência de sucesso no meio de uma crise econômica mostrou que há um caminho para Zaclis: ser um investidor metódico, estudando os ativos na minúcia antes de aplicar os recursos.
A trajetória da Barn, aliás, deixa Zaclis menos apreensivo em um ambiente taciturno como o atual, em que a liquidez para o venture capital está mais escassa e o agronegócio — uma das principais teses da gestora — enfrenta as dificuldades de um ajuste após o boom de preços provocado pela pandemia.
“O maior catálogo é nosso portfólio. Todas as startups estão saudáveis e são líderes no que se propõem a fazer. Nenhuma está nessa situação de precisar captar desesperadamente”, ressaltou o gestor, citando alguns dos destaques do portfólio da casa.
“Temos a Agrolend, um banco digital do agro. Os fundadores eram os caras mais preparados para fazer isso e acertamos muito. Nosso investimento se valorizou inúmeras vezes”, disse Zaclis.
Na tese agro da Barn, despontam investidas como Agrotoken, Grão Direto e Marco. Em greentechs, os principais nomes são Nextron, Ruedata e Circular Brain, uma startup brasileira que conecta fabricantes e prestadores de serviço para fazer reciclagem de eletrônicos e vem crescendo vertiginosamente.
Recentemente, a Barn concluiu a fase de aplicação de recursos de seu segundo fundo, um veículo que estreou em 2020 e investiu em 12 startups. Na avalição de Zaclis, é provável que os investidores comecem a ver o retorno dos investimentos a partir de 2025.
“Acho que vamos ter uma liquidez legal no ano que vem. O ecossistema precisa dar retorno para o investidor. Se não, esse mercado encolhe”, ressaltou. Enquanto isso não ocorre, levantar capital para novos fundos fica mais árduo, especialmente num ambiente de juros altos e problemas fiscais no Brasil.
Neste momento, a Barn trabalha na captação de seu terceiro fundo, um veículo que almeja chegar a US$ 100 milhões. As conversas com investidores — brasileiros e internacionais — ganharam tração neste ano. Entre os cotistas, estará a Fapesp, a principal agência de fomento à pesquisa do País.
Ao que tudo indica, a captação deve ocorrer ainda neste ano, trazendo grandes corporações do agro como limited partners. No agro, a gestora está de olho em teses de rastreabilidade, tecnologia para irrigação, genética, previsão climática, instrumentos financeiros, entre outros.
Com o fundo de maior porte, Zaclis terá bala para ampliar a aposta em negócios que vão bem, aplicando 50% dos recursos no follow-on de startups do portfólio que provaram o modelo. Com isso, a companhia pode ir além das rodadas de early-stage.
No Brasil, a melhor estratégia é poder acompanhar algumas rodadas de investimento e não apenas fazer um tipo de rodada, defendeu o fundador da Barn.
“Não temos a mesma estrutura e porte da indústria de venture capital dos Estados Unidos. Um fundo especializado em early stage, que não consegue acompanhar algumas rodadas de investimento, limita muito sua capacidade de gerar retornos”.