Biocombustíveis

Na Amaggi, a conta do biodiesel 100% já fecha

Com 101 caminhões e 28 máquinas rodando só com biodiesel, companhia vai na contramão da indústria de transportes e diz que o B100 funciona — e pode até ser mais barato

Amaggi biodiesel colheita de milho
Colheita de milho na fazenda Sete Lagoas, em Diamantino (MT), onde a Amaggi usa máquinas movidas a B100 | Crédito: Karina Souza

Diamantino (MT) – Na corrida para zerar as emissões de carbono, o B100 (o biodiesel “puro”, sem mistura do diesel fóssil), já é realidade. Pelo menos em uma das fazendas da Amaggi, uma das maiores empresas agrícolas do País.

Foi o que a companhia mostrou ao abrir as portas da fazenda Sete Lagoas, em Diamantino (Mato Grosso), a um grupo de jornalistas esta semana. Em parceria com a John Deere, que adaptou as máquinas para rodar só com biodiesel, e com a Scania, engajada na adaptação dos caminhões, a Amaggi apresentou as primeiras conclusões de uma bateria de testes com o B100. A empresa comemorou os resultados, tanto econômicos como ambientais.

Depois de um longo processo para obter a aprovação da ANP (Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis) para realizar os testes, a empresa conseguiu colocar dois caminhões e seis máquinas (entre agrícolas e de linha amarela) para rodar com o B100. Depois de mais de 70 mil quilômetros rodados e 25 mil horas trabalhadas, não houve manutenções além do programado nem gastos adicionais com aditivos — o que trouxe uma eficiência operacional comparável à do diesel tradicional.

Do lado econômico, um detalhe técnico ajudou: a produção de biodiesel no mesmo CNPJ das fábricas eliminou a necessidade de faturamento da venda de combustíveis, que geraria o pagamento de 9% do que foi consumido em impostos. Todos esses fatores compensam, no fim das contas, o consumo de 3% a 4% maior do biocombustível em comparação com o do diesel cinza, em média.

“Hoje, está de 5% a 6% mais barato rodar com o biodiesel”, diz Ricardo Tomczyk, diretor de relações institucionais da Amaggi. “No limite, a conta deve ficar mais ou menos a mesma, tendendo a ficar um pouco mais barato, porque acredito que o aumento de consumo vai ficar menor do que o aumento de preços”, acrescenta.

Mesmo que a diferença fique mais apertada, a Amaggi está disposta a investir no B100 para atender aos seus critérios de sustentabilidade, frisa Juliana Lopes, diretora de ESG da Amaggi.

Segundo a executiva, o B100 conseguiu reduzir em 99% as emissões de carbono em comparação com o diesel comum. O projeto, portanto, tem um papel importante para aproximar a empresa de cumprir sua meta de se tornar net zero em 2050. 

Dobrando a aposta

Os resultados com a amostra fizeram com que a companhia aumentasse a aposta no biocombustível. Hoje, a Amaggi tem uma frota de 101 caminhões Scania movidos 100% a biodiesel além de 28 máquinas rodando com o biocombustível (sendo 21 delas da John Deere). 

A Amaggi, uma gigante de mais de US$ 9 bilhões em faturamento e mais de 370 mil hectares, também quer levar o conhecimento adquirido para suas embarcações, localizadas no Arco Norte. O primeiro teste com B100 já foi realizado, em uma viagem de 10 dias pela região.

Nessa operação, por serem CNPJs diferentes (o da fábrica e o do transporte) a tributação de 9% existe, espremendo a margem de ganhos em relação ao diesel cinza. Prova de que, para fechar a conta, é fundamental fazer tudo “dentro de casa” — 650 mil toneladas por ano à produção própria de biodiesel e sua comercialização.

De qualquer forma, o sucesso operacional dos testes já tem gerado demanda fora da Amaggi. “Já temos conversas com outros clientes do agronegócio a respeito de equipamentos adaptados para o biocombustível”, diz Bruna Mazzante, gerente de marketing da John Deere.

Segundo a gigante de máquinas agrícolas e a Scania, a adaptação dos veículos ao B100 não exigiu grandes investimentos. No caso dos caminhões, a fabricante destacou que eles são capazes de rodar por até 2.000 quilômetros com diesel comum e podem ser convertidos em diesel cinza, caso necessário, em um processo de venda, por exemplo.

Os desafios

Com o sucesso do B100, a Amaggi é uma voz dissonante em meio às reclamações do setor de transportes sobre combustíveis verdes. Como mostrou um estudo feito pela Confederação Nacional dos Transportes com 710 empresários do setor, 60% deles relataram a incidência de problemas mecânicos relacionados ao aumento de 10% para 14% na mistura de biodiesel ao combustível fóssil. 

Amaggi caminhão biodiesel
Caminhões da frota da Amaggi que foram adaptados pela Scania para rodar com B100 | Crédito: Karina Souza

Ao aumentar a frota de veículos com B100, o questionamento sobre como a companhia vê os bons resultados avançando não passou despercebido. A resposta da Amaggi veio a partir, de novo, da própria verticalização: a companhia foca em produzir um biodiesel com características acima do exigido pela ANP em termos de pureza e acompanha de perto todo o transporte do biocombustível até os caminhões.

“Certamente, a cadeia de distribuição e armazenamento fora das usinas é um desafio, pensando em larga escala. A maior parte dos problemas não está nas usinas, mas no caminho entre elas e o tanque do caminhão ou das máquinas”, afirma Tomczyk.

Para ele, tanto o mercado como o poder público, por meio da fiscalização, terão de se adaptar —e a história do etanol no País pode ser um bom exemplo a seguir. “O etanol tem uma rede de distribuição estabelecida e acho que o biodiesel pode adotar o mesmo fluxo”, acrescenta o diretor da Amaggi.

Grande parte do cuidado com o biodiesel está ligado ao fato de que o combustível não tem enxofre, um bactericida no diesel cinza. Existem aditivos fungicidas e bactericidas que podem ser adicionados ao biodiesel para prevenir a formação de borra, que é o ataque de bactérias ao combustível.

“Logística é o sucesso para o biodiesel. É um combustível para ser trabalhado com fluxo, não com estoque. Não pode ficar parado”, explica Marcelo Gallão, diretor de desenvolvimento de negócios da Scania.

O caminho até o B100

A história da Amaggi com o B100 começou em 2019, nas primeiras conversas a respeito de como aproveitar o potencial do biocombustível. Em 2020, durante a pandemia, a ideia ganhou força diante dos problemas com a cadeia de suprimentos. A empresa decidiu investir R$ 100 milhões em uma fábrica dedicada à produção de biodiesel.

Localizada em Lucas do Rio Verde (MT), a unidade tem capacidade para produzir 337 milhões de litros por ano de biodiesel. Isso significa que, se a Amaggi substituir todo o seu consumo de diesel (de 120 milhões de litros anuais) pelo diesel verde, seria capaz de assegurá-lo e ainda vender dois terços de sua produção ao mercado.

A Amaggi também está no processo de certificação do próprio laboratório, onde faz o acompanhamento da produção de B100 e de esmagamento de soja a cada duas horas. Com a certificação, a ideia é que, daqui para frente, a companhia possa emitir laudos a partir desse mesmo local. 

*A repórter viajou para o Mato Grosso a convite da Amaggi.