Num ambiente hostil para rodadas de equity de startups, a TerraMagna achou uma alternativa criativa para levantar capital e sustentar o crescimento das operações de crédito rural.
A fintech criada por Bernardo Fabiani e Rodrigo Marques, dois engenheiros formados pelo ITA, captou R$ 25 milhões em um instrumento de dívida — um venture debt não convencional — com o Modal. A VS1 Capital, butique de M&A e estruturação de dívida, assessorou a startup.
“Não saímos para captar equity no ano passado porque o mercado estava e continua ruim. Então, parte da nossa tese já era fazer um incremento de capital via dívida”, contou Fabiani ao The Agribiz.
Ao contrário do que costuma acontecer em um venture debt convencional, o pagamento do principal não será acelerado quando a TerraMagna fizer uma rodada de equity. O instrumento tem prazo de vencimento de três anos.
Em compensação, o Modal terá direito de participar da próxima rodada de equity — o percentual não foi divulgado —, disse Stephane Lopes, head do Strategic Transactions Group do Modal.
A opção por um instrumento de dívida foi definida em junho do ano passado e a operação com o Modal, em novembro. A transação só foi divulgada agora porque a TerraMagna conseguiu provar os resultados da tese, trazendo retorno para os credores e para a própria companhia.
Do fim de dezembro para cá, a cota subordinada rendeu 25,3% (ou mais de 70% em termos anualizados), mostram os dados mensais disponibilizados na CVM pelo administrador do Fiagro FIDC da TerraMagna. A cota sênior paga DI + 4% ao ano.
Garantia
Para viabilizar a operação, a TerraMagna deu em garantia os direitos sobre o fluxo de caixa oriundo da cota subordinada — R$ 25 milhões em capital que a companhia tem no Fiagro FIDC, um veículo de cerca de R$ 500 milhões gerido pela Milenio Capital.
Com os recursos captados, a fintech ganhou fôlego para alavancar seu balanço, ampliando a carteira de crédito. Nas palavras de Fabiani, o venture debt funciona como uma “subordinação sintética”, o que permite à TerraMagna colocar mais capital (quase próprio) no Fiagro.
No fundo que a TerraMagna levantou para dar crédito a agricultura, 5% do patrimônio está em cotas subordinadas, classe que arca com as primeiras perdas mas também fica com o melhor rendimento.
Com a tese testada, a TerraMagna e o Modal negociam fazer uma nova operação semelhante, ampliando a subordinação sintética. A parceria entre a startup e a casa de investimentos pode ir além, ajudando nas próximas emissões. “Estamos conversando para ajudar na distribuição da cota sênior do fundo”, contou Lopes.
Se colocar mais R$ 25 milhões na cota subordinada, por exemplo, a fintech poderia trazer mais R$ 500 milhões em funding para crédito aos agricultores preservando a estrutura de 5% de subordinada.
Alavancagem
A subordinação sintética não é ilimitada, mas dá um poder de alavancagem sem que os acionistas da TerraMagna precisem se diluir. Com o tempo, é claro, a startup terá de voltar ao mercado de equity para ampliar o patrimônio, mas a ideia é que isso ocorra quando o mercado oferecer condições melhores e a carteira de crédito tenha um tamanho que justifique um bom valuation.
Atualmente, a carteira total de crédito da TerraMagna soma R$ 950 milhões, o que abarca o Fiagro FIDC de quase R$ 500 milhões gerido pela Milenio e outros instrumentos — tipicamente, CRAs — que foram emitidos em um estágio anterior da startup, quando ainda não tinha musculatura suficiente injetar capital próprio. A taxa média de juros das operações está em 24,6% ao ano.
A TerraMagna só passou a colocar capital próprio no crédito (ficando com as cotas subordinadas do Fiagro FIDC) no início do ano passado, depois de levantar US$ 10 milhões em uma rodada de equity liderada por Softbank e Shift Capital. Na ocasião, a startup foi avaliada em US$ 45 milhões. ONEVC, Maya Capital, The Yield Lab e Canary também são investidores da TerraMagna.
Desafios
Aos poucos, a TerraMagna tem conseguido crescer, apesar do desafio cada vez maior de dar crédito a agricultores num momento de derrocada dos preços dos grãos. A fintech faz a distribuição do crédito via revendas ou cooperativas. Preservar a atual rentabilidade num momento como esse será uma uma prova de fogo.
Segundo Fabiani, o modelo de análise de crédito da TerraMagna — serviço que deu origem à startup, que no início não concedia crédito —, mantém a inadimplência em níveis baixos, ainda que algum atraso nos pagamentos seja comum nas operações de crédito rural.
A fintech garante ter chegado ao breakeven no primeiro trimestre, um caminho que contou com um forte ajuste de despesas. Em fevereiro, a companhia demitiu 34 funcionários, segundo o Finsiders.
Com a casa mais arrumada e o capital que pode ser injetado em uma nova subordinação sintética, a TerraMagna vislumbra chegar em R$ 1,4 bilhão na carteira de crédito até o fim do ano, o que ainda é pouco diante da necessidade de crédito da agricultura brasileira — só o Plano Safra destinará mais de R$ 435 bilhões — mas já significativo para uma agtech.
No ano passado, a carteira de crédito da TerraMagna rendeu R$ 39,8 milhões em juros — que são distribuídos aos investidores dos diferentes veículos, incluindo a própria agtech. A meta é triplicar esse montante em 2023.