O gaúcho Miguel Gularte estava há duas semanas como CEO da BRF quando reuniu 76 líderes para fazer um diagnóstico e traçar um plano de voo para resgatar o brilho perdido da dona da Sadia. Naquela quinta-feira, 17 de setembro, os executivos deveriam se apresentar em um hotel em Guarulhos, perto do aeroporto para facilitar a logística. A primeira reunião estava marcada para às 7h da manhã seguinte.
“Será que o Marcos Molina vai?”, perguntava-se Fábio Mariano, um executivo com 15 anos de casa que assumira como vice-presidente de finanças poucos meses antes. A resposta não tardou. “Cheguei às 6h50 e ele já estava lá.”
As atividades seguiriam no sábado, e a curiosidade sobre a presença do chefe e principal acionista persistiam. “É sábado, ele não deve participar”, pensou o CFO. Foi surpreendido. “Não só o Marcos participou de todas as reuniões como a família inteira estava presente”, disse Mariano referindo-se a Marcia (esposa de Molina e conselheira da BRF) e seus dois filhos, Marquinhos e Marcela.
A presença de Molina — o olho do dono, afinal — ilustra uma virada de chave na BRF. “Não precisa falar nada. Está lá o controlador mostrando a importância daquilo. São sinais que você dá para as pessoas que não têm preço. Por isso, nosso engajamento ganhou tração”, completou Mariano.
Daqueles três dias de trabalho no hotel Pullman nasceu o Plano BRF+, um projeto que mapeou uma oportunidade bilionária de ganhos operacionais e que vêm guiando funcionários de todos os níveis da BRF nos últimos meses, das granjas aos pontos de vendas. Por ideia de Gularte, todos os executivos presentes em Guarulhos assinaram uma carta se comprometendo com o plano.
Ontem à tarde, Gularte e Mariano receberam os repórteres do The Agribiz para contar os ganhos de eficiência obtidos até aqui, em uma conversa de duas horas. Mais da metade da meta definida para 2023, precisamente 51%, foi atingida até o final de junho, superando a estimativa inicial de 45% para o período.
O plano BRF+
“A BRF precisava de um bom plano, e pudemos executá-lo de forma clara com o apoio do conselho e do controlador”, disse Gularte. “Os ganhos estão se materializando melhor e mais rápido do que a gente esperava”, emendou Mariano.
Para traçar as metas operacionais, a BRF tomou como referência o ano de 2019, antes do início da pandemia de covid-19, quando a companhia ainda apresentava uma performance razoável e tinha um tamanho semelhante ao atual. Era também uma forma de dizer aos executivos que as metas eram plenamente atingíveis, afinal, boa parte deles já estava lá naquele ano.
Se a equipe era a mesma e “muito qualificada”, segundo Gularte, assim como os ativos industriais e as valiosas marcas da BRF, então por que a empresa performava mal?
“A BRF tinha colocado foco em outros aspectos”, disse o CEO. Inovação é um exemplo. A empresa vinha trabalhando com uma meta de gerar 10% de sua receita a partir de projetos de inovação, o que gerava um elevado número de lançamentos por ano, mas a maioria deles com margens negativas. “Inovação é super importante no nosso negócio e continuamos investindo nisso como nunca. Mas não vamos inovar por inovar, vamos inovar para ganhar dinheiro”. O foco, então, passou a ser o dia a dia.
Os esforços se concentraram em fatores que poderiam melhorar o resultado no curto prazo, como reduzir a ociosidade das fábricas, aumentar o número de habilitações para exportação — só neste ano, foram 35 — e diminuir estoques.
Embora alguns resultados precisem de tempo para aparecer na demonstração de resultados e os preços baixos do frango no mercado internacional nublem o desempenho de curto prazo, a BRF está muito perto de alcançar o nível de produtividade almejado. Em alguns casos, como o rendimento de suínos, já superou.
“Estamos nos aproximando dos maiores patamares históricos em muitos indicadores”, afirmou Gularte. “O índice de conversão alimentar, por exemplo, já é o melhor da história da BRF”, disse referindo-se à conversão de grãos em proteína.
Impacto no Ebitda
Todas as segundas-feiras, o comitê executivo — reunindo todos os vice-presidentes e o CEO — analisa linha a linha os indicadores de performance do plano BRF+, da mortalidade de animais a perdas com produtos vencidos e descontos aplicados a itens próximos ao vencimento.
Quando se trata de uma empresa que abate 6 milhões de aves por dia, cada ponto percentual de melhora na produtividade — seja das matrizes, em redução no nível de estoques ou rendimento industrial — significa milhões de reais em ganhos de eficiência. É aumento de Ebitda na veia.
Para um planilheiro confesso e comparador contumaz como Gularte, o acompanhamento detalhado é fundamental na melhora dos resultados. “Se o seu presidente pergunta toda segunda-feira da mortalidade, você entende que isso é importante”, completa Mariano.
A cifra que a BRF busca com ganhos de eficiência é guardada a sete chaves, mas no início deste ano os executivos estimaram que eles poderiam gerar um aumento de seis pontos percentuais no Ebitda. Considerando um faturamento anual de R$ 55 bilhões, cifra alcançada nos últimos 12 meses, o resultado adicional poderia chegar a R$ 3 bilhões. No ano passado, a BRF entregou um Ebitda de R$ 3,9 bilhões.
Novas oportunidades
Com o programa de eficiência bem encaminhado no mercado interno, a BRF também quer implementá-lo em suas operações internacionais, assim que as condições de mercado melhorarem.
Como uma das principais iniciativas é reduzir o nível de estoques, o que pesa no capital de giro, a dona da Sadia só vai implementar o plano quando o mercado internacional de frango estiver menos sobreofertado. Se corresse hoje para liquidar estoques no exterior, a companhia pressionaria ainda mais as cotações, o que não faz sentido.
A BRF também tem planos para melhorar os rendimentos na desossa de suínos no Brasil, assim como reduzir o custo de industrializados com redução no custo de matéria-prima e processos industriais. Um projeto piloto liderado por Artemio Listoni, vice-presidente industrial e de logística trazido por Gularte, encontrou uma oportunidade relevante que vai além dos ganhos imaginados com o BRF+.
“Nosso target é entregar a melhor BRF da história nos fatores que podemos controlar”, resume Gularte. Se o mercado estiver ruim, a dona da Sadia deveria operar melhor do que a média, dada a qualidade de seu parque fabril. Num momento bom, o resultado da líder também deveria ser o mais vistoso. Nos últimos trimestres, aliás, um dado chamou atenção: a margem Ebitda da BRF voltou a ficar acima da rival Seara, o que não ocorria desde 2020.
Gripe aviária
Enquanto a lição de casa tem sido feita, o mercado internacional de frango continua desafiador, com oferta elevada nos principais produtores e uma demanda reprimida por especulações envolvendo casos de gripe aviária no Brasil.
Alguns importadores têm evitado fazer encomendas na expectativa de que mais registros da doença possam gerar embargos à carne brasileira e queda nos preços de exportação como consequência. Na semana passada, por exemplo, o Japão bloqueou o frango de Santa Catarina, impactando os preços do produto brasileiro vendido à Coreia.
“Vínhamos num processo de recuperação dos preços de exportação desde abril, mas ele parou em junho”, reconheceu Gularte.
Valuation
Sem dúvida, a sombra da gripe aviária pesa sobre as ações da BRF, mas essa não é a única explicação para o desempenho dos papéis nos últimos anos. Numa empresa que se acostumou a viradas bruscas de gestão — muitas delas de resultados frustrantes —, o investidor não quer pagar adiantando, preferindo uma postura à la São Tomé.
Em 2023, o papel até sobe 1,3%, animado pela entrada de R$ 5,4 bilhões do recente follow-on que atraiu a saudita Salic e vai reduzir o endividamento, mas no acumulado dos últimos doze meses o desempenho ainda é muito negativo: queda de 48,5%.
Em termos de valuation, a BRF está muito distante do auge. Em 2015, a companhia chegou a valer mais de R$ 60 bilhões em bolsa. Hoje, vale R$ 14 bilhões.
Se Gularte estiver certo, a frustração de expectativas está com os dias contados.