“No ano em que a indústria de etanol de milho dobrou de tamanho, o preço da matéria-prima caiu pela metade, mostrando que a correlação entre os biocombustíveis e o preço dos alimentos é uma grande falácia”. É assim que Rafael Abud, fundador e CEO da FS, combate os críticos à produção de etanol de milho no Brasil, onde a cana sempre reinou.
O biocombustível que há uma década parecia fazer sentido só nos Estados Unidos, maior produtor mundial de milho, está crescendo a passos largos no Brasil. Sua produção, perto de zero há apenas cinco anos, deve atingir 6 bilhões de litros em 2023, cerca de 20% da oferta total de etanol no Centro-Sul. Só a FS deve produzir cerca de 2 bilhões de litros, um pouco atrás da Inpasa, com capacidade para 2,5 bilhões. À frente delas, em volume, está apenas a Raízen, que produz cerca de 3,5 bilhões de litros de etanol de cana por ano.
A revolução na produção brasileira de milho nos últimos anos, com a segunda safra dobrando de tamanho em dez anos, está por trás do sucesso dessa indústria, que exibe margens significativamente maiores que as do etanol de cana.
“Todo esse crescimento na oferta de milho em Mato Grosso nos últimos anos só aconteceu porque a indústria de etanol gerou essa demanda”, Abud disse em entrevista ao The Agribiz. “Essa produção de milho não estava indo para o mercado de alimentos”.
As indústrias de etanol de milho hoje absorvem 20% da produção do cereal em Mato Grosso, maior produtor do País e peça central na estratégia da FS. O plano da empresa, que tem como principal acionista o Summit Agricultural Group, de Iowa (EUA), prevê a instalação de seis plantas no mesmo Estado. A FS investiu cerca de R$ 5 bilhões nas três unidades que já estão em operação, e os terrenos para a construção das demais já foram comprados e licenciados.
Além do rápido aumento na oferta de grãos no Centro-Oeste, a ascensão do etanol de milho também está relacionada à valorização do DDG, um subproduto do processamento que possui um alto teor de proteína e tem sido cada vez mais usado na ração animal.
Enquanto o bagaço da cana funciona mais como um redutor de custos do que como fonte de receita — a não ser para o etanol de segunda geração da Raízen —, os subprodutos do milho usados como ração animal são uma importante fonte de receita e chegam a cobrir 45% dos custos com o grão. De todo o milho processado pela FS, um terço vira etanol e o outro terço se transforma em produtos para ração, segundo o CEO.
Milho x cana
Com uma receita líquida de R$ 7,6 bilhões no ano-safra 2022/23, a FS já fatura mais que a São Martinho, um gigante no setor sucroalcooleiro. Comparando apenas as vendas de etanol, a produtora que usa o milho como matéria-prima também supera a rival. Mas é no Ebitda que a comparação milho versus cana é mais surpreendente.
Num relatório intitulado “Destronando o rei”, o analista Thiago Duarte, do BTG Pactual, fez um exercício para comparar a rentabilidade das matérias-primas em um relatório recente: nos últimos dois anos, os custos de produção do etanol de milho ficaram 16% abaixo dos custos com etanol de cana. O Ebitda já descontando o capex (considerado o melhor indicador para essa comparação devido custos associados à operação agrícola) ficou em R$ 1,27 por litro no caso do etanol de milho, ou 40% maior do que o de cana, segundo o BTG.
“Os investimentos necessários para uma usina de cana são muito maiores, tem que investir muito em trato do canavial. No caso das usinas de etanol de milho, o capex é basicamente o de manutenção, muito baixo”, disse Julia Bretz, sócia e analista de crédito da JPG, gestora que investe em CRAs da FS.
O mercado de dívida, aliás, continua sendo visto como principal alternativa de funding para a companhia, que descarta acessar o mercado de equity no momento apesar de já ter ensaiado um IPO em 2021. “Estamos operando bem como companhia privada”, disse Abud.
Carbono negativo
Além de conseguir demonstrar ao mercado a atratividade do negócio e de contribuir para derrubar o “mito” da competição entre comida e alimentos, Abud destaca uma outra grande conquista do setor: conseguir demonstrar a vantagem ambiental que o etanol de milho brasileiro tem sobre o mesmo combustível nos Estados Unidos.
O milho dedicado à produção de etanol no Brasil não rouba área destinada à produção de alimento, pois é plantado como segunda safra, estimula o cultivo da soja em sistema de plantio direto, o que favorece uma menor emissão de carbono, e usa biomassa 100% renovável, ao contrário da indústria norte-americana que precisa de energia com origem fóssil.
Como a biomassa aqui (eucalipto) é na maior parte de terceiros, a originação desse insumo é citado como um desafio de curto prazo para essa indústria no relatório do BTG. No caso da FS, o eucalipto é assegurado por meio de parcerias com fundos florestais, programas de fomento com produtores e plantio em áreas de pastagens degradadas arrendadas.
No Renovabio, programa que mede a eficiência energética de usinas de biocombustíveis, a FS possui menor pegada de carbono, emitindo 17 gramas de CO2 equivalentes por megajaule de energia produzida. O etanol de primeira geração emite, em média, 23 e o de segunda geração, 16, segundo o BTG.
O próximo objetivo é se tornar carbono negativo. A FS trabalha há dois anos em um projeto para injetar carbono no solo em sua unidade de Lucas do Rio Verde. A empresa está em fase de confirmação da viabilidade geológica para construir a estrutura, o que também depende da aprovação do marco legal de captura e armazenamento de carbono pelo Congresso Nacional. A partir dele, a FS poderá avaliar qual será a melhor forma de monetizar os créditos de carbono: por meio do próprio Renovabio, mercado de carbono voluntário, regulado etc.
Outra área que a FS tem se dedicado para expandir é o negócio de comercialização de etanol e de milho. A empresa tem como clientes tradings e consumidores de milho no mercado interno, como BRF e JBS. “É um negócio que nos traz muita informação sobre o mercado”, disse Abud.