Ao longo da história da avicultura nacional, produtores, agroindústrias e exportadores do setor tinham por hábito exaltar, sempre que possível, o status sanitário do Brasil. Mais especificamente, que o país nunca havia registrado sequer um caso de gripe aviária.
Esse comportamento remete ao quadro da avicultura nos últimos 20 anos. Aqui faço referência ao ano de 2004, quando a Ásia registrava uma nova onda de casos de influenza aviária. A doença, que se tornou mais conhecida no final da década de 1990, ganhou nova força, gerando grandes perdas na região — especialmente na China.
Neste mesmo período, o Brasil assumiu a liderança das exportações de carne de frango. Superou os Estados Unidos, que também enfrentavam a doença. Além de suas características próprias de competitividade, o fato de o Brasil ser o único grande produtor mundial a não ter casos foi determinante para ganhar mercado.
Contudo, no dia 15 de maio deste ano, pela primeira vez, o Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil notificou a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) sobre uma ocorrência em nosso território.
O caso, registrado em uma ave silvestre no Espírito Santo, gerou um sinal de alerta não apenas no Brasil, mas em todo o mundo — afinal, nosso país responde por 35% do trade global de carne de frango. A produção de nossas granjas tem influência direta na inflação global de alimentos. Em alguns países, nossas exportações chegam a superar a oferta local do produto, assumindo protagonismo na cadeia de alimentos.
O que é a gripe aviária?
Antes de entrar na problemática em si, vale entender o que é a gripe aviária. Cientificamente denominada como influenza aviária, é uma doença viral que afeta especialmente as aves. Podem alcançar aves silvestres (terrestres e aquáticas), aves domésticas ou de produção.
Nas aves, o vírus da influenza é eliminado nas fezes e nas secreções respiratórias. Assim, podem ser transmitidos através do contato direto com secreções de aves infectadas, especialmente fezes ou alimentos e água contaminados. As infecções por influenza em aves são divididas em dois grupos com base em sua patogenicidade:
- Influenza aviária altamente patogênica (HPAI): é disseminada rapidamente, causando doença grave com alta mortalidade (até 100% em 48 horas)
- Influenza aviária de baixa patogenicidade (LPAI): é geralmente uma doença leve, geralmente sem impactos severos ao animal
A contaminação por humanos é extremamente rara. Quando acontece, geralmente está relacionada ao contato direto com as aves infectadas sem uso de equipamentos corretos de proteção — assim ocorreu nos únicos três casos registrados em toda a América. Isso é atestado por todos os órgãos internacionais de saúde animal e humana, como OMS, FAO, USDA, OMSA e outros. Apenas entre humanos, inexiste qualquer dado de transmissão. E, da mesma forma, é totalmente seguro o consumo da carne de aves e ovos manipulados e preparados apropriadamente como em qualquer situação.
Então, qual o motivo de tamanha celeuma em torno dessa enfermidade, que, embora altamente perigosa, possui baixíssimo contágio entre humanos e não tem qualquer risco para o consumo das proteínas?
A resposta: essa não é uma questão para humanos. É uma enfermidade das aves, altamente contagiosa entre elas. Desde o início do último ciclo da enfermidade, os Estados Unidos, maior produtor avícola mundial, já enfrentaram perdas superiores a US$ 600 milhões, com casos em 47 estados. Quase 60 milhões de aves foram afetadas.
Os Estados Unidos são apenas um exemplo de um contexto que afetou praticamente todos os países das Américas, Europa, Ásia e África. Como contramedida, diversas ações estão em debate. Uma delas é a vacinação, uma solução ainda longe de consenso e de ampla implementação. E, ainda que fosse adotada, a medida não isentaria a necessidade de abate sanitário dos planteis em uma eventual ocorrência, conforme recomendações da OMSA.
Status mantido, trade garantido
E nós, maiores exportadores de carne de frango e segundo entre os maiores produtores, como nos posicionamos nesse contexto de influenza aviária? Os registros identificados pelo amplo programa de monitoramento do Ministério da Agricultura apontam basicamente para ocorrências em aves silvestres. Nestes termos, conforme a OMSA, preservamos nosso status sanitário como livres da enfermidade.
Graças a esse status inalterado, nossa produção e nossas exportações seguem nos patamares esperados para o ano, que projeta recordes em ambos os casos. Esperamos romper, pela primeira vez, a barreira de 5 milhões de toneladas exportadas. Entre os 150 mercados que exportamos, só o Japão suspendeu embarques apenas dos dois estados que registraram os dois únicos casos da enfermidade em aves de fundo de quintal.
Esse embargo, aliás, já tem uma solução já prevista, como resultado das negociações do Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, com as autoridades japonesas dando sinal positivo para a adoção da regionalização de protocolo por município – ou seja, apenas o município com eventual foco seria suspenso.
Diferentemente dos sentimentos que todos tínhamos antes do registro do primeiro foco em nosso país, vemos hoje o mundo enfrentando a questão da influenza aviária com racionalidade. A resposta japonesa ao pleito brasileiro pela regionalização ilustra isso claramente. A gripe aviária é uma enfermidade a ser enfrentada, mas com razoabilidade, sem decisões extremas que impactem diretamente a oferta de alimentos das nações.
A melhor arma contra a doença é usada há décadas pelos produtores brasileiros: a atenção aos cuidados de biosseguridade.