Opinião

Reflexões sobre a União Europeia e sua lei antidesmatamento

O Brasil tem condições de atender às exigências da UE com certa tranquilidade; será uma questão de rastreabilidade e certificação

Nos últimos meses, tenho sido questionado sobre a minha visão a respeito da lei antidesmatamento da União Europeia e seus desdobramentos para os exportadores de commodities. Optei, então, por trazer esse importante tema do comércio internacional em formato de perguntas e respostas para este espaço no The Agribiz. Meu objetivo é endereçar aqui os principais pontos acerca do tema de forma direta –como os novos tempos e o nosso tempo disponível exigem. Selecionei dez perguntas acerca do tema. Vamos a elas:

  • A nova legislação da União Europeia —que cria barreiras às importações de commodities como soja, carne e café em função da data do desmatamento— pode ser vista como protecionismo?

Certamente é protecionismo. Os europeus sempre foram protecionistas e a questão ambiental se tornou mais relevante no continente. Com isso, eles construíram um argumento novo, verde. Aliás, todos somos protecionistas.

  • Todos somos protecionistas? O protecionismo não é ruim?

Todos mesmo. Quem não gosta de proteção? O livre mercado, que traz eficiência econômica e orienta corretamente os investimentos, é muito bom para os consumidores, porém pressiona o produtor. Você encontra protecionismo em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil.

  • A proteção no Brasil é para a indústria?

Sim, porque é o setor que precisa de proteção ou teria sucumbido. Ou talvez, melhor, reagido e aumentado sua eficiência. Poderíamos ter uma indústria mais eficiente atendendo aos consumidores com produtos de menor preço. Mantemos o grau de proteção para setores ineficientes por décadas. O consumidor aqui paga a conta.

  • A pressão exercida pelo Brasil e outros países pode derrubar a nova legislação europeia?

Não acredito que possa derrubar. Pode melhorar a regulamentação, oferecer maior critério, permitir o comércio —até porque eles precisam importar. Os europeus sempre importaram porque precisam dos produtos de qualidade e preço que vendemos. É importante entender o sinal e se preparar, inclusive porque não precisamos nos assustar, nossa produção é amplamente verde.

O movimento ambiental europeu, o chamado Green Deal, é verdadeiro. Vejam a pressão que estão fazendo internamente, o que já ocorreu com o setor holandês. Uma parcela significativa da população vota na agenda verde e seus representantes são relevantes na formação de maiorias nos Parlamentos. Quando se agrega a parcela dos agricultores resulta nesse tipo de legislação.

  • O governo do Brasil fez bem ao reagir, reclamar?

É o que tem que fazer. Deve inclusive se preparar para contestar a União Europeia na OMC (Organização Mundial do Comércio). As regras de comércio não evoluíram para contemplar a questão ambiental. É essencial pressionar nesse sentido. O setor privado precisa, porém, se preparar para atender mesmo que discorde. A OMC demora muito e às vezes não resolve.

  • O Brasil terá condições de atender às exigências da UE?

Com certeza e certa tranquilidade. A maior parte da produção do Brasil já atende a legislação europeia, até mesmo o que excede a legislação brasileira. Será uma questão de rastreabilidade e certificação. Um carimbo a mais. Um custo a mais. Vamos tentar repassar esse custo para eles. Já fizemos outras rastreabilidades, até mais absurdas. Lembrem do SISBOV, que colocou um brinco em cada boi por conta da BSE (o mal da vaca louca), doença inexistente por aqui.

  • Então por que a nova legislação da UE incomoda tanto?

Incomoda pelo caráter colonialista. Não faltam problemas ambientais na Europa para virem pressionar o Brasil. É verdade, porém, que relaxamos. As ilegalidades na Amazônia cresceram e não foram coibidas nos últimos anos. Felizmente, já reagimos. O Brasil precisa assumir seu papel de liderança nas negociações referentes às mudanças do clima.

  • Será possível rastrear os volumes necessários para manter a exportação para a Europa?

Quanto maior volume, mais fácil rastrear. Já deveríamos ter o nosso certificado oficial de regularidade ambiental, o CAR do Código Florestal. Quando foi aprovado no Congresso, essa autodeclaração parecia uma grande ideia, mas tem se mostrado de difícil execução. Certamente não é simples, porém a judicialização do Código Florestal atrasou muito esse esforço de implementação, análise, avaliação, regularização das propriedades no âmbito da lei. Demorou, mas já começamos e agora é acelerar o processo. A parte do ambientalismo irresponsável precisa parar de atrapalhar.

  • Mas bastará o CAR?

Infelizmente, como hoje a certificação oficial não conquistou credibilidade, devemos precisar de algum tipo de certificação privada suplementar.  Inclusive por conta da equivocada exigência de ir além da boa legislação que já temos. Mas é possível, vamos a ela.

  • Os crescentes e graves eventos climáticos, enchentes, secas, fogo nas matas podem prejudicar o agro do Brasil?

Certamente preocupa, pois não se conhece o que pode vir e em que rapidez. Mas se existe um agro preparado no mundo é o do Brasil. Nossa dimensão, clima, aptidão e arrojo dos produtores nos coloca na vanguarda. Já temos uma agricultura de baixo carbono que melhora dia a dia. Fomos precursores dos biocombustíveis no tempo em que não se criticava tanto os combustíveis fósseis. É importante, porém, continuar atento e trabalhando. É essencial continuar a investir em pesquisa na procura de resiliência contra a imprevisibilidade climática do futuro.