O impossível aconteceu. A Minerva Foods acaba de assinar um acordo de R$ 7,5 bilhões para adquirir grande parte dos frigoríficos da Marfrig na América do Sul, uma operação de R$ 18 bilhões em faturamento que sacramenta a liderança da companhia na exportação de carne bovina e reduz a distância para a JBS em capacidade de abate no Brasil.
É o segundo maior M&A da história da indústria brasileira de carne bovina, só perdendo para a incorporação do Bertin pela JBS (um negócio de US$ 2,5 bilhões feito em 2009).
A transação bilionária é um inusitado consenso entre Marcos Molina e Fernando Galletti de Queiroz, empresários de perfis completamente diferentes. Aventada no mercado muitas vezes ao longo dos últimos 15 anos, a negociação entre as duas rivais só avançou agora preservando a independência societária entre ambas, uma diferença crucial em relação a outras tentativas.
Se surpreende pelos atores envolvidos, o M&A guarda uma lógica, evidenciando a estratégia de Marcos Molina em direção ao mundo dos alimentos processados e com marca, que fazem margens melhores. Depois de ter consolidado o controle da BRF ao longo dos últimos dois anos, o fundador da Marfrig agora reduz o peso da carne bovina in natura no portfólio, ficando com as operações de hambúrguer e carnes processadas (e o caixa recheado).
A compra será toda paga em dinheiro. A Minerva já transferiu R$ 1,5 bilhão à Marfrig nesta segunda-feira e obteve uma linha de crédito com J.P. Morgan para os R$ 6 bilhões restantes, que serão pagos quando os órgãos antitruste aprovarem a transação, o que pode levar de seis meses a um ano. Pela confiança nas aprovações regulatórias, o comprador assumiu os riscos e aceitou o sinal como condição negocial.
“Já tivemos várias conversas nos últimos 15 anos. As empresas vieram amadurecendo, até que culminou de fazermos um negócio. Conseguimos construir um deal que é ganha-ganha e gera valor paras as duas empresas”, disse Galletti, CEO da Minerva, em entrevista ao The Agribiz. Quando os dois lados ganham, até gremistas e colorados torcem juntos, brincou Rui Mendonça, CEO da Marfrig e tricolor gaúcho fanático.
Como a Minerva vai pagar
Ao todo, a Minerva está comprando 16 frigoríficos da Marfrig, sendo 11 deles no Brasil — três estão fechados —, três no Uruguai, um na Argentina e um no Chile, somando uma capacidade de 12,9 mil cabeças de gado por dia e 6,5 mil cordeiros. Com a compra, a capacidade de abate de bovinos aumenta em 43%, chegando a 42,4 mil cabeças por dia.
Ao pagar R$ 7,5 bilhões pelos ativos, a Minerva vai aumentar o índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) das 2,6 vezes registradas em junho para algo próximo de 3,3 vezes, disse Edison Ticle, diretor financeiro da companhia. A companhia dos Vilela de Queiroz vai financiar tudo com dívida.
Pela experiência em extrair sinergias de aquisições — Galletti e Edinho já fizeram 19 M&As —, a Minerva espera voltar aos atuais níveis de endividamento em um ano. Ele estima que os negócios adquiridos tragam R$ 18 bilhões de receita anual, com R$ 1,5 bilhão de Ebitda.
“Fazendo uma conta bem conservadora, se a gente melhorar a margem em 70 pontos base, nosso Ebitda consolidado iria para R$ 5,1 bilhões em 2024”, disse Ticle. Historicamente, a Minerva ganha de 1,5 a 2 pontos de margem nos ativos que adquire — um processo que costuma levar 18 meses.
“Mais do que sinergia, estamos comprando ativos que geram caixa livre de cara”, frisou Ticle. Considerando um negócio com 8% de margem, o que é inferior à média dos ativos da Minerva, a necessidade de R$ 300 milhões em capex de manutenção e R$ 800 milhões em despesas financeiras, os ativos ainda deixariam de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões por ano para a Minerva.
Estrategicamente, o negócio também aumenta a participação da companhia nas exportações na América do Sul, saindo de um share de 21% para algo entre 30% e 35%, um domínio relevante na região mais importante para o comércio global de carne bovina.
Ruídos históricos
No passado, as abordagens entre as duas companhias nem sempre foram das mais amistosas. Em 2011, quando a Marfrig passou por uma crise de endividamento, o Santander chegou a conduzir conversas para que o grupo vendesse os ativos de bovinos à Minerva, o que esbarrou em Molina.
Há dois anos e meio, foi a vez do BTG Pactual abordar a Marfrig, sondando o interesse da companhia em comprar a Minerva toda. Uma oferta a R$ 11 por ação até chegou a ser sinalizada, mas as conversas sequer avançaram e logo se entendeu o porquê: o foco de Molina estava na BRF. Na época, especulava-se que uma ala da família Vilela de Queiroz, os fundadores, tinha desejo de vender o negócio.
Os ruídos históricos, no entanto, não impediram que Marfrig e Minerva fizessem negócios pontuais quando oportunos, mesmo que fosse para afastá-las. Em 2019, as duas trocaram frigoríficos em Mato Grosso. A negociação fazia sentido porque a Marfrig havia acabado de comprar a fábrica de hambúrguer da BRF em Várzea Grande, que tinha justamente a unidade da Minerva como vizinha. A Marfrig pagou R$ 40 milhões, ficou com Várzea e, em troca, transferiu a planta de Paranatinga para a rival.
Coincidência ou não, o deal desta segunda-feira foi fechado após o follow-on da BRF, que aproximou Molina da Salic, fundo saudita que é o maior acionista da Minerva com 30% de participação e que agora detém 10,7% da dona da Sadia.
Desta vez, as negociações não tiveram assessores financeiros. Os executivos tocaram as conversas diretamente, sem intermediários. Na parte jurídica, a Minerva teve o apoio de Stocche Forbes e White & Case. O Lefosse trabalhou para a Marfrig.
A Minerva vale R$ 6,1 bilhões em bolsa e Marfrig, R$ 4,1 bilhões.