Quando os amigos Norival Bonamichi e Jardel Massari abriram uma distribuidora de produtos veterinários na década perdida de 1980, não era nada provável supor o que o futuro lhes reservava. Em quase quatro décadas, a dupla já atraiu alguns dos investidores mais tarimbados do mercado de capitais para a Ourofino: BNDES, General Atlantic, Dynamo, Opportunity e, mais recentemente, a Mitsui.
A chegada do conglomerado japonês, aliás, é um indicativo de que os investidores ainda não perceberam o potencial da Ourofino — o cenário macro não ajuda, é verdade. Para levar a fatia do BNDES e Opportunity e ficar com 29% do capital da firma de Bonamichi e Massari, a Mitsui fez uma oferta bem acima dos preços de tela.
A transação privada não teve os valores divulgados em setembro, quando a chegada da Mitsui foi anunciada, mas documentos divulgados recentemente pela BNDESPar deixaram a matemática mais fácil.
Enquanto as ações da Ourofino negociavam a R$ 21 em bolsa, a Mitsui pagou R$ 38,03 pelos papéis, um prêmio de 80%. Nessa cotação, a Ourofino estaria avaliada em pouco mais de R$ 2 bilhões. Atualmente, os papéis são negociados perto de R$ 25, o que dá à empresa um marketcap de R$ 1,3 bilhão.
Perguntado sobre os documentos divulgados em seu site, o BNDES respondeu ao The Agribiz que o contrato de confidencialidade firmado com a Mitsui impede que o banco “teça qualquer tipo de manifestação ou comentário a respeito do tema”.
As razões do interesse japonês
Para os gestores de ações que detém posição em Ourofino, conhecer os termos da proposta da Mitsui dá uma boa medida de como um investidor estratégico do porte do conglomerado japonês avalia o ativo.
O interesse dos japoneses pela Ourofino é parte de uma estratégia global do conglomerado, apostando no contínuo aumento da demanda por carnes e na tendência de humanização dos cuidados com os pets — sobretudo em países emergentes como o Brasil.
Em dez anos, a participação dos pets no mercado brasileiro de saúde animal pulou de 15% para 25%, segundo dados do Sindan, entidade de classe que reúne as principais indústrias.
Mundialmente, a indústria veterinária cresce 4% ao ano. Por aqui, o crescimento médio é ainda maior (9% ao ano). Nos últimos três anos, as vendas da Ourofino cresceram 68%. A empresa superou R$ 1 bilhão de receita pela primeira vez no ano passado, um market share de quase 10%.
A Ourofino não é o único investimento da Mistui nesse ramo. No fim do ano passado, os japoneses assumiram 100% do capital da compatriota Sumitomo Pharma Animal Health. Dois anos antes, o conglomerado já havia se tornado sócio da francesa Ceva, uma das cinco maiores indústrias veterinárias do mundo.
Rumo à Àsia
Há duas semanas, o CEO da Ourofino, Kleber Gomes, sinalizou como a proximidade com a Mitsui pode ajudar. “A Mistui abre portas na Ásia, tanto para trazermos novas tecnologias — lembrando que é lá que descobrem muitas das moléculas usadas no nosso segmento — quanto para pensarmos em levarmos nossos produtos para a Ásia, aumentado nosso campo de atuação no médio e longo prazo”, disse o executivo no Ourofino Day.
Mas se a presença da Mitsui indica que a Ourofino tem um valor escondido, a entrada de um estratégico também pode significar um encolhimento da liquidez para uma papel que já é pouco negociado (a liquidez média está em R$ 168 mil).
Considerando os últimos dados disponíveis na CVM, as gestoras Dynamo, Brasil Capital, Absolute e Oria estavam entre os fundos com participação na empresa. Bonamichi e Massari, os controladores, possuem 56% da empresa.
“A quantidade de tempo que os fundos gastam com Ourofino deve ser próximo de zero e, ouso dizer, venderiam a participação se tivessem uma oferta. O ativo é legal, mas os investidores históricos saíram e não sei como ficou a governança lá”, ponderou um gestor.
Valuation atrativo
Para uma casa comprada no papel, a Ourofino ainda é uma ação com bom desconto, o que justificaria o prêmio pago pela Mitsui. A empresa negocia a um múltiplo (preço/lucro) de 10 vezes, enquanto a americana Zoetis negocia a mais de 30 vezes. Aqui, vale uma ponderação: surgida das costelas da Pfizer, a Zoetis é um ativo de classe mundial, com margens operacionais acima de 30% e dificilmente replicável. Ainda assim, a discrepância de valuation é sempre referência para gestores.
Diante de uma Selic a 13,75% ao ano, um gestor de ações também argumenta que a Ourofino possui vantagens competitivas, como o custo de capital inferior ao CDI. Em dezembro, o índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) da Ourofino estrava em apenas 1,2 vez, com um custo médio de 10,3%.
A estrutura e prazo de vencimento dos empréstimos também agrada. Quase 80% das dívidas vencem no longo prazo e estão indexadas a taxas mais competitivas. Pelas características da Ourofino, que investe mais de 7% da receita em P&D, 62% das dívidas são com a Finep e 15% com o BNDES.
A Ourofino tenta se posicionar como a indústria veterinária que mais lança produtos no Brasil (no ano passado, foram 18) e também se valeu de M&A para ampliar o portfólio. Em 2021, a companhia pagou R$ 20 milhões para adquirir a biotech Regenera, uma startup brasileira que desenvolveu produtos veterinários para cães e equinos a partir de células-tronco.