Tratada como uma operação ganha-ganha por compradores e vendedores, a transação entre Minerva e Marfrig despertou reações completamente diferentes (e eufóricas) na bolsa nesta terça-feira. As ações da Minerva chegaram a despencar 16%, enquanto a Marfrig subia 15% com a percepção de analistas de que o comprador pagou caro demais pelos ativos.
As companhias vieram com uma divergência entre os números apresentados para as unidades que são parte do deal, o que faz muita diferença para calcular o valuation da operação.
Considerando os dados mais conservadores divulgados pela Marfrig, as plantas adquiridas pela Minerva tiveram uma receita líquida de R$ 12 bilhões e um Ebitda de R$ 738 milhões, implicando num múltiplo de 10 vezes o EV/Ebitda para a transação, segundo os cálculos dos analistas da XP. A Minerva, por sua vez, considerou um Ebitda potencial de R$ 1,5 bilhão e um ganho na margem entre 150 e 200 pontos base com sinergias.
“Nossas análises indicam um negócio potencialmente caro para a Minerva”, escreveu Ricardo Alves, analista do Morgan Stanley, destacando também o aumento substancial da alavancagem no curto prazo.
Alves reconhece que o deal pode ser transformacional para a Minerva, posicionando-a como a principal força sul-americana no comércio global de carne bovina, mas ponderou que preocupações com alavancagem e disciplina de capital devem ser a tônica dos investidores no curto prazo.
“Embora a Minerva venha apresentando operações bastante sólidas, mesmo em meio a fatores externos desafiadores, achamos que o mercado pode não proporcionar o benefício da dúvida no curto prazo, especialmente considerando o tamanho da transação”, diz Alves. Ele rebaixou a recomendação para o papel, de “compra” para “neutra”.
“O deal só faz sentido econômico se a estimativa da Minerva de receita adicional de R$ 18 bilhões e Ebitda de R$ 1,5 bilhão se tornar realidade”, disse o analista Thiago Duarte, em relatório publicado pelo BTG Pactual.
Duarte também citou a necessidade adicional de capital de giro, um ponto que também foi tema de pergunta dos analistas que participaram de uma call com executivos da Minerva pela manhã.
Segundo o diretor financeiro da Minerva, Edison Ticle, a companhia pode precisar de R$ 500 milhões a R$ 800 milhões em capital de giro ao longo dos próximos 12 a 18 meses para crescer 10% em volume. “É o único investimento que a gente pode ter de fazer para chegar às métricas de margem e de ganhos de sinergia apresentadas”, afirmou.
“Nosso maior medo é que esse acordo coloque a Minerva em uma posição semelhante à de quando adquiriu os ativos da JBS na América do Sul em 2017, em que ela acabou tomando uma alavancagem muito alta antes que os novos ativos pudessem ser gerenciados”, acrescentou Duarte.
Na época, a dívida líquida da Minerva chegou a bater 5 vezes o Ebitda, levando a empresa dos Vilela de Queiroz a fazer um aumento de capital. A operação tornou o fundo saudita Salic o maior acionista da empresa brasileira.
Dividendos
Outro ponto sensível é o ritmo de pagamento de dividendos. Nos últimos três anos, a Minerva tem sido agressiva na distribuição de lucro aos acionistas, com uma política que prevê pagamento de 50% do lucro líquido caso a alavancagem fique menor ou igual a 2,5 vezes ao final do ano calendário.
“Provavelmente teremos uma interrupção mínima na distribuição acima dos 25% obrigatórios durante um ano”, disse Ticle. Se a integração das operações —e ganhos de sinergia— seguir o padrão das cerca de 20 aquisições da Minerva realizadas nos últimos 14 anos, a alavancagem da companhia voltará ao patamar atual em 12 meses, possibilitando o retorno dos dividendos mais gordos, acrescentou.
“Nosso foco agora será reduzir dívida e alavancagem para voltar a pagar dividendos da forma agressiva como vínhamos fazendo nos últimos anos”, afirmou o CFO.
A companhia está buscando alternativas mais baratas de financiamento ao empréstimo ponte fechado com o J.P. Morgan. O cardápio é variado: emissão de bonds no mercado internacional, debêntures no mercado local, empréstimos sindicalizados de bancos no Brasil e exterior etc. “Provavelmente vamos escolher uma combinação delas”, disse Ticle.
Marfrig e BRF
Para a Marfrig, a entrada de R$ 7,5 bilhões no caixa traz alívio num momento de aumento das preocupações com seu endividamento e posição de liquidez. Analistas, no entanto, destacam que a alavancagem ainda estará em níveis elevados ao final deste ano, principalmente considerando que as margens de carne bovina nos Estados Unidos devem continuar pressionadas pelo custo mais alto do gado.
“Em nossa opinião, o negócio teve um valuation atrativo para a Marfrig, que também avança em seu plano estratégico de focar em mais produtos de valor agregado com melhores margens”, escreveu Leandro Fontanesi, analista do Bradesco BBI. Ele estima que a alavancagem financeira da companhia deve cair em 1x após a transação —considerando o pagamento dos ativos em dinheiro e a perda de Ebitda estimada em R$ 750 milhões hoje provenientes dos ativos que vão para a Minerva.
A transação pode ainda ter um impacto positivo para a BRF, controlada da Marfrig. “Com a redução na alavancagem, a Marfrig pode ter melhores condições para, potencialmente, alcançar uma maior participação na BRF”, diz a equipe de analistas do Bank of America em relatório.