M&As

Depois das revendas, os ovos: Por que a IGC agora aposta nas granjas

Processo de consolidação é liderado pelos empresários Ricardo Faria e Leandro Pinto, donos da Granja Faria e Mantiqueira

Ovos

Se um granjeiro de ovos apresentasse as credenciais à Faria Lima em 2010, talvez fosse motivo de chacota. No país dos gigantes da carne, a proteína mais barata ainda era sinônimo de desorganização e falta de profissionalismo. O consumo per capita de ovos também não saltava aos olhos.

Uma década e meia depois, o quadro mudou radicalmente, transformando os granjeiros em empresários cada vez mais proeminentes no agronegócio, como Ricardo Faria — da Granja Faria — e Leandro Pinto, da mineira Mantiqueira.

A cada ano, os brasileiros consomem mais ovos — o país já ultrapassou a média global — e as granjas parecem fadadas à modernização, o que se traduziu em um processo de consolidação com M&As que, naturalmente, fisgou a Faria Lima.

Uma das principais butiques de M&A do País, a IGC desenhou uma tese dedicada às granjas de ovos e, neste ano, assessora o triplo de processos relacionados ao setor, em comparação ao mesmo período de 2023.

“Nos próximos dez anos, o setor deve crescer cada vez mais. Só as exportações devem se multiplicar por cinco”, projeta Karim Pechliye, sócio responsável pela prática de agronegócios da casa.

Na leitura do assessor, a atratividade das granjas e ovos é uma espécie de ‘evolução natural’ dentro da cadeia do agronegócio, depois de ondas de consolidação em outras elos da cadeia.

Ao longo dos últimos anos, as cadeias insumos agrícolas e grãos passaram por um processo de concentração, em M&As que tiveram a IGC como uma das protagonistas — especialmente na onda de aquisições de revendas.

Agora, é a vez dos ovos. Para Pechliye, os ganhos de escala justificam a transformação da indústria de ovos em um negócio mais concentrado. A aposta é que granjas de maior porte poderão negociar melhor a compra de insumos veterinários e mesmo da ração — 70% do custo do ovo está atrelado a pontos como a compra de milho e farejo de soja.

Granja Faria e Mantiqueira, os dois principais nomes do setor, entenderam o jogo antes das demais, com aquisições relevantes sendo feitas ao longo dos últimos cinco anos. A Mantiqueira, por exemplo, adquiriu a Fazenda da Toca — que pertencia ao empresário Pedro Paulo Diniz —, e assumiu as operações da cooperativa LAR, enquanto Ricardo Faria se tornou um dos maiores do País ao adquirir a Katayama e, mais recentemente, a potigar Vitagema. 

O movimento está só começando. Com as aquisições dos últimos anos, a Granja Faria chegou pouco mais de 10% do mercado, mas a ambição é maior. Em dez anos, o empresário quer chegar a 25%. “Vamos continuar fazendo M&As, esse é o nosso DNA”, disse o empresário no fim do ano passado.

Profissionalização

Além dos ganhos de escala, o movimento de consolidação colabora para profissionalizar uma cadeia em transformação. “Um investimento em tecnologia passa a se justificar em granjas que produzem de 1,5 milhão a 2 milhões de ovos por dia”, diz Ricardo Faria, fundador da Granja Faria.

“A capacidade de investir em melhoria de processos, somada a iniciativas de descommoditização do ovo, com marcas melhores e produtos de maior valor agregado, será um diferencial no setor. Para isso, é necessário ter porte”, completa Faria.

A crença na transformação também atraiu empreendedores como Marcus Menoita e Luís Barbieri, que fundaram a Raiar Orgânicos, dona de umas das mais modernas granjas do país em Avaré, no interior de São Paulo.

“Você tem granjeiros que fazem 500 mil, 600 mil ovos por dia e que ainda não têm um sistema que mostre para ele todas as informações que ele deveria saber. Trazer profissionalismo para esse setor já é um ganho de margem absurdo. Trazer controle, sistemas, critérios para compra de grãos”, diz o sócio da IGC.  

Atualmente, uma granja com um aviário automatizado e com uma estrutura de classificação de ovos boa (para produzir cerca de um milhão de ovos por dia) demanda um investimento de R$ 80 milhões a R$ 90 milhões, calcula o sócio da butique de M&As.

Regionalmente, algumas das principais fronteiras de produção do ovo estão ligadas a regiões produtoras de grãos, com Paraná e Rio Grande do Sul sendo destaques. Há, ainda, uma forte região produtora no interior de São Paulo (com destaque para a cidade de Bastos) e um polo em Santa Maria do Jetibá (ES), em que gerações de famílias mantêm granjas. A Kerovos, uma das maiores produtoras do país, é da região capixaba, bem como a BL Ovos, adquirida pela Granja Faria em 2022.

Ovos no Mato Grosso?

Com a diversificação da produção de grãos em território nacional, a ideia é que o número de granjas possa aumentar cada vez mais. O Mato Grosso, por exemplo, já tem uma nova fronteira de avicultura de postura se desenvolvendo, um reflexo da oferta abundante de grãos.

“Tem uma conta muito básica que o granjeiro faz. Preciso de quantas sacas de milho para produzir uma caixa de ovo [com 30 dúzias]? No Mato Grosso a conta está em três sacas, enquanto outras regiões apresentam até cinco sacas”, diz o sócio da IGC.

A lógica de estar próximo à produção de grãos não é uma exclusividade brasileira. A maior granja do mundo, a Cal-Maine Foods, está situada entre um dos maiores mercados consumidores, a costa leste dos Estados Unidos, e perto do Corn Belt.

A gigante americana de ovos, aliás, é uma das companhias com quem a IGC mantém conversas frequentes, estimuladas pelo curiosidade e interesses dos gringos com os custos baixos de produção de ovos no Brasil, em comparação com outros mercados.

Vital Farms e a Land O’Lakes, uma das maiores marcas de ovos dos Estados Unidos, também têm mostrado interesse em conhecer mais de perto a produção brasileira, contou Pechliye.

“Eles estão enxergando o mesmo futuro que a gente. O Brasil é um celeiro para a produção de grãos. E vai sobrar grão, vai sobrar farelo. Cada vez mais o país vai ter um saldo positivo nas cadeias posteriores aos grãos. Esmagamento de soja, etanol de milho, ésteres de soja e por aí vai”, diz o sócio.

Sem voo de galinha

Enquanto a oferta de grãos sustenta o crescimento da produção de ovos, da porteira para fora há uma demanda que cresce de forma significativa ao longo dos últimos anos. De 2013 a 2023, a produção brasileira de ovos deu um salto de 53%, fechando o ano passado em mais de 52 bilhões de unidades produzidas — apenas 1% desse total é exportado. 

O consumo per capita de ovos explodiu na última década: passou de 168 unidades por pessoa, em 2023, para 242 unidades em 2023, com a previsão de chegar a 258 em 2024, de acordo com as últimas estimativas da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).

É um consumo que cresce por um conjunto de características. Os preços mais competitivos dos ovos, sem dúvida, estimulam. Mas o alimento ganhou uma “boa fama” na última década, passando de uma visão de vilão, ligada ao colesterol, para se tornar um alimento visto como saudável, uma proteína de boa qualidade para quem quer mais qualidade de vida.

Nos últimos 12 meses, entretanto, produtores têm visto a queda de preços do ovo perto de 20%. Um dos fatores atrelados a isso é o alojamento recorde de poedeiras que o Brasil deve ter, estimado em 130 milhões de galinhas para o fim de 2024.

O incentivo ao aumento veio de uma conjuntura dos últimos anos de bons preços do ovo e de baixos preços do milho. O aumento da oferta, nesse sentido, pode perdurar até os próximos 12 meses, mantendo o cenário de preços baixos localmente. Enquanto isso, o compasso das exportações deve seguir acelerado.

Pelas projeções da ABPA, o Brasil deve exportar 26 mil toneladas de ovos neste ano, ante 9,4 mil toneladas enviadas para fora do país em 2023. No primeiro bimestre deste ano, o crescimento foi de 70%. Emirados Árabes e China estão entre os maiores importadores do ovo brasileiro.

“Todo mês tem um país que abre autorização para a gente exportar ovo. O que percebemos é que o destino do frango, uma cadeia muito mais consolidada, está se tornando o destino do ovo também”, resume Pechliye.