Biocombustíveis

O Brasil tem tudo para liderar a produção de SAF. Falta investir

Só na América Latina, será preciso investir US$ 1,8 trilhão em centenas de plantas de SAF, estima a IATA, associação que representa as companhias aéreas

O Brasil possui os todos ingredientes para ser um líder no mercado de combustível sustentável de aviação (SAF): recursos naturais, capacidade instalada, infraestrutura e acaba de ganhar uma regulação que estimula os biocombustíveis. Agora, é a vez do setor financeiro apoiar projetos que podem posicionar o Brasil à frente nesse mercado.

Essa é a visão da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), que espera que o SAF contribua com cerca de 65% das reduções de emissões necessárias para que as companhias aéreas cumpram seu compromisso de zerar suas emissões até 2050.

“Se o Brasil realmente deseja se posicionar como um líder nesse mercado, aumentar os investimentos em SAF em detrimento dos produtos tradicionais de petróleo será crucial”, disse Pedro de la Fuente, gerente de Assuntos Externos e Sustentabilidade da IATA, em entrevista ao The AgriBiz.

As oportunidades são enormes. Só na América Latina, a IATA estima que cerca de 700 plantas dedicadas à produção de SAF serão necessárias para atender à demanda das companhias aéreas, o que exigirá mais de US$ 1,8 trilhão em investimentos e gerará cerca de 2 milhões de novos empregos, disse Fuente, citando números de um estudo de 2020 liderado pela associação.

A escala dos investimentos necessários reflete a crescente demanda. Para zerar as emissões até 2050, as companhias aéreas precisarão de 449 bilhões de litros de SAF. No ano passado, a produção global de SAF totalizou apenas 400 milhões de litros, ou 0,1% do consumo esperado. “O volume produzido atualmente por ano não é suficiente nem para atender a demanda de um dia”, afirmou Fuente.

Desafios

O volume de produção é o principal desafio para a transição da aviação, que hoje representa cerca de 2% das emissões globais de CO2, para net zero, de acordo com Fuente. Atualmente, apenas uma rota de produção de SAF está madura: HEFA, uma sigla para Esters e Ácidos Graxos Hidroprocessados, que compreende uma ampla gama de óleos vegetais e gorduras.

“Precisamos que outras tecnologias amadureçam, como a rota que utiliza o etanol como matéria-prima, na qual o Brasil tem muito potencial”, disse o representante da IATA citando o etanol de segunda geração e o próprio SAF.

“A rota do etanol está começando a amadurecer, mas o Brasil já tem a infraestrutura, as usinas e a capacidade de produção. Deveria aproveitar essa vantagem”, acrescentou Fuente, que participará nesta quarta-feira do Brazil Climate Summit, em Nova York.

A Raízen, maior produtora de açúcar e etanol do País, já produz etanol de segunda geração utilizando o bagaço de cana como matéria-prima. Esse biocombustível, considerado avançado em mercados como a Europa, é visto como crucial pela IATA para a produção de SAF. Para fabricar o combustível sustentável de aviação no Brasil, a Raízen busca um parceiro estratégico, já que ela ainda não domina essa tecnologia.

“Faz muito mais sentido produzir SAF perto das usinas de etanol”, disse Ricardo Mussa, CEO da Raízen, durante evento promovido pelo Bradesco BBI na semana passada em São Paulo.

A produção de SAF no Brasil pode gerar economias relevantes em logística e emissões, reduzindo ainda mais a pegada de carbono do combustível, disse ele. Como exemplo, Mussa mencionou que Paulínia, um município no estado de São Paulo, poderia se tornar um polo de produção de SAF. “Há muito etanol lá e dutos que conectam as usinas ao Porto de Santos”, disse ele. “Os investimentos virão assim que as políticas públicas permitirem.”

“Combustível do Futuro”

O primeiro passo foi dado na semana passada, com a aprovação da lei conhecida “Combustível do Futuro” pelo Congresso Nacional (e que aguarda sanção presidencial). A regulamentação permite elevar a mistura de etanol na gasolina para até 35%, em comparação com os atuais 27% — uma sinalização que pode incentivar as usinas a investir em novos projetos.

As discussões sobre a nova lei já foram suficientes para impulsionar mais projetos de SAF no País. “Quando observamos o número de projetos de SAF no Brasil pela primeira vez, havia apenas três. Mas após a introdução da nova regulamentação no Congresso, o interesse dos produtores aumentou. Hoje, estamos vendo cerca de 16 novos projetos no Brasil”, disse Fuente.

O representante da IATA acrescentou que outro sinal positivo do governo é o programa de financiamento de R$ 6 bilhões anunciado no mês passado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para financiar biorrefinarias dedicadas à produção de combustíveis sustentáveis para aviação e navegação.

“Mas a realidade é que o mercado precisa atrair ainda mais investimentos”, disse. Segundo a IATA, uma planta de SAF custa entre US$ 500 milhões (no caso de adaptações de plantas já existentes) e US$ 1,2 bilhão (para a construção de novas unidades).

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Além do representante da IATA, líderes de empresas brasileiras do setor de bioenergia, investidores e bancos se reunirão na Universidade Columbia, em Nova York, durante o Brazil Climate Summit nesta quarta-feira. O evento será transmitido pela internet.

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