CVM

O que muda com a regulamentação definitiva do Fiagro

Resolução da CVM criou o Fiagro multimercado e abriu mais espaço para créditos de carbono, agradando aos diversos agentes de mercado

Mudanças na regulamentação de CRAs e LCAs

A regulamentação definitiva dos Fiagros finalmente saiu do papel. Num momento sorumbático para a indústria de R$ 40 bilhões, especialmente após a recuperação judicial da Agrogalaxy, o extenso conjunto de regras atende à boa parte das demandas verbalizadas pelo mercado ao longo dos últimos meses — e traz poucas surpresas, ao menos nesse momento inicial. 

“Não dá para confundir o desafio porque passam alguns setores na cadeia agroindustrial, de um lado, e o Fiagro, de outro, que é um provedor de liquidez para a cadeia”, afirma Thiago Giantomassi, sócio de mercado de capitais do Demarest Advogados. 

A nova regra passa a valer para novos fundos em 3 de março do ano que vem e, para os já existentes, a partir de 30 de setembro de 2025, um prazo visto como ideal para adequação das mudanças. A principal novidade é mesmo a criação de um “Fiagro multimercado”, acompanhada de outras mudanças importantes para o setor, como o conceito de imóveis rurais e o acesso a créditos de carbono.

Começando pelo ponto mais aguardado pelo mercado, a criação do Fiagro “multimercado” estabelece um percentual de 50% para o PL dos Fiagros que pode ser destinado a ativos que sejam caracterizáveis também em outras categorias de fundo. 

Se mais de 50% do patrimônio líquido for destinado a um ativo que pode estar presente em fundos de outros segmentos (por exemplo: direitos creditórios, que podem estar num FIDC, ou mesmo ações, que podem estar em um FIP) será necessário seguir, de forma subordinada, as regras das outras categorias. Em caso de conflito de regras entre o que propõe a regra dos Fiagros e a regra dos outros fundos — FIIs, FIDCs ou FIPs — ficam válidas as regras do anexo dos Fiagros. 

O percentual de 50% foi visto como um avanço diante da versão da regra colocada em consulta pública, que inicialmente proôs que fossem seguidas ambas as regras em caso de concentração de pelo menos um terço do patrimônio líquido do fundo. O que, no limite, faria com que fundos tivessem de seguir quatro regras diferentes dentro de um mesmo fundo.

“Ficou muito razoável. E evita o mau uso da regra, numa arbitragem regulatória. Por exemplo, se for criado um fundo para investir só em direitos creditórios, ele terá de seguir, no fim das contas, a regra criada para os FIDCs”, explica Rafael Gaspar, sócio de mercado de capitais do Pinheiro Neto. 

Um ponto que terá de ser observado ao longo do tempo, ainda no mesmo tópico, está na mudança de fundos conforme crescem. Não há uma interpretação unânime para o que acontece em relação a um Fiagro que começa sem atingir o limite de concentração em uma determinada classe de ativos, mas, ao longo do tempo, a atinge. 

“Se o fundo tem uma política de investimento que possibilite a aplicação de mais de 50%, me parece que já terá de seguir a regra relacionada a aquele ativo. Caso contrário, o fundo deveria criar um limite de 49,99%, por exemplo, em um ativo A ou ativo B, para não ter de fazer essa observação”, diz Gaspar. 

André Mileski, sócio de fundos de investimentos do Lefosse, tem uma visão similar. “A rigor, se a política de investimento de um Fiagro prever a possibilidade de investir mais de 50% em tais ativos, terá que ter a aplicação subsidiária. Meu entendimento é que qualquer mudança neste requisito se enquadraria como uma alteração da política de investimento da classe, o que exigiria aprovação pela assembleia de cotistas”, afirma. 

Para Flávio Lugão, do Mattos Filho, a forma como isso deve ser aplicado deve ficar mais clara a partir da aplicação prática da regra. “No caso de um fundo ter uma governança super sucinta e ficar sujeito às regras de um FII, ainda será necessário ver como essa mudança vai acontecer. É diferente, por exemplo, de um Fiagro que compra 90% do patrimônio em terra, que já nasce usando o anexo de FII subsidiariamente”, afirma. 

O conceito de imóveis rurais

Um ponto celebrado com a nova regra é a previsão do que é considerado imóvel rural. Na consulta pública, a CVM havia colocado que apenas imóveis com CCIR (Certificado de Cadastro de Imóveis Rurais) poderiam se enquadrar como alvos de possíveis investimentos, mas na versão de fato da regra essa definição ficou bem mais abrangente.

A autarquia estabeleceu que são imóveis rurais os que têm CCIR “ou que, localizado em perímetro urbano, seja destinado à exploração de atividades das cadeias produtivas do agronegócio e possua registro no Registro Geral de Imóveis – RGI”. Além disso, também são considerados imóveis usados em atividades de piscicultura ou aquicultura.

“Ficou claro que o que importa é a atividade econômica desenvolvida naquele imóvel e não só a sua localização geográfica. É um ponto muito importante para o desenvolvimento dos fundos”, afirma José Alves Ribeiro Júnior, sócio de mercado de capitais do VBSO Advogados.

Há, ainda, uma definição importante sobre os imóveis em que a norma veio mais aderente. “Na consulta pública, não estava claro se apenas a propriedade dos bens ou quaisquer direitos reais eram passíveis de aquisição. Com a nova norma, ficou claro que não se trata apenas da propriedade, mas que direito de superfície podem ser incluídos”, explica Bruno Racy, sócio de mercado de capitais do Machado Meyer.

Créditos de carbono

A abertura aos créditos de carbono para além dos mercados regulados foi outro ponto visto como uma vitória da nova regra — diante da proposta anterior da consulta pública, que limitava o acesso a esses mercados dessa forma. No limite, créditos gerados a partir da atividade agrícola no Brasil, mas negociados fora do país (respeitados os limites de alocação internacional, vale ressaltar) podem ser possíveis alvos de investimentos. 

“Os grandes mercados de carbono estão no exterior. A regra mostra uma sensibilidade da CVM ao olhar para a realidade, entendendo como o mercado funciona para além do curto prazo”, diz Gaspar.

Acompanhada dessa maior abertura aos créditos de carbono, a CVM impõe uma série de responsabilidades aos gestores de fundos, que têm de, por exemplo, definir metodologias aceitas para originação de créditos de carbono, respeitando as melhores práticas de mercado. Cabe ao gestor, também, checar e acompanhar esse requisito periodicamente.

Esses requisitos, ao menos em um primeiro momento, foram vistos como suficientes e adequados ao que está dentro das responsabilidades da CVM definir em relação aos créditos de carbono — tendo em vista que se trata de um mercado em desenvolvimento no país. 

“É difícil fazer uma regra muito fechada, porque você desestimularia a interação entre crédito de carbono e Fiagro. O que vimos a CVM fazer foi dar uma solução equilibrada diante das limitações de regras do mercado de carbono. Foi uma solução elegante”, resume Ribeiro Júnior.

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O mercado de carbono já provocou controvérsia no mercado de Fiagro, especialmente após a investigação da Polícia Federal que implicou Ricardo Stoppe, controlador de uma companhia que fazia parte do portfólio dos fundos da AZQuest.