Estratégia

Por que a Sadia vai exportar carne bovina — e nem precisa de fusão

“Independente da forma societária, que não é uma preocupação, já temos uma empresa multiproteína funcionando”, disse Marcos Molina

DE PARIS (FRANÇA) — Às margens do rio Sena, o Museu D’Orsay não passa despercebido tamanho o charme. Foi exatamente ali, com o requinte de um coquetel preparado por Alain Ducasse (um dos chefs de cozinha mais laureados da história), que o empresário Marcos Molina reuniu na noite de domingo mais de 420 clientes para comemorar os 80 anos da Sadia e os 90 anos da Perdigão.

A uma plateia recheada de importadores que vieram à França participar da Sial — a feira bienal que reúne mais de 8 mil compradores de alimentos e acontece até 23 de outubro —, o empresário anunciou que a Sadia está voltando (definitivamente) ao mercado de carne bovina, inclusive na exportação.

A estratégia mostra que a integração entre BRF e Marfrig vai se aprofundar na área comercial, mesmo sem uma fusão. A bem da verdade, a união societária entre as duas gigantes talvez nem seja necessária para que as companhias extraiam a maior parte das sinergias esperadas de uma união.

Há cinco anos, quando a ideia de fusão foi discutida pela primeira vez — à época, Pedro Parente liderava a BRF, então uma corporation de capital pulverizado —, as empresas chegaram a calcular, ainda que de forma preliminar, as sinergias potenciais. O resultado pode surpreender, mas a maior parte delas sequer precisava de uma fusão strictu sensu.

“Independentemente da forma societária, que não é uma preocupação e nem uma prioridade, as empresas já estão atuando com uma plataforma multiproteína em diversas geografias”, disse Molina, em entrevista a jornalistas.

Miguel Gularte, executivo com ampla experiência na indústria de carne bovina, ilustra os benefícios da integração. Ao migrar da cadeira de CEO da Marfrig para a BRF, o gaúcho liderou o bem-sucedido programa de reestruturação da dona da Sadia, usando um método de eficiência industrial parecido.

Para melhorar o rendimento industrial, replicou um programa que a Marfrig batizava internamente de Osso Branco. Nesse processo, conseguiu ampliar oferta de carne de frango como se tivesse construído uma planta capaz de processar 320 mil frangos por dia, sem precisar de qualquer investimento. “Antes, isso virava farinha de carne e ossos”, contou.

Onde estão as sinergias

Na prática, mais de 80% das sinergias esperadas em uma união entre BRF e Marfrig podem ser obtidas mesmo as empresas serem uma só companhia, e é justamente em busca desse filão que o grupo está se movendo.

Desde que a Marfrig assumiu o controle da BRF, há pouco mais de dois anos, as duas companhias vêm trabalhando nesse sentido. Na primeira fase, serviços compartilhados e a área de suprimentos se aproximaram, permitindo economias de centenas de milhões de reais nas negociações conjuntas de fretes marítimos, por exemplo.

Nessa etapa, que também incluiu a unificação de áreas corporativas como sustentabilidade e comunicação, as economias poderiam ser capturadas mesmo que as companhias fossem apenas parceiras eventuais. Uma parte relevante das sinergias, no entanto, vai ser cada vez mais aproveitada.

Tomando o estudo da primeira tentativa de fusão como referência, cerca de 60% das sinergias estão em iniciativas que (uma vez tomadas) não têm mais volta, muitas delas na área comercial. “É como um casamento em que você não pode separar”, comparou um fonte.

Sadia também é picanha

O novo papel da Sadia se encaixa exatamente neste momento. Há poucos meses, a marca já havia assumido o protagonismo no portfólio de industrializados de carne bovina, passando a estampar o logo no hambúrguer ao lado da Bassi, uma marca premium de carne bovina.

A partir de agora, a Sadia vai ganhar ainda mais dimensão, assumindo a assinatura dos cortes de carne bovina que são exportados para os quatro quantos do mundo — mesmo com a venda de frigoríficos à Minerva, a Marfrig ainda terá capacidade para exportar.

Atualmente, a maior parte dos cortes in natura exportados pela Marfrig são despachados com a marca GJ, mas esse selo será prioritariamente substituído pela Sadia, aproveitando que a marca já têm uma penetração gigantesca no Oriente Médio – onde é líder em carne de frango e industrializados — e o potencial para avançar para outros países.

No Brasil, os cortes mais nobres de carne bovina (picanha, bife de chorizo, entre outros) que são comercializados com a marca Bassi passam, a partir de agora, a contar com a companhia da marca Sadia na embalagem. Os cortes do dia a dia (alcatra, coxão mole, entre outros) serão vendidos com o selo conjunto entre Perdigão e Montana.

Vendedores alinhados

A integração passa pela aproximação dos times comerciais, especialmente na exportação — áreas lideradas por Alisson Navarro, diretor de exportação da Marfrig, e Leonardo Dall’Orto, vice-presidente de planejamento e mercados internacionais da BRF.

Antes da Sial, os líderes comerciais das duas companhias se reuniram em Paris em dois dias de reuniões para delinear a estratégia comercial, o que incluiu um alinhamento sobre posicionamento na feira, mas também foi o pontapé inicial para a construção do orçamento de 2025.

No processo de aproximação entre as duas companhias, os vendedores internacionais da BRF foram treinados para poder vender não só frango e carne suína, mas também carne bovina.

“Nos Estados Unidos, a Marfrig já tem uma estrutura que funciona. Então, podemos usar exatamente os mesmos canais de distribuição para maximizar os resultados”, argumentou Navarro, mencionando os benefícios para a BRF usar a estrutura em regiões nas quais a Marfrig já está mais desenvolvida.

A lógica também vale para a National Beef, indústria americana de carne bovina controlada pela Marfrig. Quando o Japão abriu o mercado de carne do Uruguai, a estrutura da National foi usada para vender aos asiáticos.

No Oriente Médio, o contrário ocorre. Diante da ampla estrutura de distribuição da BRF na região, é a Marfrig que se beneficia. Não à toa, a companhia já estava vendendo cortes de carne bovina no varejo com a marca Sadia. Nesse processo, o negócio halal compra a carne da Marfrig a preços de mercado e fica com as margens da distribuição.

Outra possibilidade é aproveitar melhor o mercado brasileiro de carnes cozidas da marca Pampeano, que atualmente só é exportada — em latas ou pouch.

“Não estamos explorando toda a capacidade de cozidos”, emendou Rui Mendonça, CEO da Marfrig, citando a oportunidade nas regiões Nordeste e Norte do País. Com a distribuição da BRF, que chega a mais de 300 mil pontos de venda, isso pode mudar.

*O jornalista viajou a convite da BRF