Estratégia

O jogo de xadrez da BRF para preservar a liderança na Arábia Saudita

De Marquinhos Molina em Riade aos investimentos em duas unidades na Arábia Saudita, dona da Sadia acelera o passo no Oriente Médio

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DE PARIS (FRANÇA) — Marquinhos Molina é o mais novo empresário de Riade. Aos 28 anos, o primogênito do empresário Marcos Molina se mudou há 20 dias para a capital da Arábia Saudita, em um movimento que simboliza a estratégia da BRF para ampliar a participação no principal mercado do Oriente Médio, assegurando a liderança numa região em que a companhia julga ter um ativo irreplicável.

A transferência do jovem executivo ocorre com a proximidade de dois investimentos que a BRF fará na Arábia Saudita: a estreia na produção de carne de frango em território árabe, fruto de uma sociedade com PIF (fundo soberano do reino), e a construção da segunda fábrica de alimentos processados no país.

Os projetos já vinham sendo sinalizados há alguns anos, mas ainda não se sabia de que forma e em que momento sairiam do papel. A construção da fábrica de processados está no radar desde 2019 e a sociedade com o fundo soberano da Arábia Saudita foi anunciada pela primeira vez em 2022 — a joint venture definitiva foi estabelecida em agosto de 2023, prevendo um investimento conjunto de US$ 500 milhões.

Em uma entrevista a jornalistas durante a Sial, feira bienal de alimentos realizada nesta semana em Paris, o vice-presidente de mercado halal da BRF, Igor Marti, disse que o terreno para a construção da fábrica já está definido. A planta será erguida em Jeddah, segunda maior cidade da Arábia Saudita. Agora, faltam refinar os detalhes do projeto de engenharia e maquinário, que está em andamento e vai determinar o porte exato da planta.

Paralelamente, a BRF ainda está estudando a melhor opção para ingressar na produção de carne de frango, passando a deter abatedouros em terras sauditas. “Estamos explorando caminhos. Não necessariamente vai ser uma construção. Pode ser uma aquisição também”, disse Marti.

“Quando tivermos o plano concluído na Arábia Saudita, a BRF vai ser a única empresa não saudita inserida de forma clara e permanente na agenda de segurança alimentar do governo saudita. Ninguém vai ter esse ecossistema, com distribuição própria, marca, duas fábricas de processados e uma de criação e integração de frangos no reino”, ressaltou Marti.

Em busca da autossuficiência

Há dez anos no Oriente Médio, o executivo conhece como poucos as necessidades estratégicas da Arábia Saudita. A criação de um complexo industrial no país de Mohammed bin Salman é uma forma de atender ao Visão 2030, o plano de longo prazo do reino saudita.

O planejamento prevê reduzir drasticamente as importações de carne de frango, num programa de autossuficiência que começou em 2016 e está bastante avançado.

A intenção saudita é abastecer 80% do mercado com frango produzido localmente, um marco que contará com a contribuição dos investimentos da BRF. “Eles vão conseguir chegar”, adiantou Marti.

Quando Mohammed bin Salman lançou o Visão 2030, menos de 45% do frango consumido era produzido na Arábia Saudita. Agora, quase 70% são feitos no país, segundo estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.

Para alcançar esse nível de autossuficiência, a Arábia Saudita adotou várias medidas para restringir o mercado aos estrangeiros que não investissem no país, combinando protecionismo e incentivos econômicos.

A primeira e mais drástica medida foi tomada em 2017, quadruplicando o imposto de importação sobre a carne de frango. Essa decisão ajudou a equalizar o custo de produção. Com a tarifa, o produto saudita custa praticamente o mesmo que um trazido do Brasil, historicamente a avicultura mais competitiva do planeta.

Além das tarifas, as autoridades sanitárias sauditas chegaram a embargar vários frigoríficos, inclusive brasileiros, o que sempre foi encarado como uma forma de pressionar por investimentos no país.

Em meados de 2019, a fábrica de alimentos processados da BRF em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidas, ficou suspensa de exportar para a Arábia Saudita, uma medida que foi revertida em 2022, quando a dona da Sadia já havia se comprometido com investimentos no país. A atração da Salic, firma de investimento da Arábia Saudita que possui 11% da BRF, reforçou a parceria.

Fábrica da BRF em Damman, na Arábia Saudita. | Crédito: Divulgação
Fábrica da BRF em Damman, na Arábia Saudita; empresa planeja construir nova unidade em Jeddah | Crédito: Divulgação

Com a retomada das vendas aos sauditas, a fábrica de Abu Dhabi rapidamente lotou a capacidade. Inaugurada há dez anos, a unidade localizada em Kizad (sigla para Khalifa Economic Zones Abu Dhabi) já é o maior complexo industrial da região e ficará ainda maior.

Atualmente, a unidade é capaz de produzir 60 mil toneladas de alimentos processados por ano (a maioria com frango importado do Brasil). O projeto de ampliação que levará a capacidade da planta de Kizad para 100 mil toneladas já está em andamento, disse Marti.

Novos mercados

Em conjunto, os investimentos da BRF na Arábia Saudita e em Abu Dhabi vão destravar um potencial de crescimento no mercado de alimentos processados, permitindo ganhar share nos poucos países onde a companhia é a segunda colocada, justamente pelas restrições de capacidade.

Ficar maior no negócio de processados é fundamental considerando a dinâmica de consumo no Oriente Médio. Em meio às transformações culturais na região, com a entrada das mulheres sauditas no mercado de trabalho, o consumo está migrando cada vez mais para os alimentos preparados.

Não à toa, o consumo de frango griller in natura nos países do Golfo vem caindo a uma taxa média de 3% nos últimos cinco anos, ao passo que as vendas de alimentos preparados, com mais conveniência, crescem mais de 20%.

Líder no mercado halal, com mais de US$ 2 bilhões em faturamento, a BRF está se movimentando para capturar esse crescimento e preservar a liderança que começou a construir 1973, quando a Sadia começou a exportar para os sauditas.

Hoje, o mercado halal representa cerca de um quarto da receita líquida global da BRF, que somou R$ 53,6 bilhões no ano passado. Só a Arábia Saudita foi responsável por 7% do total.

*O jornalista viajou a convite da BRF e da Marfrig.