OPINIÃO

Ebitda não é caixa! Por que a crise da Agrogalaxy foi resultado de escolhas dos gestores

Entre 2019 e o primeiro semestre de 2024, a geração de caixa operacional foi de apenas R$ 81 milhões.

A crise financeira da Agrogalaxy decorreu de escolhas dos gestores que optaram por alavancar a empresa, mesmo sem geração de caixa operacional (ainda que com Ebitda positivo) e sem um modelo competitivo sustentável.

No mercado, o Ebitda é o indicador financeiro mais usado para avaliar empresas que estão na bolsa de valores, por informar o lucro da companhia antes dos descontos com impostos, juros, amortização e depreciação.

No caso da Agrogalaxy, um velho enredo se repetiu. Executivos optaram por acelerar o crescimento no intuito de que investidores comprassem a “tese” da plataforma exponencial e valuations ancorados em receita, mesmo sem um modelo competitivo e sem geração de caixa operacional — foi assim também com Ricardo Eletro, Americanas, BRPharma, entre outras.

Quando as condições de mercado se tornam menos favoráveis e os credores “puxam o freio” e reduzem os limites de crédito, a empresa não tem condições de se sustentar porque não gera lucro e caixa.

O uso do Ebitda como ferramenta para atestar saúde financeira merece ser criticado. Esse indicador não representa geração de caixa na maior parte dos casos, por não capturar informações importantes do fluxo de caixa.

No caso da Agrogalaxy e de outras empresas, chama a atenção nas notas explicativas de Empréstimos e Financiamentos a imposição, pelos credores, de compromissos característicos nos contratos de financiamento ou empréstimos, chamados de covenants, tendo como principal fator a relação entre Dívida e Ebitda.

Como Ebitda não é caixa, este covenant se torna uma miragem, decorrente de uma prática equivocada de mercado de tratar o indicador financeiro como proxy para geração de caixa disponível aos credores.

O gráfico a seguir apresenta a relação entre fluxo de caixa operacional (FCO) e Ebitda acumulado entre 2020 e 2024 das empresas do agro no Brasil listadas na B3 ou na Nasdaq (empresas atuantes em diversos pontos da cadeia de valor). Observa-se que a geração de caixa operacional (FCO) disponível para pagamento aos credores situou-se, em média, a 59% do Ebitda.

A análise dos números mostra que BrasilAgro e Terra Santa têm valores próximos de FCO e Ebitda — o que puxa a média para cima —, mas atuam não na produção ou comercialização, mas sim com imobiliário rural, adquirindo, arrendando e negociando terras. As demais empresas são produtoras, comerciais ou prestadores de serviço do segmento. No caso da Agrogalaxy, dos cinco anos analisados, apenas em um o FCO foi superior ao Ebitda (no caso, menos negativo).

No quadro a seguir, dados selecionados da AgroGalaxy:

  • Entre 2019 e o 1ºS/2024, enquanto o EBITDA acumulado (miragem) alcançou R$ 1,4 bilhão, a geração efetiva de caixa operacional foi de apenas R$ 81 milhões no período, ou 5,6% do EBITDA. EBITDA não é caixa;
  • Em relação a receita acumulada entre 2019-2024, a geração média de caixa operacional foi de 0,23%. Ou seja, apesar da magnitude da receita, que alcançou R$ 11,6 bilhões em 2022, o modelo não apresentava qualquer diferencial competitivo, capturado pela margem de fluxo de caixa operacional quase nula. A operação não tinha capacidade alguma de absorver choques e de devolver o capital dos credores;
  • O grau de alavancagem bateu em 8,0 em 2024 e o valor de mercado R$ 174 milhões, muito abaixo do valor contábil do PL (R$ 724 milhões) e dos R$ 2 bilhões de 2021. Destruição quase completa do capital dos sócios (e dos credores);

A crise financeira que a Agrogalaxy enfrenta decorre não das condições de mercado, mas sim das escolhas e das decisões tomadas pelos executivos ao longo dos anos, inclusive a omissão em analisar o caixa a partir das métricas corretas. Para a empresa, sobrou como remédio amargo a recuperação judicial para tentar organizar a estrutura de credores e suas demandas, enquanto o novo corpo executivo analisa as opções em mãos.

Flávio Málaga é sócio fundador da Málaga Consultoria. É professor do MBA Executivo e do MBA Finanças do Insper, doutor e mestre em Administração, com ênfase em Finanças, pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e engenheiro mecânico pela Fundação Armando Alvares Penteado. Atua em reestruturações financeiras, avaliação de ativos e empresas, análises financeiras, perícia em processos arbitrais, fusões e aquisições e rodadas de financiamento.