Nas últimas décadas, o Brasil saiu de coadjuvante na produção de grãos para estar no topo — desde 2000, a produção de soja quintuplicou, colocando o país como o principal produtor e exportador da commodity. Em contraste à tamanha evolução da porteira para dentro, os instrumentos para fixação de preços permaneceram praticamente inalterados no País, um cenário que o Balcão Agrícola do Brasil deseja mudar a partir de agora.
A iniciativa — um mercado de balcão, como o próprio nome diz — tem como proposta ser um ambiente regulado para a negociação de derivativos de soja e milho em reais, com liquidação física nas regiões produtoras desses grãos.
O projeto surgiu a partir da experiência de Eric Cardoni, fundador do Balcão, nesse mercado. Depois de 16 anos atuando como trader na LDC Brasil, o executivo viu a necessidade de trazer um instrumento mais ‘tropicalizado’ de hedge para a cadeia de grãos brasileira.
A operação, que deve começar até o fim do ano, terá dois pontos para a entrega física, Rondonópolis (MT) e Rio Verde (GO), com a expectativa de chegar a cinco pontos nos próximos dois anos. As regiões foram escolhidas pela relevância na produção dos grãos e pela localização — nessas cidades, há terminais da Rumo, sócia da empreitada.
Ao fazer o hedge de preços em reais nas regiões produtoras, o balcão traz uma ferramenta adicional para tradings e produtores, permitindo que a soja comprada em Mato Grosso e Goiás tenha um derivativo que represente o preço da soja na origem — em vez de ter que fazer a fixação desses preços em Chicago.
“Hoje, para fazer hedge de soja uma empresa precisa travar o dólar, negociar contratos futuros em Chicago e lidar com chamada de margem. Não é simples. Vamos trazer transparência com uma tela de diferentes vencimentos sendo visualizados, trazendo mais previsibilidade para a tomada de decisão. Hoje, nem todo mundo sabe quanto vale a soja em Rondonópolis para entrega em 2025”, disse Eric Cardoni, fundador do Balcão Agrícola do Brasil, em coletiva de imprensa nesta quinta-feira.
Mais risco no prêmio
O passo a passo da compra de soja por uma trading envolve a negociação do grão com produtores, a um preço fixado em reais por saca. Para se proteger da volatilidade do mercado de commodities, a empresa vende um contrato futuro na Bolsa de Chicago do mesmo grão, com o vencimento do contrato casado com a entrega física do produtor no Brasil (travando também o dólar).
O racional é o de que mais vale correr o ‘risco de basis’, ou seja, da diferença entre os preços da soja no mercado físico e no mercado futuro da Bolsa de Chicago, do que correr o risco puro e simples do preço da soja na data de liquidação. O ponto é que o descasamento entre os preços de Chicago e os locais tem se acentuado, tornando mais difícil essa conciliação.
Em 2020, por exemplo, a soja negociada em Rondonópolis tinha um prêmio de R$ 40 por saca em relação aos futuros de Chicago. Em 2023, o cenário se inverteu: a soja na mesma praça era negociada com um desconto de R$ 40 por saca em relação aos futuros da bolsa americana.
Mesmo as menores variações podem ter impactos financeiros expressivos. Uma mudança de US$ 1 por bushel no prêmio (a diferença entre o preço local da soja e o contrato de Chicago) pode gerar um prejuízo de US$ 2,5 milhões em um navio de soja.
Nesse cenário, o Balcão Agrícola nasce para intermediar contratos bilaterais que possam ter, no fim do dia, um hedge mais confiável. É uma ferramenta a mais para as tradings e produtores, tendo em vista a volatilidade dos prêmios — que pode vir por causa de fatores como frete, clima e câmbio — e a dificuldade de mitigar esse risco principalmente no interior do País.
A iniciativa visa replicar, no Brasil, o funcionamento do mercado norte-americano. Por lá, além de fazer hedge em Chicago, tradings conseguem também fazer contratos de fixação de preços nas regiões produtoras de grãos, além dos portos.
De quebra, o balcão traz também mais liquidez para essa relação entre produtores e tradings. Hoje, ao negociar produtos físicos no interior, uma transação de soja tem impostos como PIS/Cofins e ICMS, que dificultam a quem negocia sair dessa posição. O balcão, por trazer um derivativo, dá a possibilidade de tradings e produtores venderem esse contrato antes do prazo final de vencimento.
“Por ter entrega física, os participantes do mercado sabem que essa soja tem valor. É diferente de uma liquidação financeira pura e simples, que pode gerar desconfiança a respeito do fechamento de indicadores naquela data”, explica Cardoni.
Para ele, a liquidação física é o diferencial que pode fazer com que a iniciativa ganhe força no País, em relação a tentativas anteriores, feitas por exemplo pela BM&F, que previam principalmente a liquidação financeira.
Quem financia?
A cada tonelada de grãos negociada, o balcão deve ficar com R$ 1 — o equivalente a cerca de R$ 300 por contrato, segundo Cardoni.
Para colocar a iniciativa de pé, o executivo fez uma rodada de investimentos de US$ 1,7 milhão, dos quais US$ 700 mil vieram de amigos e familiares. A Rumo investiu o restante (US$ 1 milhão) numa estrutura de mútuo conversível. No limite, a empresa de logística terá 10% do capital votante da empresa, caso converta sua participação. A rodada teve o Pinheiro Neto como assessor jurídico.
A expectativa é de que, no primeiro ano de operação, negociações de aproximadamente 400 mil toneladas de grãos passem pelo Balcão. Esse volume deve passar para 1 milhão de toneladas no segundo ano e chegar a 2 milhões de toneladas no terceiro ano. Desse total, aproximadamente 10% deve se refletir em volume entregue — tomando como base o fluxo de negociações em Chicago.
Hoje, 15 empresas (principalmente tradings) já manifestaram interesse em começar a negociar no Balcão. Cardoni vê espaço para que grandes produtores também entrem para o mercado em breve, e vê como uma evolução natural conseguir chegar a produtores médios e pequenos — justamente pelas características de ausência de chamada de margem e de outras complexidades.
Ainda em curto prazo, o balcão deve aumentar a gama de contratos negociados na plataforma. Além de soja e milho, Cardoni vê espaço para negociar contratos de farelo de soja e de óleo de soja, também de olho no mercado local.