Déjà vu?

Vitória de Trump acende esperança na soja. Mas calma: não estamos mais em 2018

Com o balanço entre oferta e demanda mais 'folgado' e o domínio brasileiro nas importações chinesas, impacto de uma eventual guerra comercial seria limitado

O retorno de Donald Trump à Casa Branca está deixando muitos produtores brasileiros esperançosos. A promessa de campanha do magnata republicano de aumentar as tarifas de importação de bens de consumo criou expectativas de uma nova guerra comercial entre EUA e China. Mas especialistas advertem: o cenário hoje é bem diferente ao do primeiro governo Trump, o que pode limitar os impactos de uma eventual trade war à soja brasileira.

Para começar, o balanço global entre oferta e demanda está bem mais confortável do que no primeiro mandato de Trump. Desde a safra 2017/18, a produção mundial da oleaginosa aumentou em 85 milhões de toneladas, enquanto o consumo ficou 62 milhões de toneladas maior, segundo dados do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA).

Os estoques finais devem ultrapassar 130 milhões de toneladas ao final desta safra, ante 100 milhões de toneladas em 2017/18. Só em relação à safra passada, o crescimento será de 20% — uma consequência de safras recordes nos EUA e, possivelmente, no Brasil, enquanto a demanda da China, maior importador mundial, está mais tímida.

Também não há mais o “elemento surpresa” da guerra comercial de 2018, o que levou a uma busca desenfreada pela soja brasileira, fazendo os prêmios (a diferença entre os preços no Brasil e na Bolsa de Chicago) dispararem. Só em 2018, as exportações brasileiras para a China aumentaram 27%, elevando o share do país asiático nos embarques da oleaginosa para mais de 80%.

Desde então, a predominância da soja brasileira na China vem se consolidando. Neste ano, até setembro, o Brasil exportou 68 milhões de toneladas de soja para a China, ante apenas 10 milhões de toneladas dos EUA (até agosto), segundo dados levantados pela MD Commodities, consultoria baseada em Chicago. Em 2023, o Brasil embarcou 76 milhões de toneladas de soja para os importadores chineses, ante 26 milhões dos EUA.

“Se de fato a China e os EUA entrarem em um novo atrito, a China deve focar mais as compras no Brasil, o que pode abrir alguns movimentos temporários de oportunidade e de risco”, diz Pedro Dejneka, sócio da MD Commodities. “Mas o fato é que a China já está focando no Brasil sem guerra comercial porque o Brasil tem a soja mais competitiva do mundo.”

A analista Daniele Siqueira, da AgRural, concorda: “É claro que as exportações do Brasil tendem a se beneficiar caso a China imponha tarifas à soja dos EUA, mas é provável que os nossos preços não ganhem tanto fôlego como em 2018, especialmente se a safra 2024/25 não tiver problemas climáticos”, afirma.

O impacto nos mercados

No início do dia, os contratos futuros de soja caíram com a expectativa de uma nova rodada de barreiras comerciais e o dólar subiu. Com o passar do dia, os ânimos foram se acalmando e os preços da commodity caminharam para uma relativa estabilidade, enquanto a moeda norte-americana caía frente ao real.

Na Bolsa brasileira, as ações da SLC, principal grupo agrícola do Brasil, chegaram a subir 5% com investidores apostando em uma guerra comercial 2.0. Mas analistas também pediram calma aos investidores — no final do pregão, a alta desacelerou para 2%.

Os analistas da XP Investimentos fizeram contas sobre o possível impacto de uma redução na diferença entre os preços praticados no Brasil e nos EUA caso a demanda chinesa pela soja brasileira aumente na esteira de um conflito com o país de Trump.

Para eles, o potencial de valorização da soja brasileira seria de apenas 1% se o desconto em relação aos preços de Chicago caísse da média de 15% para 10%. Ou seja, o preço da soja subiria de R$ 119 para R$ 120 reais por saca. Tal upside não justifica uma posição comprada nas ações da SLC, diz a equipe de analistas comandada por Leonardo Alencar em comentário enviado aos investidores.

No caso da companhia, o efeito de uma mudança no nível de preços teria um impacto ainda mais limitado. A empresa travou cerca de metade da produção prevista para a safra 2024/25 a um preço superior às cotações de mercado. Segundo os últimos dados disponíveis, o valor médio de comercialização da SLC ficou em US$ 11,94 por bushel, ante US$ 10,17 por bushel na média dos contratos para 2025.

“Dessa forma, mesmo considerando um cenário mais agressivo para o câmbio, as revisões no nosso modelo não seriam significativas (em caso de guerra comercial)”, escrevem os analistas da XP, que esperam resultados abaixo da média do mercado para a empresa.

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No próximo dia 20, o presidente chinês Xi Jinping fará uma visita ao Brasil, com a agenda de adesão do País à “Nova Rota da Seda”, um projeto gigante de investimentos em infraestrutura. A postura de Brasília em relação à visita e ao projeto será acompanhada de perto, diante da agenda claramente mais protecionista de Donald Trump.