Fertilizantes

O nitrogênio é o maior emissor de carbono na lavoura. Ainda há poucas alternativas

Gigantes como a Yara estão investindo para trocar base fóssil por verde na produção de nitrogenados

Nutriente fundamental para a agricultura tropical, o nitrogênio é também um dos maiores emissores de gases de efeito estufa na agropecuária brasileira, e sua substituição pura e simples é praticamente impossível.

Para descarbonizar as lavouras, muitos agricultores vêm investindo no uso mais racional dos fertilizantes nitrogenados, mas essas iniciativas têm um limite, já que não é possível excluir totalmente o nitrogênio do manejo.

“Não há produção em solos tropicais sem o nitrogênio”, resume Paulo Pavinato, professor de fertilidade do solo e adubação da Esalq (USP- Piracicaba).

Em uma frente que parece promissora, indústrias de fertilizantes deflagraram projetos bilionários no Brasil para descarbonizar a produção e, com isso, reduzir a pegada de carbono no solo. O desafio é ter a quantidade em escala suficiente.

Até o final deste ano, a gigante Yara vai iniciar a produção de amônia verde em solo brasileiro, o que é fruto de uma parceria com a brasileira Raízen. Basicamente, a amônia verde é produzida com biometano produzido com resíduos da cana, substituindo o poluente gás natural que é normalmente usado na fabricação da amônia tradicional. A partir da amônia verde, a Yara produzirá o nitrato de amônio em sua planta em Cubatão (SP).

A Yara não é a única a desbravar os nitrogenados verdes no Brasil. Outra iniciativa é liderada pela Atlas Agro — uma investida da gestora australiana Macquarie —, num projeto ambicioso de US$ 1 bilhão para a construção de sua primeira fábrica de adubos nitrogenados a partir do hidrogênio verde.

Com previsão para entrar em operação no final de 2028, a fábrica está sendo erguida em Uberaba (MG) e terá capacidade para produzir 530 mil toneladas de nitrato de amônio por ano.

A promessa da Atlas é entregar um fertilizante nitrogenado muito próximo de emissão zero com os mesmos benefícios agronômicos do uso dos nitrogenados de matriz fóssil, disse Rodrigo Santana, diretor de Operações de Desenvolvimento de Negócios da Atlas Agro.

Segundo ele, estudo realizado pela DeltaCO2 mostrou que a troca de fertilizantes de base fóssil por base verde resulta numa redução entre 20% e 50% da pegada de carbono das principais culturas, o que é significativo considerando o tamanho das emissões dos nitrogenados.

As emissões

Atualmente, os fertilizantes nitrogenados ocupam o primeiro ou segundo lugar entre os maiores emissores de gases de efeito estufa nas principais culturas agrícolas do País, como café, milho e algodão.

Gráfico de maiores emissores de gases de efeito estufa

A alta dependência das importações de fertilizantes no consumo total — cerca de 85% no caso do NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) — torna as emissões ainda maiores, uma vez que os principais exportadores adotam processos produtivos mais intensivos em carbono e com uma matriz energética menos renovável do que a brasileira.

“Dos fertilizantes nitrogenados consumidos, 96% vêm de fora. A produção nacional está em 4%”, lembra Bernardo Silva, diretor executivo do Sindicato Nacional das Indústrias de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert).

Rússia e China são os principais fornecedores. No primeiro, a matéria-prima para a produção dos nitrogenados é o gás natural, enquanto na China é o carvão mineral. 

Assim, o Brasil importa carbono tanto pelo processo produtivo (o fertilizante russo emite 7,2 kgCO2e/kgN e o chinês, 10,4 kgCO2e/kgN) como pelo transporte. Já o adubo que será produzido pela Yara com o biometano emitirá menos de 2kgCO2e/kgN e o da Atlas Agro, 0,0385 kgCO2/KgN.

Diante dessa vantagem ambiental, há quem defenda a cobrança de um pedágio, uma espécie de imposto pela intensidade de carbono dos fertilizantes importados — ideia que certamente ainda gerará muito debate.

O governo brasileiro também lançou, em 2022, o Plano Nacional de Fertilizantes para ampliar a produção nacional, com o objetivo de reduzir de 85% para 50% a dependência de insumos importados até 2050.

Dentro da porteira

De acordo com os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SEEG), uma iniciativa do Observatório do Clima, o setor agropecuário emite 631,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente, o que corresponde a 27% das emissões do País.

“Depois das emissões associadas ao desmatamento — que é praticamente 50% — quase 1/3 das emissões nacionais está associada à produção agropecuária”, diz Gabriel Quintana, analista da área de Ciência do Clima do Imaflora/SEEG. Das emissões totais do agro, as aplicações de fertilizantes sintéticos nitrogenados correspondem a 6%.

Entre as fontes sintéticas de nitrogênio, estão as mais conhecidas e relevantes do mercado: ureia, nitrato de amônio e sulfato de amônio. Todas emitem óxido nitroso (N2O), um gás que é 273 vezes mais potente que o CO2 para o aquecimento global.

Mas há também as fontes orgânicas de nitrogênio: esterco de aves e outros resíduos da produção, que são insuficientes.

“O Brasil está na liderança da adoção deste tipo de alternativa, que a gente não enxerga como alternativa, mas como complemento. Não há horizonte em que o NPK perca a liderança, mas ele será complementado para maior eficiência e sustentabilidade com biofertilizantes, inoculantes, remineralizadores e outros produtos da cadeia emergente”, diz o diretor executivo do Sinprifert.

Os ‘4Cs’

Quando se fala em uso racional de insumos agrícolas, um conceito que vem sendo muito difundido pela academia e indústria é o dos “4Cs” do Instituto Internacional de Nutrição de Plantas: o produto certo, na dose certa, no lugar certo, na hora certa.

“Nós temos sido grandes incentivadores da fertirrigação como prática sustentável do futuro, porque ela utiliza a plenitude deste conceito: otimiza o uso da água e dos nutrientes”, diz Paulo Yvan Schalcher de Almeida, diretor de soluções agronômicas da Yara.

A cafeicultora Juliana Mello faz análise de solo de cada talhão antes de decidir a aplicação de fertilizantes | Crédito: Arquivo pessoal

Juliana Rezende Mello, produtora de café em Monte Carmelo (MG), no Cerrado mineiro, é um exemplo. Com 63 hectares de cafezais na Fazenda Santa Bárbara, ela faz análise de solo de cada talhão antes de decidir com o agrônomo quais adubos aplicar, em qual quantidade e quando.

A cafeicultora opta sempre por fontes nitrogenadas com baixa emissão de carbono que são aplicadas ora por fertirrigação, ora a lanço. “O que ajuda muito a eficiência dos adubos é a agricultura regenerativa”, diz a produtora, que mantém as ruas entre as linhas dos cafezais sempre cobertas por forrageiras, o que deixa o solo permeável, mesmo em períodos de seca. “Esta permeabilidade garante que o nutriente chegue e seja absorvido”, explica.

Os benefícios vão além, segundo Pavinato. “Se o agricultor tem um manejo adequado da lavoura, se faz rotação de culturas, se incorpora carbono no solo via boas práticas, ele evita muita emissão de gases do efeito estufa”, diz o professor da Esalq.

Outra rota para melhorar a eficiência dos fertilizantes é o uso de adubos inteligentes, aqueles que soltam gradualmente as substâncias, maximizando a absorção pela plantas. A Yara tem uma linha de NPK nesta vertente. O produto é composto por diferentes fosfatos e polifosfatos, que permitem que o fósforo continue sendo disponibilizado para as plantas por mais tempo.

“Se o agricultor usa uma fonte tradicional em solos ricos em argila, boa parte do fosfato fica aprisionado e não é absorvido pela planta e o produtor precisa fazer mais aplicações”, esclarece Almeida.