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Novos dias de glória? Mamona volta a chamar atenção de multinacionais

Aquisição da A. Azevedo Óleos pela Oleon evidencia busca por agricultura regenerativa e potencial em biocombustíveis

Mamona

Em 1966, quando o Brasil ainda era o líder mundial na produção de óleo de mamona, a família Azevedo resolveu criar uma empresa dedicada a explorar o segmento, a A. Azevedo Óleos. Catorze anos depois, a empreitada ganhou como sócia a família Morales — que assumiu o negócio de vez em 1995.

No mês passado, o negócio trocou de mãos novamente, dessa vez para a empresa francesa Oleon, líder em oleoquímicos na Europa. O motivo? Está lá na raiz da companhia: o potencial do óleo de mamona.

A partir do M&A com a Oleon, assessorado pela IGC Partners, a empresa brasileira busca ganhar impulso para fomentar a produção de mamona no País e trazer mais tecnologia para a produção do óleo e de outros derivados.

“Nós queremos unir o potencial da mamona com as nossas tecnologias e ajudá-los a construir novos equipamentos, produzir mais e alcançar de forma mais completa consumidores que prezam por sustentabilidade não só no Brasil, mas em toda a América Latina”, disse Moussa Naciri, CEO da Oleon, ao The AgriBiz

A gigante francesa, que fatura perto de 1 bilhão de euros por ano, pretende crescer dois dígitos por ano pelos próximos cinco anos na América Latina, região que ainda representa bem pouco do negócio como um todo, com vendas anuais de aproximadamente 80 milhões de euros.

Por enquanto, as ambições ainda não chegam ao mercado de biocombustíveis, mas estão principalmente ligadas a cosméticos e lubrificantes — a Oleon é especializada na produção de óleos a partir de materiais naturais, como sementes e gordura animal, com presença nesse mercado desde a década de 1950. 

A empresa tem um trabalho bastante próximo com os clientes na Europa, desenvolvendo produtos tailor made para as soluções que precisam. É um pouco dessa cultura que a Oleon planeja trazer para o Brasil, junto com esforços de pesquisa e desenvolvimento e o foco em agricultura regenerativa.

“Não estamos aqui para fazer um jogo de preços baixos e ganhar volume, mas sim oferecer produtos de qualidade”, garantiu o CEO da Olean.

A família Morales seguirá à frente do negócio no Brasil, que possui uma capacidade produtiva de 180 toneladas de óleo por dia. Mas ganhará um reforço de governança e administrativo da multinacional. A família segue como acionista minoritária.

Um desafio nada desprezível

Disseminar cada vez mais o óleo de mamona depende de superar um desafio fundamental: a produção do fruto. Hoje, a mamona é cultivada principalmente pela agricultura familiar, abrangendo de 8 mil a 10 mil famílias, localizadas principalmente na região de Irecê (BA). São fazendas de, em média, 15 a 20 hectares, que respondem por 80% da safra anual de mamona no País — o restante vem dos produtores de soja no cultivo da segunda safra.

A falta de interesse dos agricultores pode ter alguma relação com o vaivém da cultura no Brasil. Nas últimas décadas, a mamona passou por um ciclo de auge e ostracismo. Foi impulsionada por iniciativas direcionadas, como o programa nacional do biodiesel, mas acabou sendo deixada de lado por fatores como o câmbio e a mecanização da produção. Perdeu o protagonismo global na produção para a Índia, atual líder mundial.

A falta de tecnologia no campo é outro entrave. “Esse é um trabalho social, antes de tudo. O grande desafio da indústria é desenvolver uma máquina que esse agricultor possa colher o grão de forma rápida e eficiente, rentável, para que ele continue ali, sob pena de essa agricultura familiar desaparecer”, disse Andrés Morales, diretor geral da A. Azevedo Óleos.

A indústria comercializa o óleo de mamona entre R$ 10 a R$ 12 o quilo, com o maior custo de produção atrelado à aquisição do grão, de aproximadamente R$ 4 por quilo. Em média, ao longo de um dia, o produtor colhe cerca de 200 quilos. A safra de mamona acontece duas vezes no ano: de fevereiro a maio e de julho a outubro. 

A produção nacional deve atingir cerca de 108 mil toneladas na safra 2024/25, recuperando-se depois de uma safra difícil devido ao calor excessivo e à seca. Em 2023/24, a colheita foi de 81 mil toneladas. 

“Para o óleo de mamona se tornar uma matéria-prima economicamente viável para o SAF, por exemplo, a parte agrícola vai ter de se desenvolver muito. Avançar, reduzir custos, ampliar escala”, resume Morales, citando até mesmo o desafio do trabalho com o farelo de mamona.

Na visão do executivo, é um trabalho para os próximos cinco a dez anos, diante da diversidade de usos que têm aparecido para o óleo de mamona. “Nos últimos três anos, vimos um aumento significativo na linha de adesivos, principalmente para a indústria alimentícia. A matéria-prima disso tem mudado do petróleo para produtos de base vegetal”, exemplifica.

Os diversos usos

Esse produto antigo — especula-se que tenha sido usado para abastecer lamparinas no antigo Egito — ganhou usos variados com o tempo. No Brasil, foi inicialmente usado na fabricação de sabão. Ao longo dos anos, conforme a indústria química se desenvolveu, ganhou cada vez mais finalidades, passando por cosméticos, nutrição animal, medicamentos, adesivos e tintas. 

O produto já consegue substituir derivados de petróleo nas cadeias de produção de plásticos. Todas as chuteiras da última copa do mundo tinham óleo de mamona em sua composição, segundo Morales. 

Nos últimos anos, indústrias têm estudado o potencial do uso do óleo de mamona como biocombustível e os seus efeitos para a agricultura regenerativa. Neste mês, uma parceria da Eni Italian Fuels adquiriu a Kaiima, startup brasileira especializada em sementes de mamona, de olho no potencial que a semente pode trazer para biocombustíveis. 

Dentro de casa, a A. Azevedo Óleos firmou neste ano uma parceria com a Bunge para estudos relacionados à pegada de carbono da mamona, visando o potencial de prêmio que o óleo de mamona pode ter na Europa. 

O interesse vem do resultado de um trabalho de dez anos feito pela companhia brasileira para fomentar o cultivo da fruta no Brasil, principalmente em áreas marginais, onde não há uma segunda safra depois do plantio de soja. “Temos apenas pequenas empresas dentro desse projeto. Ainda há um longo caminho a percorrer”, afirma Morales.