Gastronomia

Como este italiano quer conquistar um mercado dominado pelo azeite português

Filippo Berio, marca centenária italiana, chegou ao Brasil há apenas quatro anos e já almeja a liderança — agora também com um azeite premium

Fazenda da Filipo Berio na Itália, produtora de azeites | Crédito: Divulgação
A Villa Filippo Berio, na região da Toscana, é um centro de pesquisa da marca, com 55 hectares e 22.500 oliveiras | Crédito: Divulgação

Um jantar no charmoso restaurante Temperani Cucina, do chef italiano Antonio Maiolica, busca resgatar as raízes da cozinha italiana no Itaim Bibi, bairro que concentra boa parte dos melhores restaurante de São Paulo.

Comida pouco complexa, sem excesso de ingredientes, mas que vem carregada de sabor. Entre pastas e carnes, no último mês, convidados puderam conhecer um item de fora do menu, mas que faz todo o sentido com o cardápio da casa: um azeite produzido na Toscana, previsto para chegar ao Brasil somente no ano que vem.

Com um sabor mais intenso do que as marcas mais disseminadas no País trazem, o produto não é, certamente, um item para ser usado no dia a dia. Mais encorpado, vai bem com pratos de sabor mais intenso. Talvez não seja o azeite para colocar na salada, mas sim para carnes ou pratos mais picantes. 

A dona do produto é a Filippo Berio, empresa fundada há 150 anos na Itália que busca trazer para o Brasil uma diversidade maior de sabores do óleo produzido a partir das azeitonas.

Com tradição de sobra — a empresa mantém um mesmo blend em todos os países nos quais está presente — a italiana começou sua incursão pelo exterior há muitos anos na América do Norte e só mais recentemente chegou ao Brasil, motivada pelo ganho de protagonismo do país no consumo de azeite.

Em terras tupiniquins, se surpreendeu com o que encontrou ao desembarcar, há quatro anos. “No mundo, quando se fala de azeite, se lembra de Itália e da Espanha. No Brasil, até se fala da Espanha, mas os portugueses fizeram um mega trabalho, mesmo tendo uma produção muito menor do que a da Itália”, diz Leonardo Scandola, diretor comercial da Filippo Berio, ao The AgriBiz. “Encontramos até alguma resistência dos varejistas com o azeite italiano, inicialmente”, pontua.

A marca chegou ao País com um produto de entrada, que pode ser encontrado em supermercados em todos os estados. Com um sabor menos intenso, o azeite é vendido a valores que variam de R$ 39,99 a R$ 61,90, como mostra uma rápida pesquisa na internet. De 2019 a 2023, foi esse produto que permitiu à companhia triplicar de receita, firmando-se como a primeira marca italiana de azeite no Brasil. 

O sonho grande é, claro, o da liderança na categoria como um todo. “Somos uma empresa sonhadora por DNA. Onde chegamos, é para virar referência. Claro, sabemos que temos concorrentes ótimos no Brasil, mas é um trabalho para as próximas décadas”, diz Scandola. 

O track record da companhia traz confiança. Nos últimos 10 anos, a companhia italiana passou de desconhecida na Rússia para líder de mercado, com cerca de 25% do mercado. O mesmo aconteceu em outros países, como Estados Unidos e Reino Unido, nos últimos anos. 

Arte azeite

A companhia não divulga os dados de receita por país. Globalmente, a Filippo Berio faturou 518 milhões de euros em 2023 (R$ 3,2 bilhões), aumento de 5% em relação a 2022, com mais de 105 milhões de litros vendidos.

“Nosso desejo não é ser uma marca para poucos, mas criar dentro do portfólio azeites para todos os bolsos, do dia a dia até quem procura uma experiência de consumo”, resume Scandola.

Com um produto mais ‘comoditizado’ já sendo vendido no Brasil, a companhia foca, no próximo ano, em aprimorar a experiência de consumo do azeite com produtos mais sofisticados.

O papel da Itália no azeite premium

Numa aproximação com o vinho, a Filippo Berio quer, cada vez mais, trazer produtos com diferentes características para o mercado brasileiro. São três critérios analisados para esse produto: frutado, amargor e picância. 

Ao contrário de outros produtos premium, como o próprio vinho, o azeite conta com pouca intervenção humana no processo de produção. As azeitonas são prensadas a frio, sem químicos, para preservar ao máximo as qualidades do que foi produzido. Isso reforça a importância da região e das características da fruta em cada local.

A Itália é, hoje, um polo de produção de azeite certificado em qualidade. O país tem a liderança em azeite extravirgem de origem protegida com os selos DOP e IGP da União Europeia — selos de origem similares ao de Champagne, na França, para garantir que somente os azeites produzidos na Sicília ou na Toscana sejam chamados como tal. Hoje, a Itália tem 50 azeites certificados de diferentes regiões do país.

“Nossa ideia é justamente oferecer um pouco de todas as regiões. O azeite siciliano, por exemplo, que vem de uma região com clima muito quente, seco, e que se reflete num sabor muito mais carregado no produto final. Já a Toscana, que fica no centro-norte, tem um azeite com mais frescor, uma nota mais frutada”, explica Scandola.

Essa linha nasce, portanto, para quem quer um azeite 100% italiano ou uma seleção especial, sazonal e de edição limitada. 

Refletindo essa qualidade mais premium do azeite local, o azeite italiano é até mesmo mais caro do que os demais. “Hoje, no mundo B2B, se uma indústria fosse comprar um azeite da Espanha, custa 7,80 euros por quilo, enquanto o italiano custa 9,25 euros por quilo”, explica Scandola. Hoje, há duas bolsas de valores do azeite, a Pool Red, na Espanha, e a Granaria, na Itália.

Mas isso não significa que a Filippo Berio trabalhe só com azeite italiano. “O que cria sucesso é saber escolher e misturar um padrão que depois o consumidor reconheça um tipo de sabor ao longo do ano inteiro, mesmo com a safra sendo colhida apenas no início do ano”, diz Scandola. 

Como o azeite é produzido

O processo de produção de azeite é mais ou menos assim: os fazendeiros cultivam oliveira, colhem as olivas e fazem os azeites. Depois, os vendem para as indústrias. São firmadas relações de longo prazo, em que cada indústria elege o seu próprio padrão.

A safra é colhida de novembro a janeiro pelos fazendeiros e, no restante do ano, é estocada e misturada até a próxima safra, com o pico de compras acontecendo no início do ano. 

Na cesta de compras, estão azeites italianos, gregos, espanhóis e portugueses (o Brasil tem uma produção ínfima de azeite, inferior a 1% da produção global). Ao longo do ano, a empresa acaba mudando o mix, mas sempre buscando as mesmas características. “O consumidor não procura pela origem, mas pelo padrão de sabor”, diz Scandola.

Manter esse blend nos últimos dois anos, que tiveram safras ruins, foi um desafio para a companhia. Ao escolher manter o blend que caracteriza o sabor da Filippo Berio em meio à escalada de preços do azeite, a companhia viu suas margens comprimirem no último ano, inclusive no Brasil.

“A gente percebeu uma tendência global de vários formatos novos surgirem. Tradicionalmente, o azeite é vendido no formato de 500ml, mas vimos aparecer 450ml, 375ml, um ponto que acreditamos que cria confusão no consumidor. Nunca quisemos fazer isso, sacrificamos nossa margem com mais promoções, por exemplo”, afirma Scandola.

A perspectiva para as próximas safras, no entanto, é de otimismo. Com o aumento da produção nos principais países produtores, a Filippo Berio estima uma queda nos preços do azeite no supermercado — ainda que haja um eventual descasamento de prazos, dada a formação de estoques no varejo. 

De todo modo, 2025 deve ser um ano promissor, estima o executivo, capaz de colocar a companhia de volta a uma trajetória de crescimento acelerado depois de dois anos de uma expansão mais tímida em todo o País, estima Scandola. A missão de provar que azeite pode ser italiano segue viva, firme e forte dentro da companhia.