No extremo sul de São Paulo, uma família garante seu sustento a partir da agricultura familiar. Em Parelheiros, o Recanto Magini, fundado por Júnior Magini e sua mãe, Elizabeth de Sá, conserva mais de 1.000 pés de cambuci e outros tantos de uvaia, árvores típicas da Mata Atlântica. A partir desses frutos, fabrica licores e cachaças, com os quais garante um faturamento de R$ 6.500 mensais. Nos últimos meses, o negócio da família ganhou um empurrãozinho para crescer.
A família foi uma das selecionadas pela iniciativa Acelerando Hortas, criada pela AdeSampa (Agência de Desenvolvimento de São Paulo) para fomentar negócios de agricultura na capital paulista. Os selecionados têm acesso a um fomento de R$ 30 mil, além do acompanhamento de diferentes técnicos durante oito meses.
“Esse recurso vai ser investido em infraestrutura para melhorar nossa indústria, já que precisamos congelar as frutas e se trata de um armazenamento caro”, diz Magini. Parte do dinheiro será destinada à compra de mais equipamentos para melhorar e aumentar a produção, além de melhorias na estrutura da cozinha.
Hoje, os produtos do Recanto Magini são vendidos principalmente em feiras livres e eventos dos quais a família participa, mas o agricultor já trabalha para expandir esse público-alvo. A empresa está em fase de documentação e de obtenção de selos para realizar o sonho de exportar os produtos, livres de conservantes.
O dinheiro vem de um orçamento específico destinado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da cidade, órgão ao qual a Ade Sampa é subordinada. Os montantes, entretanto, não são repassados diretamente aos agricultores, mas são convertidos em máquinas e equipamentos necessários ao desenvolvimento de cada negócio — pontos definidos a partir de visitas técnicas realizadas em cada instalação.
Em sua segunda edição, recém-iniciada, o programa selecionou 33 iniciativas de agricultura em São Paulo (incluindo 13 hortas escolares). Na primeira edição, em 2022, foram 17 projetos selecionados. Até aqui, já foi destinado mais de R$ 1 milhão em investimentos para as famílias e escolas — e uma nova edição do programa deve sair em 2025, no final do primeiro trimestre.
“Entre os produtores que já participaram da iniciativa, 75% tiveram uma evolução significativa na gestão financeira e mais de 70% mudaram os processos produtivos para técnicas de baixo impacto ambiental. Quase metade dos locais selecionados na primeira edição dobrou a capacidade de produção”, diz Ricardo Rodrigues, gerente de cadeias produtivas da Ade Sampa.
Nas estimativas da agência, cerca de 12 mil pessoas foram impactadas com a primeira edição do projeto, considerando quem participou diretamente (técnicos), quanto o entorno dessas regiões, que passou a conhecer melhor os produtores — e consequentemente aumentou o consumo dos produtos locais.
“A presença dessa agricultura familiar contribui para minimizar os impactos do crescimento desordenado e da urbanização. Hoje, a zona sul concentra a maior parte da zona rural da cidade demarcada pelo plano diretor e, com iniciativas como essa, conseguimos agregar valor para os produtores que vivem ali, colaborando para manter a floresta de pé”, ressalta Rodrigues.
A agricultura em São Paulo
Hoje, 28% do território da capital paulista é marcado como zona rural pelo plano diretor da cidade. Desse total, a maior parte (22%) fica na zona sul — em territórios no Campo Limpo, M’Boi Mirim, Cidade Ademar, Capela do Socorro e Parelheiros, principalmente —, com o restante ficando na Zona Norte, próxima à região de Perus (4,7%) e 1% na zona leste. Cerca de 69% das unidades produtivas na cidade têm áreas inferiores a 20 mil metros quadrados.
Preservar essas áreas depende diretamente de capacitação e de recursos aos agricultores. Dados do Plano Municipal de Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável apontavam que, em 2019, das 427 unidades produtivas cadastradas na capital paulista, 41% exerciam outra atividade para complementar a renda familiar e 54% tinham uma renda bruta inferior a R$ 1.000 por mês. Apenas 4% dos entrevistados tinham uma renda superior a R$ 10 mil.
Com a renda escassa, a atração de jovens se torna um desafio. Ainda segundo os dados de 2019, 40% dos agricultores entrevistados tinham entre 45 a 49 anos, um terço tinha mais de 60 anos e apenas 3% tinham entre 16 e 24 anos. Mais da metade (65%) usa mão de obra exclusivamente familiar para se manter.
Diante desse cenário — em uma cidade de proporções gigantescas como São Paulo — os efeitos do crescimento desordenado da capital começaram a ficar evidentes ao longo da última década. Em imagens de satélite, é possível ver quanto as florestas diminuíram na zona sul, por exemplo.
De olho no futuro
Para mudar esse cenário ao longo dos próximos anos, a Ade Sampa trabalha com uma série de iniciativas de monitoramento e acompanhamento dos agricultores. Um desses projetos, chamado Semeando Negócios, ajuda os produtores com a parte regulatória, revisando ou cadastrando documentos para que estejam em dia com o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Além disso, fornece apoio para que os produtores possam ter acesso a outros programas da prefeitura, como o Programa de Pagamentos para os Serviços Ambientais. Dentro desse eixo, são atendidas hoje 250 unidades produtivas.
Além disso, a agência também presta uma espécie de consultoria aos produtores, capacitando-os a respeito de temas como adubação verde, correções do solo e uso de recursos naturais e fornece a eles a distribuição de insumos. Essa frente é chamada de Sampa Mais Rural, e é tocada em três pontos físicos em São Paulo.
Dentro dessa vertical, já foram mapeadas mais de 780 unidades produtivas agrícolas em São Paulo, que podem ser consultados por meio de um site. “Os produtores entram em contato conosco tanto pelo site quanto pelo monitoramento ativo que nossos técnicos fazem nas principais regiões de agricultura da cidade”, explica Rodrigues.
Uma das produtoras atendidas por esses serviços de mapeamento e acompanhamento dos produtores é Yumi Murakami, da Murakami Orgânicos, também de Parelheiros, cuja família está há quatro gerações trabalhando na plantação de banana orgânica.
“Nós contamos muito com alguns projetos de ajuda de mão-de-obra na lavoura, fornecidos pela Ade Sampa. Eles já até nos ofereceram alguns projetos para adaptar nossa plantação para o ecoturismo. Mas, como fazemos todas as feiras orgânicas de São Paulo, ainda não deu tempo”, conta a agricultora.