O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia foi anunciado oficialmente na última sexta-feira (6/12), após a reunião dos líderes dos blocos na cúpula do Mercosul em Montevidéu, no Uruguai. Seu objetivo é o de reduzir ou zerar as tarifas de importação e exportação entre os dois blocos.
As negociações começaram em 1999. Cinco anos depois do primeiro compromisso, a medida não havia saído do papel por pressão dos europeus. Parte dos países da UE, em especial a França, não é favorável a uma abertura de mercado que beneficie competidores do Mercosul.
Um termo preliminar chegou a ser assinado em 2019, mas, desde então, o texto passou por revisões e exigências adicionais, principalmente por parte da União Europeia, devido à pressão imposta, destacadamente, por agricultores dos países-membros. As conversas foram retomadas nos últimos meses a pedido da Comissão Europeia, que determina a política comercial para toda a UE.
Agora, a assinatura do acordo só acontece depois que os textos passarem por uma revisão jurídica e de serem traduzidos para os idiomas oficiais dos países envolvidos, mas o anúncio significa que as negociações entre os dois blocos estão encerradas.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou que os padrões de saúde e alimentos da União Europeia permanecerão “intocáveis” e que os exportadores do Mercosul deverão cumpri-los “rigorosamente”.
A preocupação dos europeus, de acordo com a declaração, parece ser com os produtos proveniente dos países “pobrinhos”, que potencialmente não atenderiam aos padrões do primeiro mundo.
Outra figura que andou mandando esse recado foi o Carrefour por meio de seu CEO global, Alexandre Bonpard, que em novembro declarou que não mais compraria carne do Mercosul sob o “risco de transbordar no mercado francês de uma produção de carne que não respeita suas exigências e padrões”.
Vá entender por que o Brasil se tornou o maior exportador de carne bovina do mundo, já que, na versão eurocentrista, o País andaria vendendo carne inadequada por aí, não é mesmo?
Com um dos serviços de inspeção mais rigorosos do mundo – talvez o mais rigoroso, digo por experiência própria visitando plantas frigoríficas mundo afora -, o Brasil é exemplo no que diz respeito a normas sanitárias. Foi exatamente esse um dos pontos que levou o País à liderança nas exportações – e à posição de terror dos países subsidiadores.
Além disso, a padronização do rebanho abatido tem melhorado a cada ano e a última década foi uma verdadeira aula de como produzir com tecnologia e em harmonia com o meio ambiente.
Tema esse, aliás, que também preocupa os europeus. Por lá, a mensagem é a de que não respeitamos nossas florestas e, através de leis comerciais, eles querem nos dizer como preservar o que eles mesmos, em seu próprio território, não preservaram.
É daí que surgiu a ideia do “desmatamento zero”, que se sobrepõe ao nosso próprio código florestal, em clara ofensa à soberania nacional. Ele está constante no acordo, por sinal, dado que só poderemos enviar produtos agropecuários de estabelecimentos que não tenham desmatado a partir de 2021 – mesmo que o desmatamento tenha ocorrido dentro dos ditames legais do Código Florestal Brasileiro.
É importante lembrar que o Brasil possui 67% de seu território com cobertura natural, a Amazônia possui 87% e o Amazonas, impressionantes 95%.
O subsídio europeu
A União Europeia é o bloco que mais despende dinheiro com subsídios agropecuários, com destaque para a França, que injetou algo em torno de R$ 262 bilhões em sua agricultura entre 2015 e 2021, levando 18% do total que o bloco despendeu aos seus produtores. Não por coincidência, os que mais esperneiam são justamente os produtores franceses.
Os europeus gastaram mais de € 414 milhões com a carne bovina brasileira em 2023, mas o volume do produto enviado para lá representou apenas 4% das exportações totais brasileiras. Há a perspectiva de que, uma vez finalizado o acordo e reduzidas as tarifas, o faturamento possa saltar para mais de € 1 bilhão até 2030.
Os franceses, em especial, não conhecem o conceito de “reserva legal” e área de preservação permanente (APP), que nossos produtores mantêm protegidas por suas próprias expensas e responsabilização em aproximadamente 50% de suas áreas privadas (20% na mata atlântica, 35% nos cerrados e 80% no bioma amazônico). Ao contrário, jogam estrume em prédios públicos quando lhes é pedido que reservem 4% de suas áreas para a prática de pousio (um “descanso” para a terra, que seria obrigatório a partir da aprovação dessa lei).
E considerando que temos (muito) mais reservas florestais, que temos um clima que permite até três safras por ano, que temos tecnologia de ponta para tirar o máximo com o mínimo, que exportamos para o mundo todo alimentos seguros e que, tudo isso dito, somos extremamente competitivos usando apenas 30% do nosso território para a produção agropecuária, não é de se espantar que isso assuste a uma classe que, apesar de compartilhar problemas semelhantes, muitas vezes, é altamente dependente de dinheiro do Estado.
O que não é justificável e absolutamente desleal é se utilizar de uma falsa virtude para atacar injustamente um país que luta de forma honesta para produzir alimentos de forma cada vez mais eficiente e preservacionista.
Isso ficou muito claro quando, em resposta ao comunicado de Bonpard, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento se uniu às associações de classe e à indústria frigorífica brasileira para responder ao Carrefour que, se a carne brasileira não era boa para o Carrefour francês, também não era boa para o Carrefour brasileiro. E suspenderam seu fornecimento até levar a uma carta de desculpas do CEO global da multinacional. No ano passado, o grupo faturou € 21,4 bilhões no Brasil, quase um quarto das vendas totais, que somaram € 92,6 bilhões.
E, se exportamos mais de € 414 milhões em carne bovina com tarifas e mentiras, imaginem dentro do acordo comercial que está para sair e com um selo justo de qualidade e sustentabilidade?
Como se diz popularmente, “o rei está nu”. Nada tem a ver com a saúde dos franceses ou com o meio ambiente. É protecionismo puro. Só falta o mundo admitir que foi tudo por pura picaretagem.
No jogo limpo, não tem pra ninguém.