A incrível rentabilidade de gigantes do frango como BRF e Seara pode estar mais próxima do fim do que o consenso de mercado imagina. O próximo ano até deve ser relativamente bom, mas as margens serão menores, afirmam os analistas Thiago Duarte e Guilherme Guttilla, do BTG Pactual.
Em um relatório com insights sobre o mercado global de proteína animal, os analistas do BTG contestaram a visão hegemônica que muitos investidores têm sobre o ritmo da demanda por carne de frango.
Em geral, acredita-se (com alguma dose de razão) que um aumento dos preços da carne bovina provoca um efeito de substituição, ampliando o consumo de carne de frango.
Com as restrições a caminho na oferta de gado nos Estados Unidos e no Brasil em 2025, parecia natural apostar na continuidade do excepcional ciclo da indústria do frango globalmente.
O problema é que essa substituição de consumo não é ilimitada. No fim das contas, o orçamento disponível é que dita o ritmo globalmente. Na prática, há um limiar a partir do qual o consumo agregado de proteína não aguenta.
Historicamente, o gasto global com proteína animal (carne bovina, de frango e suína) representa 0,8% do PIB, em média. Alguma oscilação nesse patamar pode ocorrer, mas dificilmente isso muda radicalmente.
Neste momento, as projeções já indicam uma queda nos preços da carne de frango em 2025, escreveram os analistas do BTG, sustentando os argumentos nas projeções de consumo e oferta do Departamento de Agricultura dos EUA e da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
“A carne bovina vai absorver uma fatia maior do orçamento disponível para proteínas”, disseram os analistas.
Pelas projeções, o volume de carne bovina vai cair 1% no próximo ano, mas os preços subirão 6%. Com isso, a proporção da carne bovina nos gastos vai passar de 37,5% para 39,3%, reduzindo o orçamento disponível para o frango de 22,9% para 22%.
Considerando que o volume de frango vai crescer, só há uma solução possível para fechar a equação: os preços vão cair, escreve o BTG. Com os preços da carne de frango mais baixos e grãos estáveis ou ligeiramente mais caros, a margem dos produtores de aves também caíra. A velocidade dessa queda, no entanto, ainda é desconhecida.
“Não é incomum que a direção dos preços de carne bovina e carne de frango divirjam. Acreditamos que esse vai ser o caso novamente”, ressaltaram os analistas.
Para reforçar o argumento, Duarte e Gutilla lembraram do que aconteceu com o consumo de proteína durante a epidemia de peste suína africana na China, que dizimou o plantel do país asiático e reduziu a oferta disponível.
Entre 2018 e 2020, a produção global de carne suína caiu 15% (16 milhões de toneladas), saindo de 112 milhões de toneladas para 96 milhões de toneladas.
“Essa perda levantou uma questão. As outras proteínas, como frango e carne bovina, supriram esse déficit completamente? A resposta é não”, recordam os analistas. Até houve algum efeito de substituição, mas o volume global de todas as proteínas caiu 9 milhões de toneladas nesse período.
Nesse processo, o gasto com proteína como proporção do PIB global ficou praticamente intacto (entre 0,7% e 0,8%), demonstrando os limites orçamentários.
“Disfunções em uma única categoria de proteína não necessariamente se traduzem em ganhos proporcionais para as outras”, disseram os analistas.
Ao que tudo indica, o bolso do consumidor vai limitar a festa do frango, acreditam os analistas. “As margens recordes não são para sempre”, destacou o BTG.
Não por coincidência, o banco mantém recomendação neutra para as ações da BRF. A JBS, mais diversificada, é o único buy dos analistas do universo de proteínas.
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As proteínas são as calorias mais caras em uma dieta. Não à toa, seu consumo responde ao aumento de renda. Para se ter uma ideia de como os preços importam, basta uma comparação: o açúcar (uma caloria de pior qualidade) custa menos de US$ 1 por quilo globalmente, enquanto as proteínas custam, em média, US$ 2,9 por quilo.