A agropecuária ficou fora do mercado regulado de carbono. Mas, como a cadeia é longa e vai muito além do que está dentro da porteira, o agronegócio tem muito a ver com a lei sancionada nesta quinta-feira.
Em linhas gerais, a lei que cria o mercado regulado de carbono (Lei nº 15.042) coloca um preço nas emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global, viabilizando a compensação entre países, indústrias e empresas.
“O agro primário está fora. A produção rural não entra, mas tudo que está antes ou depois está dentro (do mercado regulado). Uma agroindústria, uma cooperativa, uma usina de etanol, um frigorífico”, explica Eduardo Bastos, diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e presidente da Câmara AgroCarbono do Ministério da Agricultura.
A lei estabelece o mercado regulado de títulos, denominado Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que deve ser implantado de forma gradativa em seis anos, permitindo a negociação de Cotas Brasileiras de Emissão (CBE) e de Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE).
Previsto no Acordo de Paris sobre as Mudanças Climáticas, assinado na COP-15, o mercado de carbono é o famoso artigo 6, que estipula que países e empresas negociem créditos de carbono para atingir as metas nacionais de redução das emissões (NDCs, na sigla em inglês) fixadas no acordo.
O que diz a lei
A nova lei determina limites de emissões. Quem emite até 10 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2eq) por ano está fora do mercado regulado. Acima desta quantia, será necessário enviar um plano de monitoramento das emissões ao gestor do sistema. Já as empresas que superam a marca de 25 mil toneladas de CO2eq emitidas por ano, além de reportar ao gestor, vão ter que enviar um relatório de conciliação.
“Uma indústria de papel e celulose emite mais que que 25 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente, mas é carbono negativa, ou seja, sequestra mais CO2 do que emite. O governo vai precisar dar uma permissão para ela vender o excedente. Esta permissão é a Cota Brasileira de Emissões (CBE)”, explica Bastos.
Segundo essa linha, agroindústrias que sequestram mais carbono do que emitem, o que pode ser o caso de algumas empresas do setor de bioenergia, por exemplo, também poderiam vender seus excedentes.
Em contrapartida, há setores altamente poluentes, como as indústrias química e de cimento, que vão precisar reduzir as emissões dentro de casa com Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). No entanto, independente do CVRE, essas empresas vão continuar emitindo e precisarão comprar a CBE, cota de emissão de 1 tonelada de gás carbônico.
A lei brasileira do mercado regulado de carbono segue a do modelo europeu, que começou a ser implementada em 2003 voltada ao setor de energia. “No Brasil serão seis anos para adaptação plena”, diz o diretor executivo da Abag.
A previsão é que o decreto seja escrito no próximo ano, especificando para quem as empresas deverão reportar o balanço das emissões. Será para Ibama, Cetesb, Sema (secretaria do meio ambiente) no Mato Grosso? Como a autoridade climática irá conciliar isso? O que vai acontecer com a empresa que não enviar? Será multada? Terá a licença cassada? Todos esses detalhes, bem como as etapas de implementação, deverão estar esmiuçados no decreto.
Meta ambiciosa
Na COP-29, o governo brasileiro apresentou uma nova meta climática alinhada à missão de limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC em relação ao período pré-industrial. A segunda Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) estabelece o compromisso de reduzir as emissões líquidas de gases do efeito estufa de 59% a 67% até 2035, tendo como ano base 2005. Isso equivale a uma redução de emissões entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de CO2eq até 2035.
“Não estou dizendo que o Brasil não tem condição de cumprir, mas é uma meta ambiciosa. O que vai determinar se o País vai ou não atingir essa meta é o desmatamento. O Brasil precisa cessar imediatamente o desmatamento, sobretudo o ilegal”, diz Carlos Eduardo Cerri, professor da Esalq (USP – Piracicaba) e Diretor do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon).
De acordo com os dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SEEG), uma iniciativa do Observatório do Clima (OC), as emissões relacionadas ao desmatamento correspondem a 46% das emissões totais brasileiras. “Não é mais uma questão política, é uma questão de polícia, já que desmatamento ilegal é crime”, diz Cerri.
A comida na berlinda
Grande referência em estudos sobre carbono no Brasil, Cerri esteve em Baku, no Azerbaijão, e argumentou com Mukhtar Babayev, presidente da COP-29, sobre o pronunciamento de abertura da conferência, que deixou de lado os combustíveis fósseis. Ele também criticou a publicação (abaixo) postada nas redes sociais da conferência.
O post dizia, em tradução livre: “A produção alimentar é o principal driver das mudanças climáticas, gerando mais emissões de gases do efeito estufa do que todas as formas de transportes combinadas. A produção de carne lidera a contribuição, mas o uso de terras também tem um papel significativo. Novas áreas agrícolas geralmente envolvem desmatamento, reduzindo a capacidade do planeta para absorver CO2, o que agrava as mudanças climáticas”.
“É uma irresponsabilidade tremenda, um lobby gigante da indústria de combustíveis fósseis, uma cortina de fumaça para desviar o foco”, diz Cerri. Ele tem razão: quase 90% das emissões de gases do efeito estufa no mundo vem da queima de combustíveis fósseis. “Precisamos contrapor, afinal tem substituição para combustíveis fósseis, mas como substituir o alimento?”, indaga.
Para rebater informações falsas, Cerri coordenou a elaboração do artigo científico “Sequestro de carbono em solos vivos nas Américas”, escrito em parceria com outros nove pesquisadores e publicado recentemente na revista “Frontier in Sustainable Food Systems”.
Feito a partir da revisão literária de 13 mil artigos, o documento estima que em torno de 30% (334 milhões de hectares) da área agrícola das Américas (Norte, Central e Sul) está em algum grau de degradação.
“Se nessas áreas forem adotadas três práticas de agricultura regenerativa (recuperação de pastagens, plantio direto e sistemas integrados), o solo pode sequestrar 13,1 bilhões de toneladas de CO2eq em 20 anos, o equivalente a neutralizar 39% das emissões de gases do efeito estufa das Américas no mesmo período”, explica o professor.
Ciência, a melhor resposta
Além da contribuição para a redução nas emissões de gases poluentes, a agricultura regenerativa também é capaz de melhorar os resultados dos agricultores. Experimentos de longa duração da Embrapa com soja no Cerrado e no Rio Grande do Sul, em que prevalecem o plantio direto, a intensificação e diversificação culturas, comprovaram isso.
Durante a 3ª edição o Carbon Science Talks, evento organizado pela Bayer no final de novembro em Campinas (SP), Cimélio Bayer, professor de solos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), falou desses experimentos. Em três anos com agricultura regenerativa, houve um aumento de produtividade de 14% (+16 sacas de soja), porcentagem que subiu para 34% (+ 24 sacas de soja) em 13 anos, segundo dados apresentados pelo professor.
“As melhorias não acontecem de um dia para o outro. Em três anos, só tem a palhada, que reduz a evaporação da água. Com 13 anos, além da palhada, você tem a melhoria do perfil de solo”, explica o professor.
O CEO da Bayer no Brasil, Marcio Santos, destacou, durante o evento, o esforço da multinacional em divulgar essas informações. “O nosso papel é levar este conhecimento ao agricultor”, afirmou.
Há quatro anos, a Bayer vem coordenando o Pro Carbono, uma iniciativa que une produtores (54 no Brasil) e instituições como Embrapa, CCarbon Universidades para discutir ferramentas e construir coletivamente soluções para uma agricultura cada vez mais de baixo carbono.
“Ano que vem tem a COP-30 aqui e o agro está no centro disso, porque grande parte das metas tem a ver com transição energética. O Brasil está numa posição confortável, porque pode fazer isso mantendo a segurança alimentar”, finaliza Santos.