Opinião

Como a contribuição especial de grãos do Maranhão viola a reforma tributária

Criatividade do Estado para burlar compromisso assumido com a reforma levanta dúvidas se efetivamente haverá diminuição do contencioso tributário nos próximos anos

O Estado do Maranhão tem usado da criatividade para burlar o compromisso assumido com a reforma tributária, inclusive trazendo à tona a dúvida se efetivamente haverá diminuição do contencioso tributário nos próximos anos.

Em 2023, o Maranhão instituiu a Taxa de Fiscalização de Transporte de Grãos (TFTG), por meio da Lei Estadual nº 11.867/2022 e do Decreto nº 38.214/2023. O Estado passou a determinar que toda pessoa física ou jurídica que realizasse saída interna, interestadual ou com destino à exportação de soja, milho, milheto ou sorgo em grãos deveria recolher o correspondente a alíquota de 1% sobre o valor da tonelada de grãos transportada no Maranhão.

A TFTG é uma das fontes de receita do Fundo Estadual para Rodovias do Estado do Maranhão (FEPRO), que tem por objetivo financiar o planejamento, a construção, a ampliação, a recuperação e a manutenção de rodovias estaduais, conforme disciplina no artigo 36 da lei estadual.

Essa taxa — que tem como fato gerador o poder de polícia referente à fiscalização de transporte de soja, milho, milheto e sorgo em grãos no território maranhense — está em discussão no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e no Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.407. A Adin questiona os seguintes pontos:

(i) a TFTG possui a mesma base de cálculo e fato gerador do ICMS, isto é, o valor da operação interna, interestadual ou com destino à exportação de grãos de soja, milho, milheto ou sorgo — o que viola expressamente a Constituição Federal;
(ii) a TFTG não possui natureza jurídica de uma taxa, pois está desvinculada de qualquer atuação estatal já que visa financiar o FEPRO (e não a atuação estatal);
(iii) a TFTG viola o art. 155, § 2º, X, “a”, da Constituição que tornou imune o ICMS sobre as operações que destinem mercadorias para o exterior.

Nesse contexto e na tentativa de legitimar a cobrança da taxa de fiscalização do transporte de grãos, o Maranhão publicou a Lei nº 12.428/2024, que a transformou em uma nova cobrança chamada de Contribuição Especial de Grãos (CEG), revogando a TFTG, e que entrará em vigor no final de fevereiro de 2025.

A CEG passará a incidir sobre todas as saídas de soja, milho, milheto e sorgo em grãos com destino à exportação (incluindo operações interestaduais) no estado maranhense.

Pontos de atenção

Apesar da tentativa do Estado do Maranhão de contornar os aspectos questionáveis da TFTG, há também pontos de atenção sobre a CEG.

Em primeiro lugar, percebe-se que a TFTG deixa de ter natureza de taxa e passa a ser uma contribuição — o que implicaria em tratamento tributário distinto, uma vez que são espécies tributárias diferentes.

Nesse ponto, nos termos da nova lei, o alicerce constitucional que supostamente garantiria ao Estado do Maranhão competência tributária para instituir uma contribuição seria o artigo 136 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), incluído pela Reforma Tributária (Emenda Constitucional nº 132/2023).

O referido dispositivo constitucional foi inserido pela reforma “ao apagar das luzes” pelos legisladores para permitir a manutenção de fundos estaduais já existentes destinados a investimentos em obras de infraestrutura e habitação, como Fundersul (MS), Fethab (MT), FET (TO), Fundeinfra (GO), entre outros. Todavia, a CEG é uma contribuição distinta daquelas autorizadas pela Reforma Tributária, pois possui natureza tributária.

Em linhas gerais, o artigo 136 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias traz os requisitos para que os Estados possam cobrar contribuições vinculadas a fundos estaduais após o advento da reforma tributária. São eles:

(i) até 30 de abril de 2023, os fundos destinados a investimentos em obras de infraestrutura e habitação deveriam ser financiados por contribuições;
(ii) o pagamento dessa contribuição deve estar vinculado a alguma espécie de algum benefício fiscal ou, nos termos do próprio dispositivo “[…] como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado […]”
(iii) a nova contribuição não poderá ter base de cálculo ou alíquota superior à contribuição instituída em 30 de abril de 2023.

No caso do Maranhão, à época de 30 de abril de 2023, o tributo vigente era a TFTG que visava financiar o FEPRO, a qual possui natureza jurídica de taxa, como espécie tributária, e não “contribuição” não tributária, como previsto no artigo 136 do ADCT.

Além disso, o pagamento da TFTG não estava atrelado a nenhum benefício fiscal. Pelo contrário, o não pagamento implica na aplicação de multas a penalidades previstas na legislação tributária. E, por fim, a CEG tem percentual de alíquota de 1,8%, superior, portanto, à alíquota da TFTG.

Percebe-se que a CEG violou o artigo 136 do ADCT que somente permitiu a manutenção das contribuições não tributárias exigidas pelos Estados dentro dos requisitos previstos no referido artigo.

Portanto, ao que parece, ao menos em relação ao tema dos fundos estatais e supostos adicionais de ICMS, o Estado do Maranhão parece ignorar as premissas e o compromisso assumido com a reforma tributária, levantando dúvidas sobre como os entes envolvidos irão implementá-la ao longo dos próximos anos e se efetivamente ocorrerá uma redução do contencioso tributário no País.