É a Selic!

A safra será recorde, mas as RJs de produtores estão longe do fim

Para André Pessôa, CEO da Agroconsult, a alta da taxa de juros vai atrapalhar a reorganização financeira de grupos alavancados

Colheita de soja

Para quem acha que a provável safra recorde de soja vai resolver os problemas de liquidez de produtores rurais, André Pessôa, CEO da Agroconsult, traz um alerta: a alta dos juros vai atrapalhar o processo de reorganização financeira de grupos alavancados, resultando em novos casos de recuperação judicial.

“Continuaremos a ver casos de recuperação judicial porque as margens (do produtor) continuam baixas. Tem muita gente que ficou com o problema de 2024 para ser resolvido em 2025, mas não foram criadas condições de mercado suficientes para uma retomada com um agravante: o custo de capital subiu demais”, disse Pessôa em coletiva de imprensa nesta quinta-feira.

Embora a alta do dólar esteja impulsionando os ganhos dos produtores em moeda local, a queda nos preços internacionais não foi compensada na equação de custos, observou o CEO da Agroconsult. Até houve um recuo nos preços dos defensivos e fertilizantes, mas isso não foi suficiente para mudar o panorama das margens dos produtores. “Ela deve ser bem apertada”, disse.

“Para quem está com uma alavancagem muito alta e baixa capacidade de gerar caixa, a situação vai ser complicada. A margem que está sendo gerada não é suficiente para resolver os problemas que já existiam e que foram agravados eventualmente agora pela subida da taxa de juros”, completou.

A razão para os casos de RJ, portanto, será outra — o que pode resultar numa mudança no perfil das recuperações judiciais. No ano passado, os problemas foram mais localizados em Mato Grosso, onde a quebra de safra exacerbou problemas de liquidez de alguns produtores. Como agora a produtividade joga a favor do produtor (em todas as regiões), é possível que os casos mais complexos fiquem mais espalhados entre as diversas regiões do País, já que o problema maior a ser enfrentado pelo produtor é macro: a Selic.

172 milhões de toneladas

Pessôa apresentou nesta quinta-feira, durante coletiva de abertura do Rally da Safra, o crop tour realizado pela Agroconsult, a estimativa da consultoria para a safra 2024/25 de soja: a colheita deve atingir 172,4 milhões de toneladas, com um crescimento de 11% em relação à temporada anterior. Se confirmado, o volume será 6% superior ao recorde anterior, registrado em 2022/23.

A expectativa é de aumento de produtividade em todos os estados, mesmo considerando perdas isoladas que começam a ser verificadas devido à estiagem no sul do Mato Grosso do Sul, oeste do Paraná e sul do Rio Grande do Sul, segundo André Debastiani, coordenador do Rally da Safra. Já em Mato Grosso, o produtor deve ter o melhor rendimento da história (63 sacas por hectare, em média, ante 53 sacas na safra anterior).

O efeito Trump

A safra recorde é do Brasil, mas quem deve continuar mexendo com os preços internacionais da soja é os Estados Unidos. No quadro global de oferta e demanda, não há nada que justifique aumento das cotações. Pelo contrário, tem soja sobrando no mundo, o que sugere preços enfraquecidos. O que pode trazer alguma emoção ao mercado é a situação geopolítica, disse Pessôa.

A partir de segunda-feira, com a posse de Donald Trump em seu retorno à Presidência dos Estados Unidos, o mundo todo aguarda sinais mais claros de como vai ser a nova dinâmica de relacionamento dos americanos com o mundo todo — e, claro, eventuais tarifas.

“Não vemos um impacto muito grande para esta safra, pois boa parte da safra americana já está contratada e os chineses teriam de vir para a América do Sul mesmo. Mas pode ter reflexos no segundo semestre, quando a nova safra dos EUA estiver vindo a mercado. Vai depender do que será anunciado nos próximos dias pela nova administração”, disse.

Outro fator que deve ser acompanhado de perto pelo produtor é a decisão de plantio do agricultor norte-americano. Os preços atuais sugerem uma leve vantagem do milho em relação à soja, o que pode resultar em uma migração de área da oleaginosa para o grão na próxima temporada, da ordem de 5%.