Pecuária

A brutal queda dos preços do boi. O fundo do poço chegou?

Os preços do boi gordo tiveram a maior queda mensal que se tem notícia no mercado em agosto, mas contratos futuros para o fim do ano esboçam reação

De frente com a apresentadora Marília Gabriela, o pecuarista responde sem pestanejar:

— Um sonho…
— Vender boi a R$ 300.
— Meu maior medo é…
— O boi vir a R$ 150.
— Meu maior arrependimento…
— Ter pago R$ 3.500 num bezerro.
— Um desejo…
— Parar de ver notícia de que o boi está caindo.

O diálogo é evidentemente uma montagem, mas viralizou nas redes sociais tamanha a angústia do pecuarista. Afinal, quando a situação é dramática, só um meme para aliviar o ambiente.

Na última semana, os preços do boi gordo até esboçaram uma reação, mas isso só ocorreu depois de um agosto catastrófico, uma queda que assustou até frigoríficos que, teoricamente, se beneficiam da matéria-prima mais barata.

No mês passado, a derrocada foi impressionante, marcando a maior queda mensal que se tem notícia no mercado de boi gordo, disse a veterinária e economista Lygia Pimentel, da consultoria Agrifatto. Pressionado pela ampla oferta, o indicador do Cepea para o boi gordo em São Paulo, referência para as demais praças do país, caiu 18% em agosto. Nos últimos 12 meses, a arroba perdeu mais de R$ 100 em valor, ou 33%, atingindo R$ 204,15 ontem.

Rebanho no Brasil
Queda histórica dos preços do gado impulsionou as margens dos frigoríficos em agosto para níveis raras vezes vistos | Crédito: Shutterstock

No curtíssimo prazo, foi uma injeção de margem na veia dos frigoríficos. O spread, um cálculo que mede a diferença entre o preço do gado e da carcaça bovina e funciona como um sinalizador de margens, ficou positivo em 8,8%.

Considerando que esse é um cálculo normalmente negativo (a conta dos frigoríficos só fica positiva depois de vender couro, subprodutos e desossar a carne), é possível ter uma dimensão da situação.

Numa situação inusual, as margens da venda de carne bovina no mercado interno chegaram a superar a rentabilidade do mercado chinês.

“É uma das maiores margens da história da indústria. Então, todo mundo colocou o pé no acelerador dos abates”, conta Michel Torteli, fundador da Finpec — startup que capta recursos com investidores para financiar a engorda de gado em confinamento.

No médio prazo, há quem demonstre preocupação. Se os preços continuarem no chão, os pecuaristas perdem qualquer estímulo para confinar o gado que seria entregue aos frigoríficos a partir de novembro, na entressafra.

Resultado: pode faltar boi nesse período especialmente para a China, que compra um animal mais jovem. Pelos cálculos da Agrifatto, o boi que vem dos confinamentos responde por algo entre 20% e 30% da oferta no fim do ano (no caso dos chineses, essa participação tende a ser ainda maior).

Confinamento mais vazio

Até agora, os confinamentos estão mais vazios do que a média. Um levantamento mensal da Cargill feito com clientes da Nutron (divisão de nutrição animal da gigante americana) mostrou que a taxa de ocupação dos confinamentos estava em 75,1% em junho, abaixo dos 83% do mesmo período anterior.

“A perspectiva é de redução no confinamento, sim”, diz João Fagundes, o CEO do Grupo Raça Agro, grupo mato-grossense de revendas de insumos para pecuaristas. Mesmo com o custo da ração mais baixo, argumenta, o desânimo com a queda do boi gordo fez a diferença na decisão dos pecuaristas. “Os animais tratados em confinamento certamente diminuíram e isso aparecerá nas estatísticas”.

Com a queda do preço em agosto, o sentimento entre pecuaristas provavelmente piorou, o que pode atrapalhar a intenção de confinamento. Também por isso, há quem aposte na moderação dos preços e numa leve reação para mudar o sentimento negativo que ainda reina.

“Não faz sentido a pressão aumentar muito mais. Se não, não vai ter esse gado na virada do ano”, afirmou César Castro Alves, da consultoria de agro do Itaú BBA, lembrando que o último giro do confinamento precisa ser definido, no máximo, neste mês de setembro.

No mercado futuro, já há alguns sinais de preços que tornam a operação de confinamento minimamente rentável. Da virada de agosto para cá, os contratos para novembro subiram 7,6%, de R$ 204,45 por arroba para R$ 220,05. Os papéis para dezembro, por sua vez, acumularam uma alta de 7,4%, saindo de R$ 209,40 para R$ 225.

Para os pecuaristas que travam as margens, utilizando operações de hedge, a conta fecha, diz Castro Alves. Nos cálculos de Torteli, o custo da arroba produzida está entre R$ 200 e R$ 210. O problema é que, na pecuária, travar preço ainda é coisa para poucos.

O risco chinês

Para o consultor do Itaú BBA, os pecuaristas precisam agir rápido na estratégia de trava de preços para evitar uma surpresa negativa vinda da demanda da China. Se os preços da carne comprada pelo país asiático continuarem caindo, o boi poderia entrar em outra espiral negativa. “O cenário já é ruim sem um problema de demanda. Se a China espirrar mesmo, aí capota tudo”, resume Castro Alves.

É importante notar que esse não é o cenário base com que ele vem trabalhando, mas o risco está na mesa e o downside é grande demais para ser ignorado pelos produtores. “Essa reação do contrato de dezembro deve ser interpretada como uma oportunidade para fixar e não ficar na mão de novo”, reforça.

Por causa desses riscos, o consultor do Itaú BBA ainda não está convicto de que o preço do boi chegou ao fundo do poço. É preciso cautela. “Os preços da China estão caindo agora depois de um tempo firme e isso se soma à desvalorização do yuan, que traz mais pressão para baixar o preço da carne. Se a China pisar no freio em volume, não terá sido o fundo do poço”, afirma.

O aviso está dado.