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O desabafo do Grupo AIZ — e a confusão nas emissões pulverizadas

AIZ culpa a XP Investimentos por não conseguir reunir quórum necessário para continuar seu processo de reestruturação

AIZ

Uma carta pouco usual se espalhou em grupos de WhatsApp ontem à tarde. O documento era um desabafo do Grupo AIZ, de caminhões e máquinas agrícolas, após ver frustrada a aprovação de um plano de reestruturação junto aos credores de seus CRIs e CRAs, provocando o vencimento antecipado dos títulos. Ao todo, a dívida conjunta soma R$ 248 milhões — com R$ 200 milhões alocados nos certificados imobiliários.

A falha em reestruturar o passivo foi uma consequência da falta de quórum para a assembleia dos detentores de CRIs, convocada para o dia 14 de janeiro. Num reflexo do trabalho dos agentes que estruturaram a emissão, a companhia até conseguiu uma adesão relevante ao plano — com votos de mais da metade dos títulos em circulação presentes —, mas falhou em atingir o percentual de 75% necessário para deliberar sobre pontos cruciais, como a carência de pagamentos e o alongamento da dívida. Ao todo, mais de 1 mil investidores detêm títulos da AIZ.

A necessidade de um quórum tão alto para aprovar assuntos relacionados a emissões de dívida é uma prática de mercado para assuntos mais sensíveis aos investidores. No termo de securitização, esse percentual é exigido para decisões que envolvam a administração em caso de insuficiência de ativos ou mesmo de modificações de condições relacionadas aos títulos — como vencimento antecipado e amortização. Outras decisões demandam maioria simples (50% mais um) dos credores.

Em emissões pulverizadas, há quem use diferentes mecanismos para conseguir aprovar (ou se blindar) contra uma possível falha em atingir esse quórum. No ano passado, por exemplo, a Raça Agro recorreu à Justiça argumentando que a pulverização de seus CRAs pelo Banco do Brasil havia tornado impossível uma negociação de waiver (e conseguiu, posteriormente, uma medida cautelar que lhe permitiu postergar pagamentos).

O que torna o caso do Grupo AIZ tão peculiar, nesse contexto, é a forma como a companhia encara esse rito de assembleias e diálogo com os credores. Questionado a respeito do quórum previsto em contrato, Fábio Honório, diretor financeiro da companhia, dá uma dimensão de como a empresa encara essa situação na época da captação. 

“Quando você contrata qualquer dívida dessa natureza, existe uma burocratização muito grande. A versão final dos contratos tem mais de 90 páginas. Olhar cada um dos detalhes é algo improvável, ainda mais porque, quando se contrata esse tipo de dívida, você não contrata pensando que vai deixar de cumprir com alguma obrigação”, argumenta o executivo, ao The AgriBiz.

Acostumada a lidar com bancos, a empresa acredita que a falha por não ter conseguido negociar suas dívidas é culpa da XP Investimentos, responsável por distribuir os títulos ao mercado. 

Na carta divulgada ontem, intitulada “Fato Relevante contra a XP”, a companhia traz uma detalhada retrospectiva de sua situação financeira ao longo dos últimos dois anos e aponta o dedo para a firma de Guilherme Benchimol, cobrando uma prestação de contas sobre o acionamento dos credores no fim do ano passado, em resumo. 

“Veja-se a situação absurda que a XP cria por não ser um banco, mas sim, um mero intermediador e marketeiro comissionado do negócio inicial. Ela ‘abandona’ aquele que comprou o seu papel, aquele que investiu, que compareceu e anuiu com a carência e alongamento do CRA. Agora este corre o risco de um default porque Instituições Financeiras alheias ao seu relacionamento não chamaram os interessados proprietários do papel”, escreve a carta, assinada por Alberto Iván Zakidalski, dono do Grupo AIZ. 

Nem tudo é tão simples

Em nota, a XP Investimentos rebateu as acusações. “A XP reforça que opera rigorosamente dentro dos padrões regulatórios do mercado de capitais. A empresa zela pela aderência às regras da CVM, contratos firmados entre as partes e pela proteção ao investidor. No caso em questão, todas as obrigações foram cumpridas pela XP, que, enquanto custodiante, viabiliza a captação de recursos, mas não possui ingerência sobre as decisões ou quóruns das assembleias, que são conduzidas pelas securitizadoras, conforme estipulado em contratos”. 

Conseguir o engajamento de investidores durante o período de festas, para uma votação tão complexa — na assembleia, foram levados para discussão 20 itens ao todo — passa longe de ser uma tarefa simples. A AIZ parece ter subestimado a missão.

No limite, temas assim precisam de uma antecedência de até três meses para a votação, dada a complexidade de explicações e a gama de opções que podem ser adotadas por investidores. Para uma fonte, a companhia não estava preparada para esse cenário, e agora quer jogar a culpa em outros players.

A pauta da assembleia da AIZ também indica que a companhia não vinha cumprindo algumas obrigações com os investidores. A divulgação de documentos relevantes, como o balanço, estava atrasado, assim como as certidões de imóveis dados em garantia para a operação.

Nesse tipo de reunião, as opções escolhidas pelos investidores não são catalogadas somente na data da assembleia, mas conforme é feito o acionamento dos credores, as opções já são previamente coletadas e, por meio de procurações, os votos são confirmados na data das assembleias, num movimento que visa acelerar o rito processual.

E agora?

Ao falhar em conseguir reunir o percentual de votos necessário para aprovar a reestruturação de seus débitos, os executivos do Grupo AIZ ainda se mostram confusos em relação aos próximos passos daqui para frente. 

“Até onde levantamos, uma nova assembleia deve ser comunicada pela Virgo [securitizadora dos CRIs] para definir os próximos passos e comunicar o que deve ser feito. Mas nem isso é uma certeza”, afirma Honório. 

Novata no mercado de capitais, a AIZ captou a maior parte de seus recursos em um período de juros ainda contidos e de planos de expansão a todo vapor. As duas emissões de CRIs foram feitas em 2021 e somavam R$ 355 milhões, emitidos em séries cuja remuneração varia de IPCA+5,5% ao ano a IPCA+7,5% ao ano. Em 2023, a empresa voltou a acessar ao mercado, numa emissão de CRA de R$ 120 milhões, a CDI+5% ao ano. Os títulos também foram distribuídos pela XP. 

O saldo a pagar é de R$ 248 milhões, dividido entre dois CRIs e um CRA (os títulos imobiliários correspondem a R$ 200 milhões do saldo devedor). Os papéis foram emitidos em 2021, como parte de um plano de construção do parque fabril da companhia — que encontrou em seguida um ambiente de juros altos, levando-a à reestruturação. 

A garantia dos papéis é a própria planta fabril da empresa, avaliada em R$ 280 milhões, segundo Fábio Honório, head de finanças do grupo AIZ. “Precisamos de um waiver dos credores para uma cláusula que nos impede de pré-pagar a dívida até novembro de 2025 para vender o imóvel”, explica Honório.

A ironia é que, agora, diante da falta de quórum para fazer a assembleia — e com o vencimento antecipado dos títulos decretado — é justamente esse o caminho que a emissão pode tomar. 

“O imóvel é muito grande para o tamanho da nossa operação atual. Perdê-lo está dentro do nosso plano, tem alternativas de lugares menores que conseguem fazer a operação girar. Tínhamos potenciais interessados na nossa planta, antes do barulho no mercado”, explica Alberto Iván Zakidalski, dono do grupo AIZ.

O parque fabril da empresa possuui 110 mil metros quadrados de área construída, em uma área total de 500 mil metros quadrados. Uma capacidade pensada para uma empresa que atuava com implementos (carretas, grosso modo), caminhões implementados (betoneiras, caminhão-pipa, etc) e com a venda de máquinas agrícolas.

Hoje, após a reestruturação — que incluiu a saída da fabricação de implementos — a companhia precisa de apenas 30% dessa área total para operar. No último ano, o grupo AIZ faturou R$ 674 milhões, dos quais R$ 415 milhões vieram dos caminhões implementados — o restante veio da venda de caminhões para diferentes indústrias e apenas cerca de 10% vieram da venda de máquinas agrícolas.

A dívida da companhia soma cerca de R$ 820 milhões, com a maior parte dessa cifra sendo formada por contratos de floorplan. Nesse tipo de empréstimo, a companhia toma crédito para financiar seu giro, ou seja, adquirir veículos de montadoras sem precisar desembolsar o valor total (e só são pagos quando a empresa vende o caminhão aos seus próprios clientes).