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O novo (e pujante) cliente dos agricultores brasileiros: o próprio Brasil

Em apenas um ano, o consumo doméstico de milho saltou quase 10%, alcançando 88 milhões de toneladas na safra 2023/24

Soja; Demanda por grãos milho

Se ao longo das últimas décadas o Brasil construiu uma trajetória de exportação de grãos — com menor apetite interno para o consumo — daqui para frente o caminho inverso parece cada vez mais claro, apoiado na verticalização e na integração da produção agrícola brasileira. O milho que o diga.

Nos últimos seis anos, o consumo interno do cereal disparou, subindo de 62 milhões de toneladas na safra 2018/19 para quase 90 milhões de toneladas, impulsionado pelo crescimento nas indústrias de proteína animal — frango, especialmente — e etanol.

Em apenas um ano, o consumo doméstico de milho saltou quase 10%, alcançando 88 milhões de toneladas na safra 2023/24, de acordo com dados da Agroconsult. A indústria de proteína animal absorveu 65 milhões de toneladas, enquanto as usinas de etanol abocanharam 22 milhões de toneladas para a produção de biocombustíveis, um monte que era praticamente nulo há dez anos.

“Para o próximo ano, já estamos estimando quase 96 milhões de toneladas para o consumo interno”, disse André Pessôa, CEO da Agroconsult, em uma coletiva de imprensa na semana passada. Esse volume representa 80% do produção total, estimada em 120 milhões de toneladas de milho pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).

O crescente consumo de milho no Brasil tem mudado a dinâmica de preços no mercado local. “Os preços do milho no Brasil estiveram acima da paridade de exportação na maior parte do ano. Em algumas regiões, isso ocorreu durante todo o ano”, observou Pessôa.

Exportações de milho

Com o consumo interno aquecido, uma consequência natural é a redução de exportações de milho do Brasil. Enquanto na safra 2022/23 foram enviadas 55 milhões de toneladas para fora do País, na safra 2024/25 esse número deve ser de 34 milhões de toneladas — mesmo em meio à safra recorde, segundo as projeções da Conab.

Essa mudança está abrindo oportunidades para outros países ocuparem o protagonismo no cenário global, com destaque para os Estados Unidos. “Com as exportações de milho do Brasil agora competindo com um maior uso interno, o milho dos EUA enfrentará menos concorrência no mercado global — permitindo que o país recupere participação no mercado global em 2025”, notou a S&P, em um recente relatório.

Na safra atual, espera-se que as exportações representem 29% do uso total de milho do Brasil, em comparação com 40% há apenas três anos. Enquanto isso, a produção de etanol deve representar 19% do consumo total, um aumento de dez pontos percentuais em apenas três anos.

É um divisor de águas para os agricultores brasileiros. O milho, que é predominantemente plantado na safrinha, foi visto até aqui como uma fonte de renda adicional para os agricultores — que por vezes dependiam de leilões do governo para gerar liquidez. Diante da alta demanda, esse cenário começa a se inverter: a produção passa a ser vendida nos moldes da soja, de forma antecipada, gerando ainda mais incentivos para a produção.

“Ter um mercado interno forte oferece aos agricultores a garantia de que terão tanto preços quanto demanda, o que pode influenciar as decisões de plantio”, reforça Pessôa.

E a soja?

O crescimento do mercado interno não é uma exclusividade do milho — ainda que tenha sido observado em maior grau no grão. O processamento de soja também tem uma demanda interna cada vez maior, como verificado ao longo dos últimos anos.

Até 2025, a moagem de soja deve alcançar 57 milhões de toneladas, um aumento de 5% em relação ao ano passado, de acordo com estimativas da Abiove. Em 2017, os volumes de moagem estavam em torno de 42 milhões de toneladas.

O aumento da demanda interna inclui o farelo de soja para produção de ração, mas o principal motor vem da produção de biodiesel no País. A partir de março, a mistura obrigatória do biocombustível aumentará para 15% no Brasil, refletindo a lei do Combustível do Futuro, aprovada no ano passado.

Apesar do crescimento do consumo interno, a pujança da demanda do exterior ainda é desproporcionalmente maior no caso da soja, fazendo com que os produtores ainda tenham de atrelar a maior parte da precificação do grão ao mercado externo. Neste ano, a expectativa é que o Brasil exporte 105 milhões de toneladas de soja, de uma safra total de 172,4 milhões de toneladas, de acordo com as projeções da Agroconsult.

Mesmo com o mercado internacional ainda fazendo preço, Pessôa argumenta que o mercado interno mais pujante faz com que os produtores tenham mais confiança para continuar investindo e expandindo a própria produção.

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