Opinião

A safra recorde está chegando — os desafios do transporte também

Plano de escoamento apresentado pelo governo federal se concentrou nas rodovias; recorde de produção requer atenção especial quanto à infraestrutura ferroviária

Dentro de poucas semanas, teremos um grande (e positivo) desafio a ser superado. A colheita da safra recorde de soja se intensificará e, com ela, teremos o crescimento do esmagamento da oleaginosa com volumosa produção de farelo de soja. Na sequência, teremos abundância de milho e, juntos, esses três produtos abastecerão os mercados interno e externo.

O plano de escoamento apresentado pelo governo federal, na semana passada, trouxe diversos aspectos positivos, focando nas necessárias obras de manutenção e expansão das rodovias. Costuma-se dizer que o Brasil é um país rodoviarista, mas a verdade é que ainda precisamos melhorar significativamente a nossa malha viária para reduzir os custos do transporte por caminhões.

Somando-se a isso o vultoso plano de concessões e otimizações de rodovias, com uma grande quantidade de leilões previstos para 2025, já é possível visualizar um cenário mais favorável para esse modal.

Para o longo curso, há otimismo quanto aos projetos de concessões hidroviárias. Sabemos há longa data que nossos rios carecem de investimentos consistentes que proporcionem segurança a novos ativos em terminais portuários, barcaças, além de treinamento de equipes especializadas. Sem dúvida, podem ser fortalecidos como rotas fundamentais, proporcionando menor emissão de gases de efeito estufa, menor consumo energético e redução de custos por tonelada transportada.

Para isso, o Brasil precisa realizar as obras de dragagem, sinalização e balizamento, sem esquecer do devido enfrentamento à segurança dos trabalhadores e patrimonial que precisa ser feito para combater os roubos que, infelizmente, aparecem em uma frequência preocupante.

Não menos importante, ainda é necessário garantir de forma plena o uso múltiplo das águas, com o devido tratamento nas operações de geração hidroelétricas, a fim de que o nível dos cursos d’água e sua variabilidade sejam compatíveis com a navegação interior.

E os trilhos?

As ferrovias tiveram menor visibilidade no plano apresentado, talvez para não dar o chamado “spoiler” no esperado Plano Nacional Ferroviário, previsto para ser anunciado ainda no primeiro trimestre. Obviamente, projetos dessa envergadura não podem ser concluídos no mesmo ano-safra, mas cabe uma discussão a respeito dos desafios para ampliação da malha ferroviária e ganhos de eficiência nas existentes.

Conforme dados apresentados pela ABIOVE na Comissão de Infraestrutura do Senado no ano passado e informações divulgadas pela ESALQ LOG, a oferta de serviços de transporte ferroviário não vem acompanhando o crescimento da nossa produção. Ao contrário, a ferrovia perde participação na matriz de transportes brasileira.

Essa constatação da perda de participação ferroviária na movimentação de produtos causa preocupação, pois também sabemos que, enquanto a conexão a curtas distâncias deve ser percorrida por caminhões e a de longo curso por barcaças, também é de público e notório conhecimento que muitas dessas conexões precisam ser feitas por trens.

O Brasil dispõe de uma extensa malha ferroviária, mas a maior parte está abandonada ou subutilizada. É urgente que se discutam mecanismos de atração de investimento para revitalizar esses trechos, especialmente quando estão sob um contrato de concessão.

É extremamente prejudicial ao País constatar que apenas uma pequena parcela da capacidade teórica das ferrovias concedidas é disponibilizada ao mercado enquanto diversas cadeias produtivas tiveram de migrar para o transporte rodoviário por absoluta indisponibilidade de oferta de serviços pelas concessionárias de ferrovias.

Mesmo nos trechos ferroviários em operação, os relatórios anuais de fiscalização da ANTT apontam a perpetuação de gargalos por anos seguidos, seja por restrições na via permanente, seja pela baixa disponibilidade de locomotivas e vagões. O que se vê, portanto, é uma oferta aquém das necessidades dos embarcadores.

Vale lembrar que os novos contratos de concessão, aqueles já renovados, possuem cláusulas de gatilho de investimentos sempre que a utilização da malha atinge um determinado percentual. É fundamental que seja feita uma devida e cuidadosa avaliação a respeito desse indicador por todos interessados, para se avaliar o montante de investimentos necessários não apenas para atender às necessidades da safra atual, mas para atender às demandas da próxima década.

Em 2025, o Brasil colherá mais de 300 milhões de toneladas de grãos e produzirá grandes quantidades de produtos agroindustriais. Com o comércio internacional cada vez mais competitivo, é essencial que a nossa infraestrutura acompanhe os desafios que iremos enfrentar, sejam eles em custos ou ambientais, e as ferrovias certamente precisam reverter a tendência negativa observada nos últimos anos. Para isso, a regulação deve prover os estímulos necessários para o melhor uso da nossa infraestrutura disponível.