
É senso comum e descrito pela teoria econômica que a melhor forma de controlar a inflação é controlar gastos públicos. Essa constatação largamente provada pela história ficou mais uma vez marcada entre 2015 e 2016, quando o PIB acumulou queda de quase 7% enquanto a inflação acumulou 16,96% e o déficit fiscal levou à maior relação dívida/PIB da história até então.
A inflação, portanto, não é causa do aumento dos preços nem instrumento de crescimento econômico (como já afirmado no passado), mas sua consequência, além de recair como uma verdadeira maldição à prosperidade do país que a enfrenta.
Em raciocínio cruzado, constata-se que controlar gastos públicos seria uma forma de controlar a inflação que volta a aterrorizar, mas mesmo após a década perdida e os “fiscais do Sarney”, não é o que temos observado. Aparentemente, a história se repete.
A Secretaria de Política Econômica mostra que, desde 2023, houve a implantação de uma política de aumento de gastos permanentes sem fonte equivalente, o que levou a prévia do déficit fiscal estrutural de 2024 a 1,41% do PIB.
Com isso, a inflação volta a assombrar o consumidor e a carne, por sua larga influência no IPCA, tem sido novamente apontada como vilã do movimento.
Em entrevista recente a rádios da Bahia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que está resolvendo o problema da inflação de alimentos junto a seus ministérios, culpou decisões passadas do Banco Central e sugeriu à população que, ao frequentar os supermercados, “não compre os produtos que achar que estão caros.”
Na sequência, o ministro da economia, Fernando Haddad, declarou que “safra recorde e dólar mais baixo ajudarão a reduzir o preço dos alimentos”. Ainda adicionou: “Vamos colher como nunca colhemos alimentos e também grãos. Tem o ciclo do boi também que está no final e isso vai ajudar a normalizar essa situação”,
O ponto é que o ciclo que está chegando ao fim, é dividido em duas fases: a fase de alta e a de baixa. E, desconexamente à fala do ministro, a fase que está chegando ao fim é justamente a de baixa. Portanto, estamos tecnicamente às portas de uma fase de alta de ciclo pecuário, sobre o qual comento aqui, descrevendo seus fundamentos largamente comprovados pela literatura acadêmica em diversos mercados mundo afora.
Ocorre que a carne – produto final do boi gordo e terminado – não subiu por conta do ciclo do boi, mas em decorrência da conjuntura internacional e dólar explosivo levaram ao maior volume de carne exportada da história, movimento que enxugou a disponibilidade de carne no mercado doméstico justamente quando a renda estava concentradamente maior.
Paralelamente, a expansão de gastos do governo aliada às eleições municipais de 2024, que distribuíram capilarmente R$ 4,9 bilhões através do fundão eleitoral (quantificando, seria o valor equivalente a aproximadamente 1kg de carne bovina/habitante do país) , fez com que o consumo doméstico abarcasse valores mais altos pela arroba mesmo quando batemos recorde histórico de abates de bovinos e de produção de carne no Brasil.
Isso significa que a carne, que acumulou queda de preços de 18% desde 2022 até o fim do primeiro semestre de 2024 ao longo da fase de baixa do ciclo pecuário, foi um grande descompressor da inflação no período, mas dado o estímulo à demanda, interna e externa, subiu para acompanhar o apetite do consumidor.
Agora, dados do Serviço de Inspeção Federal (SIF) mostram que o abate de fêmeas em janeiro continuou acelerado. Para quem conhece menos sobre o ciclo do boi, as fêmeas servem como matrizes para a produção de bezerros, que serão abatidos futuramente para a produção de carne.
E já se vão 24 meses de abate de fêmeas acima da média histórica, o que invariavelmente levará a uma menor produção de bezerros, que levará a uma quebra produtiva em um momento ou outro.
Isso tudo posto, a nossa análise é a de que a carne continuará pressionando o IPCA nos próximos meses e anos, até que o preço tenha subido o suficiente para voltar a estimular o produtor a recompor o seu plantel de matrizes.
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Lygia Pimentel, colunista de The AgriBiz, é médica veterinária, economista e sócia da Agrifatto.