
Quando a inflação pesa no bolso do consumidor — e na popularidade do mandatário de plantão —, a saída mais fácil (e geralmente errada) é apontar um bode expiatório, apresentando justificativas que, muitas vezes, não param em pé. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
Nesta semana, Brasília presenciou declarações (e rompantes) desse tipo, provocando arrepios em setores do agro que temem intervenções no mercado para conter a inflação.
Com a popularidade corroída a níveis inéditos, o presidente Lula disse ontem que o preço do ovo está um “absurdo”, fazendo uma conexão entre os preços domésticos e os recordes que os americanos estão pagando pela proteína. Qualquer observador mais atento sabe que essa relação não faz sentido.
De fato, o preço do ovo vermelho disparou 50% no atacado da Grande São Paulo nos últimos 30 dias, segundo o Cepea. Mas as razões são locais: o calor excessivo tem reduzido a produtividade nas granjas — as aves, assim como nós, estão sofrendo com as altas temperaturas. Outro ponto que reduziu a oferta foi a alta abrupta nos custos. O milho subiu 30% nos últimos oito meses e as embalagens mais que dobraram de preço, segundo a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).
Tudo isso enquanto a demanda cresce, em boa parte devido a fatores sazonais: o retorno às aulas e a proximidade da Quaresma, período em que normalmente o consumo de ovos aumenta devido à restrição de parte da população ao consumo de carne vermelha.
E a crise nos Estados Unidos? Embora embarques pontuais para aquele país tenham acontecido recentemente, eles representam muito pouco do mercado brasileiro: exportamos menos de 1% da produção.
A polêmica do ovo lembrou o famigerado leilão para importação de arroz, que acabou não acontecendo por causa de uma intrincada teia de conflitos de interesses, mas que também não tinha justificativa econômica.
As enchentes do ano passado no Rio Grande do Sul causaram uma alta de preços pontual do cereal, mas não havia risco de desabastecimento. O governo, mesmo assim, insistia em importar arroz a preços até maiores do que os praticados no País.
No fim das contas, o secretário de Política Agrícola caiu, não houve leilão e, em 12 meses, o preço do arroz caiu 1%, segundo dados do IPCA. Precisava de tanta bateção de cabeça?
Na contramão
Agora, há quem argumente que a situação é diferente no caso das commodities — produtos altamente exportados pelo Brasil, como a soja. Nesta semana, o governo atrasou o cronograma de aumento da mistura do biodiesel ao diesel fóssil. A implementação do B15, programada para 1º de março, foi adiada para controlar a inflação.
O argumento é que o aumento da mistura poderia pressionar ainda mais o preço do óleo de soja, que acumula uma alta de 25% nas gôndolas em 12 meses. Mas, ao paralisar a mudança na composição do diesel, o governo federal tomou uma decisão olhando para o passado.
Em 2024, a produção brasileira de soja ficou abaixo das expectativas devido à seca que provocou perdas significativas no Mato Grosso, maior produtor. Durante a entressafra, com a demanda aquecida aqui e no exterior, os preços avançaram. Para piorar, o dólar subiu mais de 13% só no quarto trimestre em meio à deterioração do cenário fiscal, elevando os preços em reais.
Mas com a colheita de uma safra recorde ganhando tração, a expectativa é que o preço da oleaginosa e seus derivados recue. Em janeiro, aliás, o óleo de soja ao consumidor já caiu 0,4%, mostram os dados do IPCA.
Com a decisão, a intenção do governo pode se revelar um tiro no pé. Um risco é que o menor percentual de mistura do biodiesel leve as empresas a reduzir o processamento de soja e, consequentemente, a produção de farelo, o que pode elevar o custo de produção das proteínas. Com menos farelo disponível e a demanda para ração em alta, o preço das carnes, que têm um peso ainda maior na inflação, pode piorar a dor de cabeça.
As decisões federais, incrivelmente, jogam contra a própria estratégia do governo Lula de posicionar o Brasil como uma potência econômica ambiental, um discurso poderoso às vésperas da COP-30, em Belém.
Em poucos meses, o governo colocou em xeque a credibilidade da lei do Combustível do Futuro, que foi sancionada pelo presidente Lula em outubro e prevê o aumento da mistura do biodiesel para 30% até 2030 — com isso, fomentando investimentos industriais para atender à demanda futura.
Por sorte, as trapalhadas ficaram nisso. Podia ser bem pior… Preocupado com a alta do milho, o governo chegou até a cogitar a possibilidade de reduzir a mistura do etanol à gasolina, fontes disseram ao The AgriBiz. Mas acabou recuando diante da repercussão negativa que a notícia poderia causar.
Não custa lembrar que intervenções no preço da gasolina para controlar a inflação, durante o governo Dilma Rousseff, causaram uma das maiores crises já enfrentadas pelo setor sucroalcooleiro.
O milho vem subindo em todo o mundo nos últimos meses com a expectativa de uma oferta mais apertada este ano. No Brasil, a alta é mais intensa devido a uma queda na produção da safra de verão e por especulações envolvendo a segunda safra, que estará mais vulnerável a riscos climáticos este ano devido a atrasos no plantio — também causados pelo clima adverso.
“A inflação de alimentos é um tema global hoje. Não acredito em soluções que envolvam intervenções”, disse Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global, ao The AgriBiz. “O que o governo deveria fazer é incrementar pacotes para reduzir o risco da atividade, como o seguro rural, impulsionar o crédito rural e melhorar a infraestrutura”.
Enquanto continuar ignorando a realidade, culpando empresários que mal exportam — no caso do ovo —, o governo não vai sair do córner em que se encontra. Quem gosta? A oposição.