Balanço

A saída da 3tentos para driblar o revés do biodiesel

Companhia da família Dumoncel vê crescimento de demanda mesmo com B14 e avalia aumentar produção de óleo caso preços não se mantenham atrativos

A decisão do governo de atrasar a mistura de 15% de biodiesel mexeu com o humor do mercado e com as ações da 3tentos. Os papéis da companhia gaúcha caíram mais de 10% na semana passada, numa reação às perspectivas de uma demanda menor de biodiesel. Internamente, entretanto, a situação não tirou o sono da família Dumoncel, que vê uma saída clara ao cenário atual. 

“No crushing de soja, sai óleo, farelo e a casca. Temos uma torneirinha que podemos virar para produzir mais biodiesel ou mais óleo degomado. A indústria não vai parar. Continuamos vendendo óleo de soja, nossos destinos internacionais continuam normalmente”, argumentou Luiz Osório Dumoncel, CEO da 3tentos, em entrevista ao The AgriBiz.

Na visão do empresário, o atraso no aumento da mistura será apenas um atraso pontual no cronograma. “A lei do Combustível do Futuro vai acontecer. O governo apenas usou a prerrogativa que tinha, de não aumentar o percentual agora”, prosseguiu Dumoncel.

Mesmo com a demanda menor que o esperado inicialmente, 3tentos sinalizou que as margens do óleo degomado estão boas, uma leira que já havia sido compartilhada por Thiago Duarte, analista do BTG Pactual. Além disso, a demanda por biodiesel ainda vai crescer, mesmo com o B14 mantido.

Projeções da área de inteligência de mercado da 3tentos apontam que, no ano passado, o Brasil consumiu 9,1 milhões de metros cúbicos de biodiesel. Se o B15 fosse implantado agora em março, o consumo chegaria ao final de 2025 em 10,2 milhões de metros cúbicos. Com o percentual de 14% mantido, o consumo no fim deste ano deve ser de 9,6 milhões de metros cúbicos — o que ainda representa um crescimento de 5,4% sobre o ano passado.

Nos resultados anuais que acaba de divulgar, a 3tentos reportou uma receita de R$ 3 bilhões com biodiesel, um salto de 90% na comparação anual. A receita de farelo e outros subprodutos da soja cresceu em uma proporção bem menor, de 20%, somando uma receita de R$ 3,7 bilhões. 

Segundo Dumoncel, o crescimento está relacionado à melhora do desempenho das esmagadoras de soja do Rio Grande do Sul (localizadas em Ijuí e Cruz Alta), além da maior capacidade da indústria de Vera (MT) — a planta passou por uma ampliação no final do ano passado, expandindo a capacidade de processamento de soja de 2,6 mil toneladas por dia para 3 mil toneladas por dia.

Somando a produção de biodiesel com a de farelo (e outros subprodutos da soja), a divisão de indústria da 3tentos teve uma receita de R$ 6,7 bilhões, respondendo pela maior fatia do faturamento total do grupo no ano, de R$ 12,8 bilhões.

Em 2024, a margem bruta da divisão industrial — a mais importante da companhia — ficou em 21%, um acréscimo de cinco pontos percentuais em relação ao ano anterior.

A quebra da safra gaúcha

A divisão industrial não foi a única a crescer. No ano passado, a área de grãos (trading, sobretudo) também registrou um crescimento expressivo: quase 85%, chegando a R$ 3,2 bilhões.

O impulso veio principalmente da comercialização de soja, que aumentou em três dígitos no ano — e mais do que triplicou só no quarto trimestre, impulsionada pela safra mais benigna no Rio Grande do Sul. 

Para a nova safra (2024/25), o cenário é diferente. A estiagem no Rio Grande do Sul vem prejudicando as lavouras e expectativas de mercado já dão conta de uma produção menor do que o esperado: em torno de 18 milhões de toneladas, ante as estimativas iniciais de 24 milhões de toneladas. 

Apesar da redução, o cenário está longe de ser catastrófico. Na visão de Dumoncel, é necessário estratificar os impactos em três regiões do Rio Grande do Sul: norte, noroeste e sul. 

No norte, disse o empresário, as lavouras estão predominantemente boas, enquanto no noroeste do estado — região de Uruguaiana e São Luiz Gonzaga — a estiagem é mais intensa, mas boa parte da região tem lavouras irrigadas de arroz, além da pecuária. No sul, há uma disparidade relevante, com regiões colhendo 70 sacas e outras colhendo 30 sacas por hectare, mas, ainda assim, há um número de lavouras irrigadas de arroz bem maior do que no noroeste.

“O arroz está num preço excelente, o produtor vai continuar fazendo essa gestão. Além disso, a pecuária é uma fonte de receita importante”, ponderou o empresário, indicando que nem todos sofrerão igualmente.

Ainda assim, ele reconhece o desafio para o agricultor gaúcho. “Isso quer dizer que o produtor não vai ter problema? Não. Vai ser uma safra desafiadora para algumas partes do estado e vamos ter de fazer uma avaliação para que alguns deles consigam sair de dificuldades financeiras”, reconheceu o CEO. 

Apesar disso, Dumoncel avalia que as dificuldades no Sul não terão impactos relevantes sobre a companhia graças à diversificação regional.

“O Rio Grande do Sul e o Mato Grosso fazem hedge climático um para o outro. Vamos colher safra recorde em Mato Grosso. Além disso, a 3tentos vem atuando por meio de sua trading em outros estados para continuar aumentando o volume de grãos. Temos muito para crescer em grãos, insumos e indústria”, resumiu Dumoncel.

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No quarto trimestre de 2024, a 3tentos cresceu dois dígitos altos nas principais linhas operacionais — receita, Ebitda, margem e lucro bruto, com um ganho de eficiência substancial. A receita cresceu 27%, para R$ 3,8 bilhões, mas o Ebitda aumentou 90%, alcançando R$ 410 milhões. 

A disparada do dólar em dezembro, no entanto, derrubou o lucro líquido da companhia por causa de um impacto negativo (mas sem efeito sobre o caixa) relacionado à marcação a mercado dos instrumentos de hedge cambial.

No trimestre, o lucro da companhia gaúcha caiu 22%, para R$ 135 milhões. Em 2024, porém, a última linha do balanço aumentou 32%, com um lucro R$ 756 milhões.

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Na B3, a 3tentos está avaliada em R$ 7,15 bilhões. Em doze meses, as ações sobem 46%.