De Querência ao G-20

A pecuária pode sequestrar carbono? Na Roncador, Peleco mostra como

À frente da uma das maiores fazendas do País, Pelerson Penido Dalla Vecchia despertou a atenção da JBS e foi parar nas discussões do G-20

Roncador

“Em meio à desinformação sobre a agricultura, Peleco é uma luz que brilha intensamente”. O elogio público de Jerry O’Callaghan, presidente do conselho de administração da JBS, ilustra a admiração que tomou conta da gigante das carnes pelo trabalho que Pelerson Penido Dalla Vecchia, o Peleco, vem fazendo no Grupo Roncador.

À frente de uma das operações rurais mais emblemáticas do País — antes da partilha familiar, a Roncador já foi considerada a maior fazenda contínua do Brasil, com mais de 150 mil hectares —, Peleco mostra o que muitos na Europa julgariam impossível para um pecuarista tropical enfronhado em Querência (MT), numa zona de transição entre a Amazônia e o Cerrado.

Todos os anos, a Roncador neutraliza as emissões de CO2 equivalentes a 133 mil carros rodando 1 mil quilômetros por mês. Para uma atividade que é o calcanhar de Aquiles do Brasil quando o assunto é emissão — a pecuária é a maior emissora de carbono da agropecuária nacional —, os resultados mostram um caminho.

Aos poucos, o grupo vem reduzindo a necessidade de insumos químicos na agricultura, apostando fortemente nos biológicos. Uma prática conhecida é a “sopa de floresta”, um substrato de solo retirado das áreas de mata com o objetivo de multiplicar os microrganismos presentes na floresta também nas áreas agrícolas, melhorando a saúde do solo.

Sustentabilidade que gera caixa

Estimativas da Roncador apontam que a chamada “soja inteligente” — que prevê a aplicação de químicos apenas quando é estritamente necessário — reduziu os gastos com agroquímicos em 16,5%. Nos inseticidas, a economia da fazenda chegou a 40,8%.

Conquistas como essas só foram possíveis porque, ao invés de abandonar a pecuária em direção ao cultivo de soja, como outros talvez pudessem preferir, Peleco fez da integração entre lavoura e pecuária uma missão de vida, mostrando que as práticas regenerativas funcionam em escala ambiental e econômica.

Foi essa a combinação que encantou a JBS, companhia com a qual a Roncador mantém um contrato de longo prazo para o fornecimento de gado, e se transformou Peleco em uma referência para as discussões sobre a pecuária do futuro. A convite de Gilberto Tomazoni, CEO da JBS, o empresário integrou o conselho de sistemas alimentares sustentáveis e agricultura do B20, o colegiado do setor privado que levou propostas ao G-20 em 2024.

“No tripé da sustentabilidade, o primeiro é econômico. Se não parar em pé economicamente, não tem as outras duas. Então, não podemos confundir ineficiência com sustentabilidade”, disse Peleco em uma entrevista de duas horas e meia concedida ao The AgriBiz no escritório administrativo do Grupo Roncador, no bairro paulistano da Vila Madalena.

A fala busca desarmar um argumento que, a pretexto de proteger o meio-ambiente e controlar as emissões, a redução da produtividade seria uma consequência. “É importante na análise sobre o que é ser sustentável ter a produtividade como elemento essencial. É possível aumentar a produtividade e melhorar a saúde do planeta”, resumiu.

A Roncador é um exemplo de que essa transformação é possível. Na fazenda de Querência, o grupo conseguiu sequestrar carbono do solo com um nível de produtividade impensável nos anos 2000, quando a propriedade tinha 80% das áreas degradadas.

A década de 2000, aliás, marca o momento em que o grupo decidiu intensificar a pecuária e passou a cultivar soja, saindo de um modelo de pecuária extensiva que não faz mais sentido, inclusive economicamente.

Os números da Roncador

Da área total de 53 mil hectares que agora faz parte da Roncador — o restante dos 150 mil hectares foi dividido com os dois irmãos de Peleco —, quase 17 mil são cultivados anualmente com o grão. O objetivo é atingir 20 mil hectares de soja daqui a alguns anos, com 4 mil irrigados (atualmente, há 1 mil hectares com pivôs).

No modelo de integração entre lavoura e pecuária da empresa, a área destinada ao gado varia. Durante a safra de soja, perto de 11 mil hectares ficam com a pecuária, uma área que aumenta depois da colheita. A fazenda conta com uma reserva ambiental de 24,9 mil hectares.

A partir de março, quando a soja deixa o campo, o gado se aproveita de um solo rico em adubação, o que permite um rápido crescimento das pastagens. Ao mesmo tempo, o boi é uma espécie de “biofábrica natural”, ajudando a fertilizar o solo com urina e fezes.

Em qualquer período do ano, a Roncador trabalha com um rebanho de 70 mil cabeças, o que só é possível graças ao modelo adotado. No período de entressafra, quando há pouca chuva e a pastagem tende a piorar, o grupo consegue manter a lotação graças à suplementação a pasto (alimentando o gado com grãos) e ao confinamento.

“A pecuária degrada porque tem uma taxa de acúmulo de matéria seca (leia-se, pasto) desigual ao longo do ano, mas a demanda é constante. Ou você regula a taxa de lotação ou traz o fornecimento de alimento de alguma forma”, disse Peleco, orgulhoso de uma foto que circula nos círculos da pecuária sustentável.

Em uma demonstração da capacidade da uma pastagem bem tratada para capturar carbono, o empresário mostra a profundidade de três metros de enraizamento da gramínea. A pecuária pode fazer bem ao planeta.

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O Grupo Roncador é uma herança de Pelerson Soares Penido. Nascido em 1918, o avô de Peleco adquiriu a fazenda em Mato Grosso no fim da década de 1970, quando o governo militar estimulou a ocupação da Amazônia. Com o tempo, adquiriu mais áreas, transformando a propriedade em uma das maiores do País.

Soares Penido fundou a Serveng, que foi uma das maiores empreiteiras do País. A fortuna amealhada pelo patriarca inclui outros investimentos, como a sociedade na CCR, gigante de infraestrutura e mobilidade listada na B3.

Peleco permanece como sócio da CCR e faz parte do bloco de controle da companhia, um grupo que inclui Itaúsa, Votorantim e Mover (a antiga Camargo Corrêa). Pelo Grupo Roncador, é sócio da incorporadora Idea!Zarvos em alguns projetos imobiliários na capital paulista e investidor da Raiar, de ovos orgânicos.