Sabe quando você compra uma geladeira em dez vezes “sem juros”? É fácil perceber que os juros já estão embutidos no preço final. No agro, acontece algo semelhante. O produtor compra insumos — como defensivos, sementes ou fertilizantes — com pagamento na safra, sem juros. Só que não.
Só que antes disso, o varejo já comprou esse produto à vista da indústria, transportou e manteve em estoque por três meses, até ter pronta entrega para o produtor. O pagamento do produtor costuma acontecer em 30 de abril (ou 31 de março), ou seja, cerca de 8 meses depois da venda. No total, o capital usado para aquele insumo girou por 12 meses até retornar ao caixa da revenda. Daí o nome capital de giro.
No melhor (e muito raro) cenário, se a revenda tiver esse capital disponível no caixa, o custo é o que esse dinheiro deixaria de render na Selic, com um CDB. Considerando uma taxa de 14,25% ao ano, uma venda de R$ 300 mil implica um custo de capital de aproximadamente R$ 42,7 mil.
Agora, se o capital precisa ser tomado no mercado — sem garantias reais, como imóveis — o cenário muda. O banco cobra mais caro, incorporando um prêmio de risco (por possibilidade de inadimplência). Esse prêmio, para os bons devedores que faturam R$ 200 milhões, gira em torno de 6,25%. Isso eleva o custo de capital a cerca de 20,5% ao ano, ou aproximadamente R$ 61,5 mil.
Uma alternativa é a indústria, como fomento, oferecer um prazo para a revenda, e, claro, exigir a preferência para seus produtos na prateleira.
Vamos pensar, no nosso exemplo, em seis meses para pagamento. Com isso, parte do custo do capital sai do varejo e passa para o balanço da indústria. Na indústria, o custo de capital cai para cerca de 2%, ou até zero, se for uma das grandonas.
Na prática, esse custo virá embutido no preço do produto, o que torna difícil para o varejo separar as parcelas de custo financeiro e comercial. No nosso exemplo, o custo total de capital tende a ficar por volta dos R$ 50 mil, com parte deste valor embutido nos preços dos produtos da tabela da indústria.
Outra saída possível é o uso de um Fiagro ou outro veículo de financiamento direto ao produtor. A taxa final dependerá do risco de crédito do produtor, da estrutura da revenda e da visão do financiador. Os custos giram entre Selic + 3% a Selic + 7%, o que equivale a um desconto na antecipação entre R$ 51.750 e R$ 60.750, sem contar a provisão para inadimplência.
Neste cenário hipotético, o custo total de capital pode variar de R$ 42 mil a R$ 60 mil — uma diferença de até R$ 18 mil, ou 6% do valor da venda.
Vejam só: no stress, um acréscimo de 6%. Esse percentual, sozinho, já é superior ao lucro líquido da maioria das revendas em 2023.
Na prática, o diretor financeiro da revenda precisa combinar diferentes instrumentos de crédito (caixa disponível, financiamento em balanço, prazo da indústria, fundos e outros mecanismos) e fortalecer muito a governança de crédito para reduzir esse custo adicional de capital para o menor nível possível.
No fim das contas, essa orquestração eficiente pode ser a diferença entre uma operação sustentável e outra que opera no limite. Como dito no início: o diabo mora nos detalhes.
Finalmente, para você, meu amigo que levantou sua sobrancelha quando leu as taxas de exemplo que eu coloquei aqui, saiba que são exemplos. O mercado opera em uma variedade de taxas e condições enormes que não era o objetivo aqui cobrir.
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Luiz Tangari, colunista de The AgriBiz, é fundador da Tarken.