Tendências

Por que as margens dos laticínios ainda patinam — e como quebrar a sina

Altamente fragmentada, indústria de lácteos enfrenta desafios para melhorar a rentabilidade, apesar dos recentes ganhos de produtividade na pecuária leiteira

A pecuária leiteira vem passando por um processo de transformação no Brasil, com ganhos de produtividade relevantes nas últimas duas décadas. Mas essa revolução silenciosa, protagonizada por uma elite, resiste a se espalhar por toda a cadeia produtiva, com a maioria dos pecuaristas e laticínios operando com margens apertadas ano após ano — o que rende ao setor a fama de “patinho feio” do próspero agronegócio brasileiro.

Extremamente pulverizado, o setor de lácteos acaba patinando em meio à forte concorrência, que derruba as margens. “Tem muita gente competindo no mercado industrial de leite, é uma indústria bastante fragmentada”, afirma Valter Galan, sócio da MilkPoint. São quase 1.900 indústrias de lácteos no País, segundo o relatório trimestral do IBGE sobre a cadeia leiteira.

E como ocorre em todo mercado quando há muitas marcas entregando produtos parecidos, o resultado são margens apertadas nas principais categorias, entre 3% e 4%. É o caso do leite UHT, destino de 20% da produção nacional, do leite em pó (responsável por outros 20%) e dos queijos, que usam como matéria-prima 40% do total de leite captado no Brasil. Em itens de maior valor agregado, as margens chegam a dobrar, ficando próximas de 8%.

Diante do baixo retorno das operações em leite, grandes multinacionais instaladas no País, como Nestlé e Danone, estão se concentrando em produtos com maior valor agregado, reduzindo a sua participação na captação de leite no País. A Nestlé, por exemplo, hoje compra metade do leite adquirido há dez anos, segundo uma fonte do setor.

Algumas empresas tentaram assumir o papel de consolidadoras nos últimos anos, como a Alvoar, que nasceu da união entre a Betânia e a Embaré, e a Lactalis — líder no mercado de lácteos refrigerados e maior compradora de leite no País, com 2,7 bilhões de litros captados em 2024, segundo a Abraleite (Associação Brasileira dos Produtores de Leite). Mesmo assim, a pulverização continua.

“A Lactalis fez uma série de aquisições e hoje tem 40% entre iogurtes, bebidas lácteas e sobremesas. Mas outros 44% são marcas regionais. Permanece o desafio de inovação em produtos. E, quando há inovação, em seis meses já aparecem outras empresas no mesmo segmento”, diz Galan. Um exemplo conhecido é o iogurte grego. Trazido pela Vigor ao Brasil na década passada, foi rapidamente replicado por quase todos os players.

Armindo José Soares Neto, diretor executivo de captação da Alvoar Lácteos, líder na região Nordeste, também relata uma dicotomia: “Nossos grandes produtores cresceram acima de 10% ao ano, e os médios investiram para crescer. Mas muitos pequenos reduziram ou saíram da atividade”.

Para fomentar a fidelidade, a Alvoar investe em projetos de assistência técnica aos produtores. “No ano passado, nossos programas para compra de insumos significaram redução de custo de R$ 0,15 por litro de leite. É 5,5% do preço de venda, bastante coisa em um setor de rentabilidade baixa”, explica.

O papel da inovação

Em busca de uma maior rentabilidade, a palavra-chave nos laticínios é inovação, tanto para melhorar processos como para diversificar e estimular o consumo.

Na Alvoar, a aposta para ampliar a produtividade dos rebanhos é um sistema de confinamento chamado Compost Barn, que vem aumentando a quantidade de litros de leite por animal.

Marcel de Barros, CEO da Tirolez, uma das líderes no País no segmento de queijos, também relata esforços de inovação para ampliar margens. “O que eu vejo da porta para dentro é que houve nos últimos três anos um processo de automação, principalmente para a produção da muçaarela”, afirma.

Ele relata ainda um investimento na qualificação do leite produzido. “Uma grande oportunidade para elevar a produtividade é o teor de sólidos do leite. São três componentes: gordura, proteína e lactose. O restante é água. Quanto maior o teor de sólidos, melhor é a produtividade”, explica.

Segundo ele, cada litro de leite na Nova Zelândia tem 14,5% de sólidos. Nos Estados Unidos, em torno de 13%. No Brasil, 12%. “Para melhorar, são três variáveis: alimentação, manejo do rebanho e genética.”

O custo da sustentabilidade

Ao cenário de margens comprimidas e pulverização produtiva, soma-se outro desafio: o custo alto de uma produção mais sustentável.

A pecuária é uma das maiores fontes de emissão de metano, o segundo gás de efeito estufa mais abundante no planeta depois do dióxido de carbono. Como ele é gerado durante o processo digestivo dos ruminantes, a pressão é grande pela redução dessas emissões.

Existem suplementos alimentares capazes de diminuir as emissões de metano nos rebanhos, mas seu custo é estimado em R$ 0,06/litro, o equivalente a 3% do preço do leite comprado pela indústria. “Pode parecer pouco, mas em um setor com margens baixas, é um valor muito elevado”, diz Andrés Padilla, especialista do Rabobank Brasil.

Além disso, atingir as metas de sustentabilidade requer um trabalho junto ao produtor, “Mas se daqui a um ano ele for para outro laticínio, fica complexo”, acrescenta o analista.

Ainda assim, há iniciativas em curso, como o projeto Eco, da Alvoar, com foco na redução da pegada de carbono. A iniciativa hoje abrange 200 fazendas e a meta é chegar a mil até 2026, o que significaria 20% do total de fornecedores da empresa.

“A média mundial é de 2,8 quilos de carbono por litro de leite. A nossa é de 2,4 kg/leite no Nordeste e de 1,8 kg/leite em Minas Gerais. Perseguimos um benchmark de 1,4 kg/litro, o padrão europeu”, diz Neto.

Talvez o grande projeto ESG da Alvoar talvez seja financeiro, acrescenta o executivo. “Como me disse um professor, não dá para ser verde estando no vermelho. Quando você produz mais leite com os mesmos recursos, dilui a pegada de carbono. Isso faz ser sustentável do ponto de vista ambiental e de negócio”.

Tendências de consumo

Do lado do consumo, os especialistas identificam algumas novidades. Produtos frescos vêm ganhando espaço em grandes centros, e a mudança demográfica em curso no País sinaliza uma ampliação do consumo de derivados mais sofisticados, incluindo as bebidas proteicas, explica Galan, da MilkPoint.

“As projeções apontam envelhecimento da população e diminuição da natalidade. Com menos crianças no lar, vai ter menos consumo de leite. Por outro lado, com pessoas mais idosas, aumenta o consumo de bebidas funcionais”, completa Padilla, do Rabobank.

***

Entre 15 e 16 de maio, a MilkPoint realiza o MilkPro Summit, um evento em Atibaia (SP) que vai reunir os maiores produtores de leite, grandes laticínios e especialistas para discutir as oportunidades e o futuro da pecuária leiteira no Brasil.

O encontro quer disseminar informações e estimular o crescimento da atividade, mostrando que os ganhos de produtividade dos maiores podem se espraiar por toda a cadeia.