Opinião

O auge do El Niño está chegando. O que fazer?

Corrida para a semeadura de soja pode acabar em replantio com calor escaldante em Mato Grosso; Sul já sente efeitos do El Niño com tempestades severas

O El Niño, fenômeno que vem sendo anunciado há pelo menos seis anos pelos institutos de clima, atingirá o ápice nesta primavera. Na agricultura, as consequências serão diferentes para as diferentes regiões do país. Em todos os casos, é preciso cautela por parte do produtor.

Os primeiros sinais do El Niño, caracterizado pelo aquecimento das águas superficiais do oceano Pacífico equatorial, já começaram a ser vistos na América do Sul, com o aumento da frequência e intensidade das chuvas na Argentina, Uruguai e no Sul do Brasil após três anos seguidos de secas e estiagens — características do La Niña. Atualmente, as águas do Pacífico estão entre 1°C e 2°C acima do normal.

Como consequência, tempestades severas e grandes acumulados de chuva têm sido observados no Rio Grande do Sul neste mês de setembro. A situação não será diferente até dezembro.

Máquina prepara solo para plantio de soja; calor excessivo e semeadura antecipada podem levar a replantio | Crédito: Shutterstock

Normalmente, culturas de inverno, que são sensíveis ao excesso de chuva e à ausência de frio persistente durante o ciclo de desenvolvimento vegetativo, respondem de forma negativa ao El Niño. O arroz irrigado, que tem como lema para uma boa produtividade “água no pé e sol na cabeça”, também será afetado pelo excesso de chuva e baixa luminosidade. Por outro lado, milho e soja costumam ter melhor desempenho produtivo sob aquecimento do Pacífico, apesar da chuva excessiva algumas vezes atrasar atividades de plantio e tratos culturais.

No Sudeste, choveu fora de época em agosto, atrapalhando a finalização da colheita do café. Para a primavera, a tendência é de chuva abaixo da média e calor excessivo. O atraso na regularização das chuvas gera preocupações para a florada do café e da laranja, que podem atrasar. Para a cana-de-açúcar, a demora no aumento da umidade do solo pode atrapalhar o plantio e rebrota.

Calor escaldante

No Centro-Oeste, o vazio sanitário da soja terminou em meados de setembro em parte dos Estados, e algumas precipitações registradas sobre o oeste de Mato Grosso e sul de Mato Grosso do Sul animaram produtores a iniciar o plantio. Mas há riscos.

As elevadas temperaturas, que em alguns municípios de Mato Grosso podem chegar perto dos 45ºC, podem causar escaldadura e perda do poder de germinação da semente — inclusive sobre áreas de irrigação de pivô central. Isso significa risco de replantio. Ainda assim, alguns produtores estão arriscando a semeadura antecipada para não perder a janela de plantio para a segunda safra.

O El Niño pode deixar a chuva mais irregular no outono de 2024, influenciando o desempenho da segunda safra de milho. Então, quanto mais cedo for possível plantar e colher a soja, maior a chance da segunda safra de milho escapar de uma eventual estiagem em abril e maio de 2024. Mas tudo está sendo feito no limite. Se houver alguma falha de chuva, a soja semeada precocemente precisará ser replantada.

Vale pontuar que o calor extremo antes da consolidação das chuvas vem acontecendo com maior frequência nos últimos anos. Desta vez, também há a contribuição do El Niño, mas todos os oceanos do planeta estão mais quentes que o normal, o que vem deixando a temperatura do ar mais elevada. No Brasil, além da influência do El Niño, o Atlântico está mais quente do que o habitual.

Por fim, toda a área produtora de grãos do Nordeste, Tocantins e Pará devem ter uma demora na regularização da chuva. Simulações mais estendidas indicam maior chance de precipitação intensa somente nos meses de janeiro e fevereiro de 2024. Isso não quer dizer que o plantio acontecerá apenas no ano que vem, mas indica que a atividade acontecerá de forma mais lenta e que o período das águas poderá terminar antes do total desenvolvimento das culturas, sobretudo nos Estados do Nordeste.