Mudanças climáticas

Por que a pecuária ignora o produto criado para reduzir emissões de metano

Desenvolvido pela DSM-Firmenich, o Bovaer foi testado por grandes frigoríficos, mas ainda não se provou economicamente viável

Era novembro de 2021 em Glasglow, Escócia. Em uma das mais importantes conferências globais sobre o clima, a COP 26, JBS e DSM-Firmenich fizeram barulho para anunciar uma parceria para a adoção de um suplemento nutricional para melhorar a pegada de carbono na cadeia da carne.

Quase dois anos depois, o aditivo não está mais sendo utilizado pela JBS. Na verdade, nenhum grande produtor de carne no Brasil usa o aditivo, apesar dos muitos testes feitos com ele.

O metano é o segundo gás de efeito estufa mais abundante no planeta depois do dióxido de carbono, sendo responsável por cerca de 18% das emissões globais (o CO2 responde por 75%), segundo dados do IPCC. Sua principal fonte de emissão é o uso de combustíveis fósseis, como o gás natural, mas a agropecuária também é uma grande fonte de metano, que é gerado durante o processo digestivo dos ruminantes.

Bovaer, aditivo desenvolvido pela DSM-Firmenich, não é economicamente viável para uso em larga escala na pecuária | Crédito: Shutterstock

Durante a COP 26, mais de cem países, incluindo o Brasil, aderiram a um compromisso para reduzir as emissões de metano em 30% em dez anos. Foi nesse contexto que a DSM-Firmenich lançou o Bovaer, um produto que chegou a ser apontado como uma das dez maiores inovações para produzir alimentos sem destruir o planeta

Uso no confinamento

O produto poderia ajudar a solucionar um dos maiores problemas ambientais do setor: as emissões do metano entérico, o gás proveniente do arroto do boi. Entre inúmeros anúncios na COP 26, a empresa holandesa divulgou que forneceria o suplemento para testes em um confinamento da JBS com 20 mil animais, em Rio Brilhante (MS), e ambos anunciaram um esforço conjunto para disseminar o Bovaer por toda a cadeia da carne bovina.

Mas o produto não decolou. Até agora, não conseguiu se mostrar economicamente viável. O grande entrave para a inclusão do suplemento na dieta é o custo sem uma contrapartida na receita — e tampouco na produtividade —, segundo fontes do setor consultadas pelo The Agribiz.

“O Bovaer tem um custo que não é justificado somente pela redução nas emissões”, afirma uma fonte em uma das maiores empresas do setor. “É importante que o aditivo traga ganhos zootécnicos, não só resultados do ponto de vista de redução de emissões”, afirma outra graduada fonte em um grande produtor de carne.

Resultados dos testes

O Bovaer é capaz de reduzir as emissões de metano entérico entre 30% e 45% ao provocar uma reação química no rúmen do animal, segundo dados da DSM-Firmenich baseados em testes no Brasil. Considerando que o metano entérico é responsável por cerca de metade das emissões no processo de produção de 1 quilo de carne ou 1 litro de leite, a lógica sugere que usar o Bovaer já seria meio caminho andado para resolver o problema. Mas, no caso do Brasil, a equação não é tão simples.

Durante o período de testes no confinamento da JBS, houve uma redução de 43% nas emissões de metano, segundo Sergio Schuler, vice-presidente de saúde e nutrição animal da DSM-Firmenich. “Mas havia outras prioridades dentro da estratégia de sustentabilidade deles”, afirma.

A JBS informou, por meio de nota, que encerrou com êxito um dos maiores testes em larga escala com o Bovaer e que os resultados serão divulgados oportunamente. A empresa também informou que está investindo em várias frentes e parcerias para aprimorar a produção e diminuir as emissões, incluindo pesquisas em aditivos alimentares e programas junto a fornecedores para aumentar a produtividade do rebanho bovino.

Custo alto

Os custos para adoção do Bovaer na pecuária leiteira giram em torno de R$ 0,06 a R$ 0,08 por litro de leite produzido (ou € 0,01 o litro). No caso da pecuária de corte, o custo varia entre R$ 1,50 a R$ 2,00 por cabeça ao dia (ou € 0,30 a € 0,35 por cabeça por dia), segundo a DSM-Firmenich, ressaltando que os valores podem mudar de acordo com fatores técnicos e volumes comprados.

“O grande desafio é como tornar o produto viável não só em termos de sustentabilidade, mas também econômico e financeiro”, admitiu Schuler. “Como conseguir que ele seja utilizado e percebido na cadeia como um todo”, acrescentou. Se o consumidor pagasse de 5% a 10% a mais pela carne ou pelo leite para ter uma cadeia livre de metano, seria possível implementar o Bovaer, acrescenta.

Atualmente, os dois únicos clientes ativos da DSM-Firmenich no uso do Bovaer no Brasil – a butique de carnes Carapreta e a produtora de leite No Carbon—cobram um prêmio por seus produtos, mas isso já acontecia antes de entregarem uma produção com emissão reduzida de metano. Elas vendem o pacote todo: um produto premium que oferece indulgência, sustentabilidade e bem-estar animal.

“Mas temos novas perspectivas de multinacionais interessadas em começar a usar o Bovaer”, diz o executivo. Segundo Fernanda Marcantonatos, líder em novos negócios em sustentabilidade da DSM-Firmenich, há mais de 15 potenciais clientes em fase de negociação.

Schuler afirma que o custo do Bovaer deve cair nos próximos anos, à medida que a fabricação do suplemento ganhe escala. A DSM-Firmenich está construindo uma fábrica na Escócia—hoje a produção está concentrada na Suíça. Com a nova unidade, que deve ser concluída em 2025, a empresa espera multiplicar por dez as vendas do produto.

Boi a pasto

Outra explicação para a baixa adesão ao Bovaer no maior exportador de carne bovina do mundo está no modelo de produção. Cerca de 90% do rebanho brasileiro, estimado em mais de 200 milhões de cabeças, está no pasto. E o Bovaer é indicado a animais em confinamento, pois a regularidade no consumo está diretamente ligada à sua eficácia

“O nosso boi está no pasto, e fazer essa dieta no pasto não me parece muito factível”, afirma Eduardo Assad, pesquisador da Fundação Getulio Vargas e um dos maiores especialistas no tema. Por isso, ele não vê a adoção de suplementos em escala relevante no Brasil. Aqui, a primeira condição para reduzir as emissões de metano na pecuária é diminuir o tempo de vida do animal até o abate.

“Se a gente conseguir reduzir o tempo médio de abate, que hoje é de 36 meses, para 30 meses, que é o boi China, ou ir mais além que é o boi de 24 meses, podemos reduzir as emissões de metano em 30% com o manejo”, diz Assad. Com o manejo correto e melhor qualidade das pastagens, é possível continuar reduzindo o tempo de vida do animal.

Curiosamente, o protocolo de exportação de carne bovina para a China, que exige animais com no máximo 30 meses de idade, já foi um incentivo para o ganho de produtividade na pecuária. A restrição chinesa, no entanto, foi adotada por outro motivo: uma precaução (vista por muitos como excessiva) ao risco de casos atípicos do mal da vaca louca.

Alternativas

Para atingir as suas ambiciosas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos — muitas delas assumidas na COP de Glasglow —, as empresas de carne bovina abriram diferentes frentes.

Mudanças no manejo, por exemplo, já começaram a ser percebidas no aumento do peso médio das carcaças —que subiu 11% na última década —, na redução da idade de abate e na maior inclusão de animais em confinamento ao final do ciclo.

Frigoríficos e pecuaristas também estão testando alternativas ao Bovaer na nutrição. Os aditivos podem não ser tão eficientes na redução do metano, mas, além de emissões mais baixas, esses produtos propiciariam também outros ganhos nutricionais ou zootécnicos, melhorando a equação de custo para o pecuarista.

Um deles, o SilvAir, é produzido pela divisão de nutrição animal da Cargill. O aditivo também atua no rúmen dos animais, mas essa tecnologia permite capturar o hidrogênio (subproduto do processo digestivo) antes que ele seja transformado em metano.

“Estamos realizando um projeto nesse exato momento em um grande confinamento, onde a combinação do uso do BeefMax (um software da Cargill) na otimização das dietas e a inclusão do SilvAir permitiram reduzir as emissões de metano em mais de 20%”, diz Marcelo Dalmagro, diretor de marketing e inovação da Cargill.

Ele explica que a fração do hidrogênio capturada pelo aditivo é transformada em proteína microbiana, principal fonte de aminoácidos para os ruminantes, o que contribui para otimizar a deposição de proteína na carcaça. Ou seja, há um ganho adicional à redução do metano, principal demanda do pecuarista.

A italiana Silvateam também tem oferecido aos pecuaristas um suplemento alimentar capaz de reduzir as emissões de metano. A empresa familiar, que já está na quinta geração, começou fabricando um produto a base de taninos para aplicação em curtumes há mais de cem anos. Tornou-se uma grande especialista na extração e aplicação de óleos vegetais, desenvolvendo uma área de nutrição animal.

Uma de suas recentes descobertas foi que uma mistura de taninos, desenvolvida para melhorar a conversão alimentar e ganho de peso, que também é capaz de proporcionar uma redução nas emissões de metano entre 10% e 20%, segundo Marcelo Manella, diretor técnico e comercial de bovinos da Silvateam no Brasil.


“A redução nas emissões de metano é uma consequência”, afirma Manella. Segundo ele, cerca de 5 milhões de animais, ou 20% do rebanho confinado no Brasil, fazem uso desse suplemento, que leva o nome comercial de BX.

Especialistas, no entanto, pedem mais estudos científicos para que esses produtos sejam adotados como principal estratégia na redução do metano. “Faltam comprovações científicas suficientes”, diz Assad. O manejo, por enquanto, ainda é a melhor saída, completa.