Um ano e meio depois de vender 80% da WayCarbon para o Santander, o mineiro Felipe Bittencourt fala com entusiasmo sobre o novo momento da empresa que fundou há 17 anos ao lado de outros quatro jovens recém-formados em Belo Horizonte. Com o caixa recheado, a consultoria especializada em clima está desenvolvendo projetos próprios de créditos de carbono e dando os primeiros passos em um processo de internacionalização.
“Com o Santander, temos mais apetite para fazer coisas mais desafiadoras”, disse Bittencourt, que permaneceu como CEO da WayCarbon após o M&A mesmo sem um disposição contratual para tal.
Um dos maiores desafios está no Acre. A empresa está trabalhando em dois projetos de carbono em 50 mil hectares no Estado, que traz os obstáculos típicos da região amazônica.
“Para conseguir terra com qualidade, com garantia de que não é terra grilada, sem sobreposição com área indígena, do governo etc., prospectamos 7 milhões de hectares. Retiramos 50 mil. Gastamos milhões para ter a terra para começar a fazer um projeto de carbono”, afirmou o CEO ao The Agribiz.
Os projetos de carbono no Acre são do tipo REDD+, ou seja, viabilizam a redução de emissão de gases de efeito estufa por desmatamento evitado. “São áreas que têm uma pressão forte por desmatamento, e onde é mais barato você proteger do que plantar florestas novas”, explicou Bittencourt. A ideia dos projetos é gerar benefícios à população local. “Nosso objetivo é ter um projeto de extrema qualidade, focado muito no social, que vai gerar crédito de carbono de alta qualidade”.
Com seus próprios projetos, o grande diferencial da WayCarbon é ter o controle total do processo, enquanto a maioria das empresas acaba terceirizando parte de seus projetos de carbono, gerando alguns riscos de qualidade.
“Será que os benefícios sociais estão mesmo acontecendo lá, no meio da floresta amazônica? Vamos garantir isso porque estaremos lá do começo ao fim — da identificação da terra à comercialização dos créditos”, disse o CEO.
P&D em carbono
Após a entrada do Santander no negócio como acionista majoritário, a WayCarbon passou também a investir mais em projetos de pesquisa e desenvolvimento de longo prazo, a partir de dez anos.
Um deles estuda a redução da pegada de carbono da pecuária por meio da ração animal. Embora suplementos alimentares capazes de reduzir as emissões de metano entérico (do arroto dos animais) já estejam disponíveis no mercado, como o Bovaer da DSM-Firmenich, o custo alto ainda é um grande entrave para a adoção em escala.
Se esses aditivos fossem usados no contexto do mercado de carbono, a equação poderia mudar. É aí que entra o time de P&D da WayCarbon, que vai registrar o projeto com algumas milhares de cabeças de gado, gerar os primeiros créditos de carbono e levá-los a mercado para testar a atratividade deles, explicou Bittencourt.
“Ninguém nunca testou o uso desses aditivos para projetos de carbono. Alguém tem que fazer isso e vamos fazer. A fermentação entérica é um tema crítico no contexto de proteína animal para o mundo e no Brasil”, disse. O desenvolvimento desse projeto deve levar cerca de um ano meio, segundo o fundador da Way Carbon.
O CEO revelou também que outra equipe de P&D está dedicada ao desenvolvimento de um fertilizante que aumenta a quantidade de carbono no solo, também visando a venda de créditos futuramente.
Internacionalização
A empresa também está começando a se internacionalizar, justificando o racional do M&A ter sido feito pelo Santander Espanha, e não pela franquia brasileira do banco. A WayCarbon, cujo número de funcionários mais que dobrou desde a transação com o Santander, já tem pessoas em Portugal e na Alemanha.
Atualmente, a tecnologia da WayCarbon — como o seu software de gestão climática e ESG— já está em 37 países por meio de empresas brasileiras que operam no exterior ou multinacionais que contrataram os serviços aqui no Brasil, mas a intenção agora é vender os serviços diretamente a firmas estrangeiras.
“Queremos fortalecer isso justamente porque temos um parceiro estratégico que é internacional. Queremos crescer fora também, e é crescendo que a gente aumenta o nosso impacto e cumpre o nosso propósito”, diz Bittencourt. A presença do Santander na companhia também deve ajudar na comercialização dos créditos de carbono que serão gerados com os novos projetos. “Com sua mesa de negociação de créditos de carbono, o Santander pode achar os clientes premium que buscam os créditos premium que nós vamos gerar”.
O agro fora do mercado de carbono
A WayCarbon também está diretamente envolvida na regulamentação do mercado de carbono no Brasil. Ao lado da ICC Brasil (Câmara de Comércio Internacional), vai trabalhar em recomendações para o desenho do mercado regulado em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. O projeto é financiado pelo UK Pact, iniciativa do Reino Unido de combate às mudanças climáticas.
A ausência do agro no texto aprovado pelo Senado é encarada com tranquilidade por Bittencourt, que vê a lei como parte essencial de um longo processo que vai culminar na participação do agro, mais cedo ou mais tarde.
“Se é para fazer a agenda andar e termos a lei, tudo bem o agro não estar agora. O Brasil precisa começar”, disse Bittencourt, lembrando que a regulamentação do mercado de créditos de carbono tem sido preconizada desde 2009.
Segundo ele, cerca de 25% das emissões do mundo estão reguladas e têm precificação no mercado de carbono, o que inclui países comparáveis ao Brasil, como a Colômbia, México, África do Sul e Coreia. “É uma baita vitória finalmente termos mercado regulado de carbono no Brasil”.
Na visão de Bittencourt, a complexidade de estudos para medir a pegada de carbono no agro não impede a participação do setor no mercado. “O Brasil daria conta. Alguns setores do agro, por exemplo, são até mais especialistas. O pessoal do etanol e do açúcar, por causa do Renovabio, sabem a intensidade de carbono planta a planta. É fenomenal.”
“Meu sentimento é que, daqui a alguns anos, quando o mercado estiver funcionando, se bobear vai ser uma vontade do agro entrar”, afirmou Bittencourt.
O agro como solução climática
Para o CEO da WayCarbon, o agro brasileiro pode se tornar um fornecedor de soluções climáticas, o que pode ajudar a transformar a imagem do setor no exterior, deixando de ser encarado como um driver do desmatamento.
A relevância do agro para a estratégia da WayCarbon, aliás, está clara desde a aquisição. Carlos Aguiar, o executivo à frente da área da agro do Santander desde 2015, é membro do conselho de administração da consultoria e entusiasta do projeto liderado por Bittencourt.
Na oferta de soluções climáticas, uma das oportunidades para o agro brasileiro é a demanda esperada para biocombustíveis nos próximos anos. “Vamos precisar de 150% mais de biocombustíveis até 2030. O Brasil tem tudo para ter um boom nesse setor. O potencial do etanol para combustível de aviação, marítimo, para geração de hidrogênio é enorme”, citou Bittencourt.
Outra grande oportunidade é a atividade de reflorestamento para fixação e remoção de carbono no solo. “Várias empresas estão assumindo o compromisso de reflorestar. Bilhões de dólares devem vir para o Brasil por causa disso, mas não tem muda, semente e mão de obra o suficiente. Desenvolver a cadeia de valor será fundamental.”