Meu marido é chileno de Calama, uma cidade ao norte do Chile, próxima a São Pedro, no coração do deserto do Atacama. A única coisa que se produz em volume lá é cobre e outros minérios. Região de recursos limitados, terras cultiváveis limitadas, temperaturas que oscilam dos 0 aos 40°C em alguns períodos do ano. O norte, o Norte Grande, tem um pouco de população que desce pelos Andes ocupando o entorno dos rios que seguem até o Pacífico. São pequenos fios de água. Isso acontece cada 300-400 km aproximadamente de leste para oeste. E é isso.
O ponto é que o Alejandro mora no Brasil há 15 anos e ainda fica estarrecido com a oferta de boas e saborosas frutas ao longo de todo o ano. A abundância de cereais, carnes, verduras e nozes realmente faz contraste com uma terra tão dura quanto a chilena que, ainda assim, encontrou por algum tempo o caminho da prosperidade. Mas isso é papo para outra hora.
Por um feliz alinhamento de astros, tudo o que favorece a produção acontece por aqui: clima, topografia, disponibilidade de recursos hídricos, extensão territorial (especialmente em áreas agricultáveis), biodiversidade, população. Assim, de importador de alimentos na década de 70, tornou-se um dos principais exportadores globais e que alimenta mais de 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo.
Isso foi possível através de pesquisa, empreendedorismo sem garantias e um aumento produtivo de 400% de lá para cá, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Como? Através da implantação de tecnologia e muito investimento. A PTF (produtividade total dos fatores) é a relação entre o índice de produto total e o índice de uso de insumos, ou seja, a PTF representa a diferença entre as taxas de crescimento do produto total e do uso de insumos. Enquanto houve 87% de aumento de produtos agrícolas no período estudado, os insumos cresceram 13%, o que reflete eficiência porteira dentro.
No contexto da produção agropecuária nacional, a expansão do capital na forma de máquinas, fertilizantes e defensivos tem superado o crescimento dos demais fatores, como terra e mão de obra. Isso é eficiência pura e puro progresso.
O efeito disso? As regiões de fronteira agrícola mais recentes, como Centro-Oeste e Norte, foram as únicas com aumento populacional maior do que a média nacional, informação trazida pelo último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). As pessoas estão migrando de regiões pobres para as agrícolas do Mato Grosso, Tocantins e Rondônia em busca de melhores oportunidades, já que os PIBs (produto interno bruto) desses estados cresceram em ritmo muito superior ao de vários outros e mais do que o dobro da média paulista.
De acordo com a FGV Social, a renda per capita do trabalho no Centro-Oeste é a maior do país.
O que se observa é o aumento do emprego, da renda e de acesso a infraestrutura nessas regiões, o que fez diminuir a desigualdade, objetivo tão perseguido pelos acadêmicos no Brasil. O coeficiente de Gini (que mede a desigualdade) indica um fator de 0,57, o que torna o Centro-Oeste a segunda região menos desigual do país, atrás apenas da região Sul, com 0,54 (quanto mais baixo o coeficiente, menor a desigualdade). O Sul, vale lembrar, tem no agronegócio seu bastião econômico já há muitas décadas.
Vamos falar de pecuária? Recentemente, o IBGE anunciou um rebanho de 234,4 milhões de cabeças para 2022, por meio da Pesquisa Pecuária Municipal, a PPM. Apesar de um ajuste metodológico levar o nosso cálculo aqui na Agrifatto a indicar 212 milhões de cabeças, isso significa que possuímos praticamente uma cabeça de bovino por habitante. Tem gente que acha absurdo, mas eu digo que deter esse ativo é uma vantagem imensa.
Afinal, esse mesmo rebanho foi capaz de abater 34 milhões de cabeças no ano passado, o que resultou em uma produção de 9,1 milhões de toneladas de carne bovina.
Apesar de ainda alto ao varejo doméstico, especialmente quando consideramos o combalido poder de compra do consumidor brasileiro e seu alto nível de endividamento, o preço da carne brasileira no mercado internacional se manteve entre o mais baixo dentre os concorrentes, reflexo da nossa eficiência produtiva.
O Brasil foi o maior exportador global de carne bovina em 2022, quando os embarques somaram 2,85 milhões de toneladas. Já o consumo per capital fechou o ano em 32 kg/hab/ano.
Dados do Cepea indicam que o agronegócio foi responsável por gerar 27% dos empregos nacionais diretos, e estima-se que apenas a pecuária tenha abocanhado 8%. São mais de 8 milhões de pessoas ocupadas diretamente na agropecuária, sem contar os outros 19 milhões das áreas de insumos, indústria, serviços do agronegócio e outros.
Além disso, o agronegócio foi responsável por 25% do PIB brasileiro, ou seja, são 2,6 trilhões de reais em valor de produção.
Ainda, a Embrapa estima que o Brasil detenha 66% do seu território preservado e que, em média, 50% das áreas dos imóveis rurais privados seja composta por florestas.
E isso tudo é facilmente percebido e impressiona qualquer estrangeiro que passe um tempinho para realmente conhecer a enxurrada de alimentos variados que tem por aqui.
Internamente, porém, temos produzido materiais como o seguinte, veiculado a milhões de estudantes no último domingo através da prova do Enem 2023:
Mas de que adianta o setor se ouriçar todo com a questão em questão? Já que o que mais espanta é que o exame certamente representa apenas a cereja do bolo: a massa e o recheio têm sido cozinhados dentro das salas de aula diuturnamente e por anos a fio.
Alguém — ou muitos — não tem feito o dever de casa e estudado o mínimo antes de “educar” os mais de 47 milhões de estudantes do país. E, dado que 85% da população brasileira é urbana, isso tem distorcido à exaustão e tornado anacrônicas as percepções sobre a agropecuária nacional.
Longe de ser uma questão meramente filosófica, essa percepção errônea leva à criação de políticas que trazem incontáveis barreiras ao aumento produtivo e, por consequência, ao desenvolvimento de regiões mais pobres, que poderiam se valer da produção agropecuária como trampolim para virar um Mato Grosso da vida, à exemplo da recente relativização do Marco Temporal das Terras Indígenas ou à barreira legal ao acesso a defensivos mais modernos e que exigem menor volume de aplicação.
Como disse Jean Jacques Rousseau, “O comércio produz riqueza, mas a agricultura garante a liberdade”. Ao que parece, é exatamente a liberdade que não querem que tenhamos como país e, principalmente, como indivíduos.
Enquanto isso, a pobreza se jubila no atraso mental de nossos estudantes e, a concorrência, na falta de competitividade da mão de obra brasileira.
*Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e sócia-fundadora da Agrifatto