Frigoríficos

Minerva x Marfrig: O imbróglio das descontinuadas

Ainda tentando reconquistar a confiança dos investidores, companhia dos Vilela de Queiroz chamou atenção para "falta de sentido" nos resultados da concorrente

Desde que a Minerva Foods anunciou a aquisição de um pacote de frigoríficos da Marfrig, uma transação de R$ 7,5 bilhões que vai ampliar o domínio sobre o comércio de carne bovina na América do Sul, a companhia dos Vilela de Queiroz vem encarando o mau-humor dos investidores.

Anunciado no fim de agosto, o M&A desencadeou um sell-off das ações da Minerva. De lá para cá, a companhia perdeu um terço de seu valor de mercado. Atualmente, a empresa está avaliada em R$ 4,1 bilhões. No ano, as ações caem 41,7%.

Na última terça-feira, a companhia reuniu uma plateia de cerca de 200 pessoas, formada majoritariamente por analistas e investidores, para falar das perspectivas para os próximos anos.

Realizado no teatro B32, onde fica a já icônica baleia da Faria Lima, o Minerva Day foi mais uma tentativa dos executivos para demonstrar a confiança na integração dos ativos e na capacidade de reduzir o endividamento após a aquisição, que ainda aguarda a aprovação dos órgãos antitruste.

A ocasião também serviu para a Minerva tentar eliminar os ruídos que vêm atrapalhando suas ações. Se é verdade que o mercado ainda não digeriu o valor do M&A, considerado excessivamente caro por alguns analistas, os dados financeiros divulgados pela Marfrig também não ajudaram.

Receita subestimada

Para tentar dirimir as dúvidas dos analistas sobre os resultados dos frigoríficos que a Marfrig vendeu e como esses resultados podem atrasar o processo de recomposição de margens, Edison Ticle, diretor financeiro e de relações com investidores da Minerva, aproveitou o encontro para chamar atenção para a falta de sentido dos resultados da concorrente.

Antes de abrir a seção de perguntas e respostas, Ticle avisou que iria se antecipar a uma questão que certamente seria feita. “Vou antecipar e começar falando dos números que foram divulgados no terceiro trimestre em relação a operações continuadas e descontinuadas. Teve um ruído muito grande”, iniciou.

O executivo se referia às demonstrações financeiras da Marfrig. Pelas regras contábeis, quando um ativo é colocado à venda ou está em processo de alienação, os dados passam a entrar numa linha de “operações descontinuadas”. O restante fica nas “operações continuadas”.

A partir desses números, alguns analistas tentaram estimar quão abaixo da média estavam os resultados das operações descontinuadas da Marfrig, até para compreender melhor os desafios que a Minerva terá para integrar o pacote de frigoríficos que está comprando por R$ 7,5 bilhões. Os cálculos indicavam discrepâncias grandes, o que sugeria mais dificuldades para a companhia dos Vilela de Queiroz.

Comparando as operações

Na apresentação aos analistas, Ticle traçou algumas comparações para mostrar que os dados não fazem sentido. “Parece que há uma superestimação do que vai ficar dentro da companhia [a Marfrig] e uma subestimação do que vai sair [e ficar com a Minerva].  Não sei o porquê”, disparou.

Entre as discrepâncias, o diretor financeiro da Minerva citou a receita por cabeça de gado abatida. Enquanto os ativos descontinuados registraram uma receita de R$ 3 mil por cabeça, o que permanece com a Marfrig fez uma receita líquida de R$ 11 mil.

Norberto Giangrandi (presidente do conselho), Luiz Ricardo Alves Luz (COO), Fernando Galletti de Queiroz, Edison Ticle (CFO), Marcos Troyjo (conselheiro) e Alexandre Mendonça de Barros (conselheiro)
Norberto Giangrandi (presidente do conselho), Luiz Ricardo Alves Luz (COO), Fernando Galletti de Queiroz, Edison Ticle (CFO), Marcos Troyjo (conselheiro) e Alexandre Mendonça de Barros (conselheiro), na sessão de perguntas e respostas do Minerva Day

A diferença em Ebitda é ainda maior. Nas operações descontinuadas da Marfrig, onde está o pacote de frigoríficos vendido à Minerva, o Ebtida por cabeça é de apenas R$ 260, ao passo que as operações continuadas geraram R$ 1.600.

Para se ter uma base de comparação, a operação brasileira da Minerva fez uma receita de R$ 6,6 mil e R$ 670 de Ebtida, por cabeça abatida. Se os ativos descontinuados da Marfrig tivessem as mesmas métricas da Minerva, a receita líquida no terceiro trimestre deveria ter sido de R$ 3,9 bilhões, e não de apenas R$ 2,1 bilhão como reportado.

Na receita por quilo de carne produzida, a Minerva fez uma receita de R$ 24, 63% acima do indicador da consultoria Scot — referência em pecuária — para o preço da carne com osso.

Os dados divulgados pela Marfrig para as operações descontinuadas ficaram 10% abaixo da média da Scot. Na operação continuada, a companhia de Marcos Molina teria conseguido vender a R$ 41 por quilo, contra R$ 15 do indicador da Scot.

“Não parece fazer muito sentido”, reiterou Ticle. “Como sabia que essa pergunta ia vir, me preparei para deixar tudo esclarecido”, emendou.

Para uma fonte da indústria, a reação da Minerva é que não faz sentido, fazendo contas com dados de abate sem considerar o que a companhia produz de processados (hambúrguer, carne cozida e vegetais).

Reação dos analistas

Para analistas que acompanharam o encontro, as comparações apresentadas pela Minerva ajudaram a entender as discrepâncias. “Faz bem mais sentido”, disse um deles. “Evidencia que os números da Marfrig não fazem sentido”, acrescentou outro.

Uma das principais explicações para a receita das operações descontinuadas estar bem menor do que a realidade da indústria pecuária sugere é o efeito das vendas intercompanhia, uma receita que no último balanço entra nos resultados continuados da Marfrig.

Para outro especialista, os ruídos não são uma questão da Marfrig, mas um reflexo do preço pago pela Minerva. “Esse preço só fazia sentido quando a China pagava US$ 7 mil pela tonelada da carne”. Hoje, Pequim paga perto de US$ 5,5 mil.

Estima-se que, com as vendas intercompanhia, a receita dos ativos que a Minerva comprou da Marfrig teria ficado mais próxima de R$ 2,7 bilhões, com uma margem Ebitda da ordem de 6%, um número mais factível e que faria a melhora de margem que a companhia dos Vilela de Queiroz atingir fazer mais sentido. Em geral, a Minerva ganha de dois a três pontos de margem nas aquisições que faz.

“Os números mostrados tangibilizam melhor o desvio”, disse um analista do sell side que acompanhou a apresentação de terça-feira, lembrando que outro fator relevante para o resultado da operação que a Minerva comprou é a forma como a Marfrig alocou de custos na estrutura (continuada ou descontinuada).

Para alguns, a Marfrig poderia ter ajudado a guiar o mercado apresentando dados gerenciais, já que a contabilidade fria das operações continuadas seria sempre mais difícil pela relação com as vendas intercompanhia.

Na prática, os resultados mais precisos só serão conhecidos quando a Minerva assumir as operações em 2024. Afinal, um M&A entre velhos rivais seria mesmo difícil sair sem algumas rusgas.

No fim das contas, a recuperação da confiança dos investidores da Minerva também passa pela melhora dos preços da carne na China (algo que vem teimando em não ocorrer) e da desalavancagem após a conclusão da aquisição.

“O mercado é soberano. Nós vamos ter que ralar para entregar o que estamos falando para vocês. Nunca estive tão seguro nessa companhia”, garantiu o economista Alexandre Mendonça de Barros, que é membro do conselho de administração da Minerva há 15 anos.