Usinas

Açúcar ou etanol? A boca de jacaré que opõe curto e longo prazo

O etanol como combustível de aviação é o futuro das usinas, mas para chegar vivo no longo prazo, quem está remunerando é o açúcar, diz Itaú BBA

A indústria sucroalcooleira vêm de anos de boa rentabilidade em boa parte graças aos preços do açúcar, mas margens costumavam ser parecidas, fossem as usinas mais açucareiras ou alcooleiras. Esta última safra, no entanto, trouxe um elemento novo que deve começar a mexer com a organização dos players do setor: a diferença entre os preços do açúcar e do etanol aumentou enormemente.

“Sempre víamos as curvas de preço de açúcar e etanol se cruzando em algum momento. Mas a safra 2023/24 mostra que a distância (entre os preços das duas commodities) ficou muito grande e não vemos elementos que façam esses preços convergirem”, diz Pedro Fernandes, diretor de agro do Itaú BBA e um dos maiores especialistas na concessão de crédito a usinas.

O descolamento de preços provocou aumento no mix de produção de açúcar acima do limite histórico durante toda a safra, além de investimentos para elevar a produção do adoçante. Cerca de 2 milhões de toneladas de açúcar devem ser adicionadas à capacidade atual nas próximas duas safras, segundo estimativas do Itaú BBA.

Como essa oferta adicional vai entrar em um mercado global deficitário, encontrará preços de açúcar ainda elevados, proporcionando uma boa rentabilidade às usinas que conseguirem produzir mais açúcar. Mas as destilarias continuarão enfrentando um cenário desafiador com o aumento da oferta de etanol de milho e cotações ligadas à política de preços da Petrobras.

Discrepância de margens

“Grupos alcooleiros e açucareiros se beneficiaram igualmente até março de 2023. A partir da safra 2023/24, a história é diferente”, disse Fernandes. Para ele, essa diferença nas margens pode gerar oportunidades de consolidação, ampliando a concentração no setor.

Pedro Fernandes, do Itaú BBA
Pedro Fernandes, diretor de agro do Itaú BBA, prevê um “desafio importante” para usinas mais concentradas no etanol | Crédito: Divulgação

A referência de tempo citada por Fernandes reflete o comportamento distinto apresentado pelos preços das duas commodities. Desde março, o preço do açúcar passou de aproximadamente US$ 0,20 por libra-peso para o recorde de US$ 0,28 em novembro — hoje, está em torno de US$ 0,25 na bolsa de Nova York. Ao mesmo tempo, o preço do etanol hidratado equivalente caiu dos cerca de US$ 0,20 por libra-peso para algo perto de US$ 0,13, segundo cálculos do Itaú BBA.

“A discrepância de margem entre as empresas vai ser relevante. Será um desafio importante para quem está concentrado em etanol e, principalmente, para quem tem os custos atrelados ao Consecana”, acrescentou o executivo, referindo-se à referência de preços pagos aos fornecedores de cana-de-açúcar.

Etanol no longo prazo

Se no curto prazo quem está garantindo margens atraentes é o açúcar, no longo prazo é possível que haja uma reversão, observou Fernandes. Na avaliação do banco, o futuro da indústria está na expansão dos biocombustíveis, com o desenvolvimento de novos produtos como o SAF (combustível sustentável de aviação). “Mas, para chegar vivo no longo prazo, quem está remunerando é o açúcar”, disse Fernandes.

Quanto aos produtores de etanol de milho, a expectativa é de que eles consigam manter a competividade em relação ao biocombustível de cana, mesmo com a perspectiva de aumento de preço para o milho no mercado interno devido às incertezas com a safrinha.

Como o preço do DDG costuma acompanhar o comportamento do preço do cereal, ele acaba preservando as margens dos produtores de etanol de milho, lembra Annelise Izumo, analista da consultoria agro para o setor de etanol.

O gerente da consultoria agro do Itaú BBA, César de Castro Alves, acrescentou que os produtores de etanol de milho conseguem ter mais flexibilidade, pois podem atuar nas duas pontas. “Se o milho está barato, eles ganham com o etanol. Se o milho sobe e eles estão estocados de milho, eles ganham com a venda do grão”, lembrou.