ENTREVISTA

Os planos da Alvoar, o laticínio do Nordeste que atraiu a IFC

Bruno Girão, CEO da companhia, explica a estratégia após o aporte minoritário feito pelo braço de investimentos privados do Banco Mundial

Em um país de inegável vocação para a produção e fornecimento global de alimentos, o leite sempre foi um “patinho feito”. A expressão é de Bruno Girão, o empresário cearense que comanda a Alvoar Lácteos, dona das marcas Betânia, Embaré e Camponesa.

À frente do quinto maior laticínio do país, Girão quer ser um exemplo de uma nova era na indústria de lácteos brasileira, mudando os padrões de produtividade que ainda tiram competitividade da produção nacional de leite.

Depois de algumas tentativas frustradas de consolidação — a antiga LBR, outrora dona da Parmalat, é o maior símbolo dos erros —, o empresário também acha que o processo de concentração agora está ocorrendo do jeito certo.

“No passado, tivemos arroubos de concentração feitos por outsiders, investidores do mercado financeiro. Agora, não. Está sendo feito por quem está no ramo há muitos anos”, disse Girão em uma entrevista ao The Agribiz.

Consolidação dos laticínios

Os maiores exemplos disso talvez sejam a gigante francesa Lactalis, que abocanhou uma fatia relevante do mercado brasileiros com M&As nos últimos anos, e o Laticínios Bela Vista, que é dono da Piracanjuba e assumiu o negócio de leite longa vida que era da Nestlé.

A Alvoar também se preparou para estar entre as líderes desse jogo, formando um negócio de R$ 4,8 bilhões em faturamento. Há dois anos, a companhia foi criada a partir da fusão da cearense Betânia — laticínio fundado pela Luiz Girão, pai de Bruno — com a Embaré, grupo de Minas Gerais bem-posicionado no fornecimento de leite em pó na região Nordeste.

O mais recente movimento foi anunciado há poucas semanas, quando a Alvoar concluiu a entrada da IFC, o braço de investimentos privados do Banco Mundial, no capital da companhia. Com um aporte de cerca de R$ 160 milhões (US$ 32,4 milhões), a Internacional Finance Corporation se tornou sócia minoritária do laticínio.

Laticínio da Alvoar

Com isso, a Alvoar passou a contar com quatro grupos de acionistas: além dos Girão e da IFC, as famílias Antunes e Schmidt (que eram sócias originais da Embaré) e a firma de private equity Arlon, que comprou uma participação na Betânia em 2017.

“Com toda sua reputação, a IFC escolheu uma empresa com sede no Nordeste. Ou seja, ela enxerga na Alvoar uma empresa crível e séria. Se não, não estaria associando o seu nome ao nosso”, comemora Girão.

Com governança típica de uma empresa listada em bolsa, a Alvoar estreou no mercado de capitais no fim do ano passado, em um CRA encarteirado pelo Fiagro da AZ Quest. No médio prazo, Girão também vislumbra um IPO. “Podemos acelerar o crescimento se a bolsa permitir, mas isso passar por uma série de condições que não depende de nós”.

Estrutura de capital

Com a injeção de capital da IFC, a Alvoar equilibra a estrutura de capital, ficando com uma alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) próxima de 1,8 vez no fim deste ano. A ideia da Alvoar é seguir desalavancando. “Queremos operar abaixo de 1 vez, que é onde entendemos que é super confortável”, contou.

Em uma indústria que trabalha com margens apertadas, é preciso manter o índice de endividamento em níveis baixos para conseguir investir de forma sustentável, argumentou. Usualmente, a margem Ebitda oscila entre 4% e 6%.

“Esse é um setor que precisa ter baixo endividamento para crescer. Por isso, abrimos mão de participação”, afirmou Girão. Segundo o empresário, o balanço equilibrado dará tranquilidade para a Alvoar continuar crescendo. Um dos planos é ampliar a participação da companhia em queijos, o que pode incluir a construção de uma nova fábrica.

“Acredito que a indústria láctea brasileira que vai dar certo é multiprodutos, e não de nicho. E quando olhamos o nosso portfólio, a categoria de queijos está subdimensionada”, sustentou. Atualmente, os queijos representam de 5% a 6% das vendas da Alvoar. “Pode ser muito mais. É uma categoria de desejo”, disse Girão.

Com o envelhecimento da população, a tendência — não só brasileira, mas global — é que as pessoas “comam” mais leite ao invés de beber. “E não é só na forma de queijo. É na forma de whey protein também”, disse Girão.

Produtividade

Com oito laticínios — dois em Minas Gerais, três na Bahia e o restante no Ceará, Pernambuco e Sergipe —, a Alvoar é líder no Nordeste, possuindo uma vantagem logística importante para vender na região, sobretudo nas vendas de lácteos frescos e líquidos.

No leite em pó, um produto importante no Nordeste, a Alvoar faz um terço das vendas, mas precisou suar neste ano diante da forte competição com os produtos importados do Uruguai e Argentina, dois países muito mais competitivos na produção de leite que o Brasil.

A inundação de leite em pó importado, aliás, provocou uma corrida da indústria láctea e dos produtores para Brasília. O governo atendeu aos pleitos, com medidas tributárias que tendem a desestimular que laticínios tragam leite do exterior.

Criação de vaca leiteira que fornece para a Alvoar
Pecuária leiteira do Brasil ainda precisa ganhar produtividade para reduzir diferencial para Uruguai e Argentina | Crédito: Divulgação

Costumeiramente, o Brasil importa 3% do consumo de lácteos, mas neste ano o desequilíbrio de preços vai fazer as importações representarem 10%, calculou. Com as mudanças tributárias, vai ficar praticamente inviável para um laticínio importar. “Achamos pode ter um equilíbrio”.

Apesar disso, a agenda da produtividade é incontornável para melhorar a competitividade brasileira. “Continuamos sendo o patinho feio do agro brasileiro. Nosso leite ainda não é competitivo, mas está acontecendo uma mudança estrutural na produção de leite”, disse Girão.

Com a produção em confinamento, já é possível ganhar muita produtividade. “Há fazendas em processo acelerado de confinamento. A mesma vaca que produz 20 litros por dia no sistema não confinado passa a produzir 30 litros no confinamento”, afirmou o empresário.

Só assim será possível reduzir a imensa vantagem competitiva de uruguaios e argentinos, que está relacionada à escala de produção e à proximidade com os grãos. Lá, o custo de produção do leite está em 30 centavos de dólar, enquanto a média internacional é de 48 centavos de dólar, segundo Girão.

A produtividade também está na ordem do dia da IFC para ajudar a reduzir as emissões de CO2 da pecuária leiteira. “O mundo precisa passar por um transição de baixo carbono justa e o leite é uma das cadeias que mais gera mão-de-obra e reduz a pobreza”, ressaltou Girão. Na Alvoar, são 6,5 mil fornecedores.