Follow-on

Marcos Molina tira R$ 4,5 bi da cartola e se associa à Salic para capitalizar BRF

Salic e Marfrig se comprometeram a injetar até R$ 4,5 bilhões na dona da Sadia, melhorando a estrutura de capital da endividada companhia . "Ou é isso ou ter o risco de quebrar”, diz um analista.

Marcos Molina tirou outro coelho da cartola. Dois anos após protagonizar um dos takeovers mais arrojados do mercado de capitais, o empresário costurou um acordo surpreendente com a Salic — firma de investimentos do reino da Arábia Saudita — para fazer um aumento de capital de R$ 4,5 bilhões na BRF.

A injeção de capital tem potencial para resolver a estrutura de capital da BRF ao mesmo tempo em que traz um sócio capaz de criar uma condição competitiva inigualável na Arábia Saudita, um dos cinco maiores importadores da carne de frango nacional.

Pelos termos do acordo anunciado durante esta manhã, a Salic se comprometeu a subscrever 250 milhões de ações num follow-on, desde que o preço não passe de R$ 9,00. A Marfrig, controladora da BRF, também concordou em apresentar um compromisso da mesma magnitude. Com isso, garantem R$ 4,5 bilhões.

O mercado gostou da oferta. Às 10h34, as ações da BRF subiam mais de 13% e as da Marfrig, 6%. A R$ 9,00 por ação, a oferta embute um prêmio de 23% sobre o fechamento de ontem, mas ainda é uma bagatela para os sauditas considerando a derrocada dos papéis nos últimos anos. Para se ter uma ideia, no follow-on do ano passado, quando a BRF levantou R$ 5,4 bilhões, a ação saiu a R$ 20.

Bagatela saudita

O acordo entre Marfrig e Salic mostra que a reestruturação da BRF será bem mais cara e demorada do que Molina ou qualquer investidor imaginava quando a Marfrig se tornou sócia relevante da dona da Sadia, em 2021. 

Há dois anos, quando o empresário engendrou o investimento da Marfrig na dona da Sadia, pagou mais de R$ 23 por ação. Na época, os gestores da Kapitalo (uma das principais acionistas) apostavam que os papéis tinham potencial para dobrar. A Marfrig já injetou R$ 9 bilhões na BRF.

Para que o compromisso de investimento da Salic saia do papel, é preciso cumprir algumas condições precedentes. O principal ponto é a exclusão da poison pill de 33,3%, uma questão que terá de ser aprovada pelos acionistas da BRF em assembleia.

A cláusula já suscitou muito debate durante as discussões para o follow-on do ano passado. Na época, a BRF entendia que a cláusula não era válida se um acionista passasse de 33% durante um aumento de capital aprovado por acionistas, mas a tese enfrentou um parecer contrário de ninguém menos que Marcelo Trindade, ex-presidente da CVM.

Se os acionistas aprovarem explicitamente a exclusão da poison pill para realizar a operação com Salic e Marfrig, esse problema deixa de existir.

Diluição dos minoritários

Para que o aumento de capital da BRF aconteça, os acionistas minoritários terão de aceitar uma diluição gigantesca. Se não acompanharem o follow on, por exemplo, Previ (6,2%) e Kapitalo (5,1%) verão uma participação para 4,2% e 3,5%, respectivamente. Em compensação, a participação da Marfrig pode subir de 33,2% para 38,5%. A Salic ficaria com 15,8%.

Para um analista que conhece bem a BRF, a diluição é muito grande, mas a situação da empresa — que ainda tem uma dívida considerada alta — deve ajudar na aprovação. “Acho difícil recusarem. Ou é isso ou ter o risco de quebrar”, disse.

Segundo uma das pessoas envolvidas na transação, a chegada da Salic vai destravar muito valor na BRF, mas essa é uma assunção que certamente o investidor vai encarar com muito ceticismo. Desde 2017, a BRF tentou várias reestruturações e nenhuma a fez voltar para os áureos tempos. Já teve uma porção de venda de ativos, follow-on e alguns CEOs (Pedro Parente, Lorival Luz e, agora, Miguel Gularte).

Namoro antigo

Esta não é a primeira vez que a Salic se aproxima da BRF. Durante a gestão de Pedro Parente, a companhia chegou a negociar um aporte nas operações do Oriente Médio. Na época, o interlocutor da dona da Sadia era Matt Jansen, que comandava a firma saudita. Com a demissão do executivo americano, as conversas não foram para frente.

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Ao ficar sócia da BRF, a firma saudita terá de contornar o fato de se tornar uma acionista muito relevante de uma companhia que produz carne de porco, produto de consumo proibido pelos muçulmanos. “Eles sempre tiveram esse veto, mas precisam de frango”, ponderou uma fonte. A necessidade de autossuficiência talvez tenha falado mais alto.

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Com a operação, os sauditas serão acionistas relevantes ou bastante próximos de três das quatro maiores companhias de proteína animal do Brasil. A Salic já é a maior acionista da Minerva e agora está a caminho de se tornar a segunda maior acionista da BRF, numa parceria com a Marfrig.

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Para dar conta de sua parte no follow-on da BRF, a Marfrig também fará um aumento de capital para manter a estrutura de capital saudável. Marcos Molina e a esposa Márcia, que controlam a companhia por meio da MMS Participações, já garantiram R$ 1,5 bilhão em um futuro aumento de capital privado da Marfrig.